OTAN: Sai Rasmussen Entra Stoltenberg

03/10/2014 07:00 Atualizado: 02/10/2014 23:37

Na juventude, novo secretário-geral da Otan era contra o ingresso de seu país na aliança militar. Agora, norueguês assume comando da organização em meio às fortes turbulências na relação com a Rússia.

O novo secretário-geral da OTAN, o norueguês Jens Stoltenberg, que substituiu o dinamarquês Anders Fogh Rasmussen, garantiu na quarta-feira (01), ao tomar posse do cargo que não é contraditório criar uma Aliança Atlântica “forte” e manter uma relação “construtiva” e de cooperação com a Rússia, a quem pediu que respeite a legislação internacional.

“Não há contradição entre aspirar uma relação construtiva com a Rússia e impulsionar uma OTAN forte”, assegurou o ex-primeiro-ministro norueguês na primeira entrevista coletiva que oferece em seu novo posto à frente da Aliança Atlântica.

Para Stoltenberg, uma OTAN forte “é uma pré-condição e a melhor maneira de construir uma relação de cooperação” com a Rússia de novo, depois de as relações bilaterais erodirem por causa do papel russo na crise da Ucrânia.

O novo secretário-geral aliado lembrou que na recente cúpula da OTAN realizada no País de Gales (Reino Unido) no início de setembro, os Estados-membros concordaram que a Rússia “está violando suas obrigações internacionais e a lei internacional” no conflito ucraniano.

“Mas também dissemos na cúpula que aspiramos uma relação construtiva e de cooperação” com esse país, apontou.

Stoltenberg considerou uma “oportunidade” o cessar-fogo no leste da Ucrânia entre as tropas governamentais e os separatistas pró-Rússia, apesar de que Moscou “mantém sua capacidade de desestabilizar” o país com ajuda militar aos rebeldes.

“Temos que ver se a Rússia muda seu comportamento e suas ações para cumprir a lei internacional e suas obrigações internacionais”, acrescentou, pois segundo ele a atual crise na Ucrânia foi “causada por uma intervenção militar da Rússia e representa o principal desafio para a segurança euroatlântica”.

Stoltenberg deixou claro que a OTAN “não procura o confronto com a Rússia”, mas ressaltou: “não podemos e não vamos comprometer os princípios em que se baseiam nossa Aliança e a segurança na Europa e na América do Norte”.

As patrulhas aéreas aliadas continuarão a operar sobre o Báltico e continuarão a haver desdobramentos navais no Mar Báltico e no Mar Negro, a rotação de forças enquanto os exercícios continuarem no leste da Europa “por quanto tempo for necessário”.

“Nossas tropas estão preparadas para serem enviadas em dias. Para demonstrar que a OTAN está determinada a deter qualquer agressão”, destacou.

Stoltenberg lembrou que o artigo 5 do Tratado do Atlântico Norte, sobre a defesa dos aliados, continua sendo “a pedra angular” da organização, e anunciou que nos próximos dias viajará para Polônia e Turquia, aliados que invocaram esse artigo no passado.
Stoltenberg, de opositor a secretário-geral da Otan
O norueguês Jens Stoltenberg assumiu nesta quarta-feira (01/10) o comando da OTAN. O momento é delicado: a organização militar enfrenta uma de suas maiores rusgas com a Rússia, em contendas por causa da guerra civil na Síria e da crise separatista na Ucrânia.

Ex-primeiro-ministro da Noruega, Stoltenberg tornou-se o premiê mais jovem da história do país em 2000, então aos 41 anos – ele ocupou o cargo até o ano seguinte e voltou para mais dois mandatos, de 2005 a 2013. Apesar de ser a sigla mais forte na Noruega na época, o Partido Trabalhista, de Stoltenberg, acabou não obtendo assentos suficientes no Parlamento nas eleições do segundo semestre de 2013, e o governo foi para as mãos da conservadora Erna Solberg.

Na sua posse, Solberg elogiou o antecessor especialmente pelo papel desempenhado por ele no caso dos atentados cometidos pelo extremista de direita Anders Behring Breivik, em julho de 2011. “Você permaneceu firme como uma rocha em meio ao maremoto”, disse a primeira-ministra.

Palavras certas

Stoltenberg homenageia vítimas de massacre em Utøya em julho de 2011 – atuação rendeu-lhe notoriedade internacional

Stoltenberg ganhou notoriedade fora da Noruega após o massacre cometido por Breivik na ilha de em Utøya, onde matou mais de 70 jovens num acampamento promovido pelo Partido Trabalhista.

O então primeiro-ministro comportou-se como um “pai” da nação: sempre tranquilizador e consolador, não se deixou levar por reações impensadas. “Precisamos defender nossos valores de maneira firme”, afirmou na época o então premiê, às lágrimas. “A resposta da Noruega à violência é mais democracia, mais transparência e uma maior participação política”, defendeu.

As semanas dramáticas que se sucederam ao massacre, nas quais a Noruega esteve no foco da opinião pública internacional, foram uma prova de fogo para Stoltenberg, cuja atuação foi considerada brilhante.

De inimigo a defensor

Além dos três mandatos como primeiro-ministro, Stoltenberg também atuou como ministro em diversos governos noruegueses – nada, porém, na área de defesa.

Fora o tempo em que foi membro do Comitê de Defesa, no início dos anos 1990, por muitos anos o nome de Stoltenberg não esteve necessariamente associado à OTAN – e, quando isso ocorria, era de uma maneira negativa. Quando jovem, o político era, ironicamente, contra a adesão da Noruega à OTAN.

Mais tarde, porém, ele mudou de opinião. Stoltenberg foi um dos articuladores para que a juventude social-democrata aceitasse a adesão da Noruega à OTAN. Como primeiro-ministro, apoiou ações militares internacionais. Seu país participou, por exemplo, tanto da missão no Afeganistão quanto da intervenção na Líbia, fazendo com que ele e a Noruega ganhassem o respeito dos EUA.

Washington e outros integrantes da Otan acabaram por perdoar os “pecados da juventude” de Stoltenberg, e, aos poucos, o político norueguês foi galgando degraus até chegar ao posto mais alto dentro da organização.

Desafio chamado Rússia

Stoltenberg apresenta ainda, como “qualificação extra”, uma grande habilidade diplomática para lidar com um país vizinho da Noruega, a Rússia. Como primeiro-ministro, ele estabeleceu a isenção de vistos para facilitar o trânsito de pessoas entre os dois países e fechou um acordo de fronteiras com Moscou no Mar de Barents. “Suas experiências com a vizinha Rússia são um trunfo”, afirmou o maior jornal da Noruega, Aftenpost, quando Stoltenberg ainda estava na corrida para o posto com outros candidatos.

Ciente dos desafios, Stoltenberg se referiu à Rússia no seu discurso de abertura. Ele disse que a aliança militar continua buscando uma relação construtiva com a Rússia. “Não há contradição entre o desejo de uma relação construtiva e uma OTAN forte”, afirmou.

O novo secretário-geral da OTAN terá uma orientação mais político-civil do que militar, opina o jornalista Harald Stanghelle, editor do Aftenpost. “Mais secretário do que general”, escreveu. O conflito com a Rússia deverá exigir o máximo de sua habilidade diplomática, tanto fora como dentro da própria organização.

Segundo Stanghelle, o novo secretário-geral tem bons contatos com vários chefes de governo e Estado da aliança militar, entre eles a chanceler federal Angela Merkel, o primeiro-ministro David Cameron e o presidente Barack Obama. Também a França estaria apoiando o novo secretário-geral.

O sucesso de Stoltenberg à frente da OTAN dependerá, também, dos recursos disponíveis. Mesmo antes dos recentes conflitos, os americanos já defendiam que os membros europeus da organização investissem mais em defesa. Essa exigência ficou ainda mais forte agora. Mas justamente o novo secretário-geral pode apresentar um bom balanço nesse ponto: enquanto a maioria dos integrantes da aliança vem reduzindo seus gastos com defesa, a Noruega, sob o comando do então premiê Stoltenberg, aumentou. Mais uma ironia na carreira de um político que, na juventude, era contra a OTAN.

DefesaNet