A mídia chinesa descreveu o recente expurgo do ex-general Xu Caihou como um “terremoto” nas forças armadas do país. Mas a agitação nas forças armadas não parou, pois novos sinais apontam outro alto oficial militar como um próximo alvo, enquanto o líder chinês Xi Jinping tenta assegurar seu controle sobre os militares.
Na purgação atual do Partido Comunista Chinês (PCC) coordenado pelo líder Xi Jinping, a mídia estrangeira – especialmente a de Taiwan e Hong Kong e a mídia dissidente – frequentemente identificaram e previram rapidamente os sinais de que outro funcionário de alto escalão seria derrubado.
Este padrão tem se repetido desde o escândalo de Bo Xilai em 2012 e se manifestou mais proeminentemente na remoção recente de Xu Caihou, o ex-vice-presidente do Comitê Militar Central (CMC), que observadores dizem que tinha de cair como uma demonstração de que Xi Jinping está liquidando a velha guarda.
Agora, o colega de longa data e confidente do general Xu, o general Guo Boxiong, também seria alvo de problemas. Vazamentos e relatórios sobre Guo Boxiong, um ex-comandante militar e vice-presidente do CMC entre 2002-2012, têm feito barulho na internet chinesa nos últimos meses. O Boxun, um website chinês no exterior, que regularmente publica notícias e rumores políticos, informou em abril que Guo teria sido posto na prisão.
Duowei, uma mídia chinesa no estrangeiro cuja estranha precisão em notar mudanças nos ventos políticos na China tem levado muitos a suspeitar que ela é usada como porta-voz do regime de Xi Jinping, informou que as perspectivas de Guo “não são muito encorajadoras” e que seus problemas disciplinares são “igualmente graves” como os de Xu Caihou.
Mudanças recentes de pessoal no alto escalão do antigo reduto de Guo, a Região Militar de Lanzhou, onde um aliado de Xi foi feito comissário político, também sugerem que a liderança do PCC pode ter planos para Guo, pois uma mudança de pessoal semelhante precedeu a eliminação de Xu Caihou.
‘Peões’
Como vice-presidente do CMC, Guo foi um dos dois vice-comandantes militares na China: tanto ele como Xu Caihou sentavam-se sob Hu Jintao, o então líder do PCC, como altos funcionários das forças armadas. Tal como Xu, Guo foi introduzido no CMC por Jiang Zemin, o líder chinês entre 1989-2002 e comandante das forças militares até 2004.
Assim como Jiang plantou seus asseclas nos escalões superiores do aparato do Partido Comunista, o Comitê Permanente do Politburo, assim também ele empilhou seus aliados no comitê militar superior. “Xu e Guo foram dois dos principais comparsas militares de Jiang Zemin, eles eram peões que Jiang instalou para ficarem de olho em Hu Jintao”, escreveu o comentarista chinês Chen Pokong num artigo recente.
Nesta análise, os dois generais dividiam suas funções, o general Guo supervisionava o pessoal e os equipamentos, enquanto o general Xu observava a doutrinação política e a logística. Em seus papéis, os dois vice-presidentes tiveram a oportunidade de acumular grande riqueza.
‘Pálido de choque’
Em maio, a revista “Linha de Frente” (Qianshao, em chinês) de Hong Kong publicou um artigo expondo a corrupção de Guo Boxiong, Xu Caihou e outros oficiais chineses.
Analistas da política comunista chinesa geralmente entendem esses artigos como uma combinação de vazamentos políticos genuínos e escrita criativa por parte dos jornalistas que os reportam. Os jornalistas preenchem os dados que não são fornecidos pela fonte, colorindo uma reportagem política que de outra maneira seria maçante para o leitor comum.
Gu Junshan, um oficial militar superior, que foi o primeiro a cair no atual expurgo entre militares, por exemplo, teria entregue a Xu Caihou 12 carros Audi cheios de barras de ouro. Tanto Xu como Guo pensavam que Gu às vezes ia longe demais, disse o artigo. Mas quando a investigação de corrupção emergiu, eles ainda protegeram Gu ferozmente para prevenir seu expurgo, pois seus crimes eram indissociáveis dos dele.
O artigo também discute a reação de Xi Jinping quando descobriu a extensão da corrupção perpetrada por Xu Caihou, Guo Boxiong e um terceiro oficial chamado Liang Guanglie. “Mesmo que Xi Jinping estivesse psicologicamente preparado, quando ele ouviu os detalhes desses casos de corrupção ele ficou pálido de choque”, disse o artigo.
Dança das cadeiras
Muitas vezes, afirmações de que um determinado oficial encontrará problemas são difíceis de verificar de maneira empírica, mas às vezes há um teste simples: quão frequentemente o oficial aparece em público.
O exame de quem participa ou não de reuniões oficiais é uma tradição entre observadores da China, que são forçados a adotar algumas das ferramentas dos antigos kremlinologistas – observadores experientes do Partido Comunista da União Soviética que identificariam quando um funcionário seria o próximo na linha de expurgo político.
Usando essa métrica simples, o general Guo Boxiong parece estar numa posição perigosa. A função de busca no website “Buscando a Verdade”, uma das principais revistas teóricas do Partido Comunista Chinês, é amplamente reconhecido como uma das formas mais robustas de reunir informações das próprias publicações oficiais do PCC, como as mídias estatais Xinhua e Diário do Povo.
Como o general Xu Caihou, as aparições de Guo Boxiong após sua aposentadoria em novembro de 2012 reduziram-se rápida e dramaticamente. Ele registrou nove aparições em eventos oficiais em 2013 e apenas uma em 2014. (Xu Caihou teve três em 2013 e apenas uma – o mesmo que Guo – em 2014.)
Mas, se o padrão de cobertura para o general Guo for similar ao do general Xu, ele poderá em breve ser notícia outra vez. Se ele for derrubado num expurgo político, as reportagens surgirão numa torrente e serão mais duras. “A imagem dos militares não deve ser manchada”, disse uma manchete após queda de Xu.
Questões de legado
Os líderes do Partido Comunista Chinês sempre procuraram garantir seu controle sobre as forças militares, onde o poder supremo reside. Mao Tsé-tung era notório por sua paranoia e expurgo de funcionários de defesa do alto escalão; e Deng Xiaoping, que o sucedeu, também marginalizou aqueles nas forças armadas que ele via como rivais.
Jiang Zemin, nomeado por Deng, teria conseguido a lealdade dos militares permitindo elevados níveis de corrupção. Jiang foi forçado a recorrer a esta troca para ganhar sua lealdade, porque ele não tinha a autoridade pessoal ou as credenciais revolucionárias de Mao ou Deng.
A influência de Jiang sobre os militares, no entanto, ofuscou muitos anos do regime de Hu Jintao, que governou entre 2002-2012. Jiang deixou a chefia do Partido Comunista em 2002, mas manteve seu posto como chefe do CMC do Partido Comunista até 2004 e como chefe de Estado do CMC até 2005. Neste período, ele também nomeou pessoal-chave no CMC. Xi Jinping está agora lidando com esse legado, purgando os comandantes militares de alto escalão como Xu Caihou e, provavelmente, Guo Boxiong.
“Pode Xi Jinping destruir completamente os protegidos de Jiang Zemin nas forças armadas?”, perguntou o analista Chen Pokong num artigo de opinião. “Não é apenas uma questão de saber se ele obterá o controle completo sobre os militares, mas se ele livrará a política chinesa de seu maior fardo, ou seja, aposentados que interferem nas decisões políticas.” Chen continuou: “Em outras palavras, a luta pelo poder entre os militares se refere às realizações políticas de Xi Jinping, seu futuro político e seu lugar na história.”