Pagando para ser um funcionário-carimbo no Congresso da China

10/01/2014 11:20 Atualizado: 10/01/2014 11:20

Em 28 de dezembro de 2013, o Comitê Provincial de Hunan do Partido Comunista Chinês (PCC) disse estar ‘chocado’ com o suborno que ocorreu na eleição para a Assembleia Popular Provincial de Hunan.

A eleição ocorreu há um ano e a corrupção foi generalizada. Os representantes da Assembleia Popular da Cidade de Hengyang elegeram 76 representantes para a Assembleia Popular Provincial de Hunan. Dos 76 representantes, 56 haviam subornado representantes da cidade.

Subornos no valor de 110 milhões de yuanes (US$ 18 milhões) foram para 518 deputados e 68 funcionários da Assembleia Popular da Cidade de Hengyang. Apenas 11 representantes não receberam subornos. Fica a pergunta sobre o que eles receberam para ficar de fora.

Desafio para o Partido

No comunicado em 28 de dezembro, o Comitê da Cidade de Hengyang do PCC e as autoridades condenaram o suborno. O que eles condenaram é muito interessante. O Comitê do Partido descreveu oficialmente o caso como um “desafio ao sistema do Congresso Popular de nosso país, ao sistema político democrático socialista, às leis do Estado e à disciplina do Partido”.

O chefe do Comitê Provincial de Inspeção Disciplinar de Hunan – o escritório local destinado a manter os membros do Partido Comunista na linha – expressou os mesmos pontos com palavras ligeiramente diferentes. O último em sua lista de desafios foi: “Isso é a destruição direta da democracia socialista e das regras democráticas internas do Partido.”

Que os subornos sejam um desafio ao sistema das Assembleias Populares é perfeitamente compreensível. Na China, os representantes devem ser pré-arranjados e aprovados pelo Partido Comunista, e bem controlados.

A forma aceita de suborno é subornar funcionários do Partido e não os membros da Assembleia Popular da Cidade de Hengyang, e deixar que os funcionários do Partido façam os arranjos. Como alguém poderia ignorar as respeitáveis autoridades do Partido Comunista e ousar subornar diretamente os representantes da cidade? Isso foi totalmente fora da linha do Partido e definitivamente inaceitável.

O verdadeiro significado do desafio ao sistema político socialista-democrático é que os subornos ameaçam o controle absoluto do Partido. Então, os dois primeiros desafios mencionados pelo Comitê da Cidade de Hengyang são desafios para o PCC. Essa é a razão para a raiva contra a corrupção.

O terceiro desafio, o desafio à disciplina do Partido ou às regras para a democracia interna do Partido, é um pouco confuso. A eleição não era para representantes do Congresso do PCC, mas para a Assembleia Popular Provincial, que não é formalmente uma organização do Partido.

Na verdade, todos sabemos que o Congresso Popular é chamado de “órgão-carimbo” na China – ele existe simplesmente para proporcionar um show de democracia, enquanto na verdade serve como uma ferramenta do PCC. Mas geralmente o Partido não admite em voz alta que está no comando.

O suborno é normal?

Mesmo que os detalhes do caso de suborno na cidade de Hengyang não fossem revelados, a revista financeira Caixin publicou um artigo sobre um caso semelhante na cidade de Shaoyang, também na província de Hunan. Nesse artigo, um homem chamado Huang Yubiao disse ao repórter como não conseguiu ser eleito: “O dinheiro do suborno não foi suficiente.”

Como aqueles em Hengyang, Huang queria se tornar um representante na Assembleia Popular Provincial. Introduzido por um funcionário de Shaoyang, Huang enviou dinheiro aos representantes da cidade de nove municípios. No total, ele enviou 320 pacotes com 1.000 yuanes cada.

Em outras palavras, ele tentou comprar um assento por 320 mil yuanes, muito menos do que os cerca de 2 milhões de yuanes gastos por cada representante provincial eleito da cidade de Hengyang. Mas Huang não foi eleito.

A partir desta história, sabemos que a corrupção tem um preço inicial. Isso é incomum mesmo na China. O suborno geralmente ocorre por baixo dos panos. Mesmo que haja um preço de mercado que todos saibam, o suborno regular é mais como uma aposta fechada.

Leva tempo para evoluir de uma proposta ilegal fechada a um lance aberto. Isso exige que todas as partes envolvidas aceitem a ideia e a prática. Também exige que os funcionários do Partido e do Estado nesse nível e no nível superior seguinte fechem os olhos. Provavelmente levaria uma década ou mais para desenvolver tal ambiente e cultura sem interferências.

É uma forma cultura. Demorou um ano para autoridades de Hunan agirem. Mas logo após a eleição, os que gastaram dinheiro, mas não foram eleitos, já tinham começado a relatar o suborno às autoridades. Obviamente, as autoridades Hunan não decidiram de forma independente como resolver esse caso de corrupção. Pelo contrário, isso é parte da campanha anticorrupção da nova liderança.

Funcionários-carimbo

O Congresso Popular da China sempre foi considerado um órgão-carimbo. Ele aprova a vontade do Partido sem questionar e a torna lei.

O caso de suborno de Hengyang pode ser visto de diferentes ângulos. Algumas pessoas dizem que os representantes escolhidos por meio de suborno são melhores do que aqueles que são nomeados e escolhidos a dedo pelo Partido.

No entanto, mesmo que todos os representantes não sejam nomeados pelo Partido, o Congresso Popular ainda é um órgão-carimbo e o suborno não pode mudar isso. Ou o Partido não permitirá a mudança. A mudança progressiva ou reforma do sistema político do regime comunista chinês é impossível – pelo menos não tem havido qualquer sinal de reforma até agora.

Os críticos dizem que o suborno violou a lei chinesa e deve ser punido. Mesmo que o suborno tenha desafiado o governo do Partido, isso não era necessariamente a coisa certa a fazer. Ninguém deve usar métodos errados, mesmo para alcançar um objetivo “correto”.

É possível que os novos empresários que surgiram nas últimas décadas de desenvolvimento econômico tenham tentado subornar seu caminho até o Congresso Popular porque querem ter suas vozes ouvidas?

Se assim for, isso seria um desenvolvimento positivo. Um observador chegou a afirmar que o carimbo está ficando endurecido. Em outras palavras, o Congresso Popular já não é tão eficiente no seu papel de carimbar; e estaria começando a mostrar sinais de independência.

Infelizmente, esse não é o caso. Um bom exemplo é o recém-encerrado sistema de reeducação pelo trabalho (RPT). O sistema RPT tem sido criticado por muitas pessoas, desde ativistas de direitos humanos até profissionais de direito, por bastante tempo.

Já em 2005, no Congresso Popular Nacional (CPN), a “lei de correção da atividade criminal” foi proposta como um substituto ao sistema RPT. Mas o movimento nunca foi sequer discutido devido à forte resistência das forças de segurança.

No entanto, uma vez que o Partido decidiu abandonar a RPT em novembro de 2013, o Comitê Permanente do CPN passou imediatamente a decisão de encerrar a RPT em 28 de dezembro de 2013. Sem a decisão do PCC, o CPN não poderia fazer nada.

Proteção paga

Pelo que sabemos sobre o caso da cidade de Hengyang e outros semelhantes, aqueles que pagam subornos tiram o dinheiro de seus próprios bolsos e emprestam de outras pessoas caso não tenham o suficiente.

Quem faria isso? Definitivamente não seriam os funcionários do Partido e do Estado. Eles são ricos o suficiente, mas eles subornariam seu caminho através de conexões do Partido ou do Estado, o que é muito mais rentável e seguro do que tentar subornar 500 representantes da cidade.

Será que os CEOs de empresas estatais fariam isso? Isto também é muito improvável. Na verdade, eles são funcionários de alto escalão do Partido e do Estado. Eles não precisam ser representantes no Congresso Popular. Se eles quisessem, eles seriam nomeados pelo Partido e não pagariam suborno do próprio bolso.

Provavelmente, aqueles que tentaram subornar seu caminho até a Assembleia Popular Provincial são proprietários de empresas privadas. Eles têm dinheiro, mas não se sentem seguros e querem algum tipo de proteção. Eles não podem se tornar funcionários do Partido ou do Estado, pois essas portas não estão abertas para eles.

O que resta a eles é o Congresso Popular, a Conferência Consultiva Política e os partidos democráticos. Essas organizações não têm poder político real. Mas, para ter certeza de que eles desempenharão seus papéis, o Partido lhes dá alguns privilégios ou tratamento especial.

Se funcionários do governo local querem tomar os negócios ou a propriedade de alguém, aqueles com assentos nessas organizações podem obter alguma proteção. Em outras palavras, eles compram proteção, não da Máfia, mas do Partido e de funcionários gananciosos do Estado. Isso é triste, mas é a realidade na China.

Representantes

O Partido Comunista de Hunan, os funcionários do Estado e as mídias porta-vozes do regime criticaram e condenaram a corrupção na cidade de Hengyang. Este suborno foi realmente ruim?

Bem, isso depende da referência que se usa para julgar. Num país democrático, com eleições reais, o suborno é ilegal e ruim. Mas as pessoas não devem usar o mesmo padrão num país sem sistema jurídico real e onde a maioria das pessoas nunca deposita uma cédula.

Se aqueles que pagaram subornos são eleitos, seus votos em projetos de lei, resoluções, regulamentos e leis serão piores do que aqueles que são nomeados pelo Partido? Não necessariamente.

Na China, um dos representantes mais infames e notórios é Shen Jilan. Shen é uma representante nos 12 Congressos Populares Nacionais, desde o 1º CPN em 1954 até o 12º NPC em 2013. Ela nunca votou “não”, nem sequer uma vez.

Ela disse a famosa frase: “Como uma representante, eu devo ouvir o Partido Comunista. Nós somos democraticamente eleitos; eu não troco opiniões com os eleitores.” Como é que alguém poderia fazer um trabalho pior do que essa pessoa?