Cinco anos e meio depois de ter ativado um Comando de Combate Unificado para a África – o United States Africa Command (AFRICOM), sediado num quartel dos arredores da cidade alemã de Stuttgart –, o governo dos Estados Unidos está intensificando a presença de sua Marinha e de forças navais europeias no litoral noroeste do continente africano, numa manobra que ignora a desaprovação do Brasil à expansão da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN – NATO) pelo Atlântico Sul.
Em apenas quatro edições do exercício naval de patrulhamento do Golfo da Guiné – área das rotas de escoamento do petróleo produzido na Nigéria e em outros países da região – a US Navy passou de nove para 22 o número de marinhas envolvidas nessas manobras, denominadas Obangame Express. De acordo com as entidades internacionais que controlam o tráfego e o comércio marítimos, o golfo é um dos pontos negros em termos de pirataria – comparável, em número de ocorrências, à costa da Somália (já submetida à vigilância de uma força-tarefa internacional), ao litoral de Bangladesh e aos estreitos da Indonésia.
Em 2011, a Obangame Express reuniu cinco marinhas do chamado “continente negro”, lideradas pela Nigéria, além dos Estados Unidos e de três aliados europeus: Bélgica (país-sede da Otan), França e Espanha. Este ano, navios de nada menos do que nove países europeus se juntaram aos americanos para o treinamento de 11 forças navais africanas – inclusive embarcações das Marinhas da Turquia e da Dinamarca, mais acostumadas às operações no Mar Mediterrâneo e nos mares gelados da Europa setentrional, respectivamente.
A força-tarefa turca era composta por quatro unidades: as fragatas “F-495 TCG Gediz” e “F-245 TCG Oruçreis”, a corveta “F-511 TCG Heybeliada” e o petroleiro “A-595 TCG Yarbay Kudret Güngör”, designados, no início do ano, para fazer uma viagem de circunavegação pela África. Os turcos têm um objetivo estratégico em seu périplo africano: mostrar as qualidades das suas embarcações militares de construção nacional às autoridades das diferentes marinhas da África.
A 22ª nação participante do exercício foi o Brasil, cuja esquadra só no ano passado conseguiu ser incluída na Obangame Express. A unidade que representou o poderio naval brasileiro foi o moderno navio-patrulha oceânico “P-121 Apa”, de fabricação britânica. Ele se manteve em operações entre os dias 16 e 23 de abril, empenhado em missões antipirataria, de fiscalização e abordagem de embarcações suspeitas, e de busca e salvamento.
Em 2010, por duas vezes, autoridades do Departamento da Defesa dos Estados Unidos e da Otan tentaram cooptar o governo brasileiro a apoiar uma iniciativa que eliminava a divisão entre o Atlântico Norte e o Atlântico Sul, com o objetivo evidente de estender para baixo da linha do Equador a área de ação da OTAN. O ministro da Defesa da época, Nelson Jobim, foi instruído pelo Itamaraty a rejeitar firmemente a proposta.
Entretanto, nos últimos quatro anos, Brasília viu-se forçada a assistir à penetração da Aliança Atlântica na América do Sul. Deixaram-se atrair pela OTAN os governos do Chile e da Colômbia. Neste início de 2014, também o México mostrou-se disposto a estabelecer um vínculo permanente com a organização.
A OTAN está empenhada na quarta rodada de ampliação dos seus membros dos últimos 15 anos. As primeiras aconteceram em 1999, 2004 e 2009.
Atualmente a entidade trata da filiação da República Georgia – tema da pauta de contenciosos entre Washington e Moscou –, e do aprofundamento da chamada Iniciativa de Cooperação de Istambul, que prevê a aproximação da Aliança Atlântica com parceiros militares preferenciais dos Estados Unidos no mundo árabe: Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Kuait e Catar.
Preso à cooperação com uma ala Bolivarianista – antiamericana – do continente, formada por Venezuela, Argentina, Bolívia e Equador, o governo brasileiro mantém distância das ofertas de parceria política feitas por Washington, ainda que não impeça os seus militares de firmar acordos técnicos e operacionais com os americanos.
Fazer ao contrário seria mesmo uma grossa bobagem. A radicalização de posições adotada (por diferentes motivos) por governantes de Caracas, Buenos Aires e La Paz, levaram essas administrações a serem punidas com um embargo de equipamentos de uso militar sofisticado.
No caso venezuelano – o mais grave – o bloqueio é quase que total, tanto que os almirantes venezuelanos receberam navios de guerra construídos na Espanha com armamento que mal serve para a autodefesa, e precisará ser reforçado com mísseis a serem adquiridos na China, ou na Rússia. O segundo caso mais grave é o da Argentina que, além da hostilidade em relação aos americanos, também enfrenta a Inglaterra no plano internacional, por causa da soberania britânica nas Ilhas Malvinas.
A Marinha do Brasil vem ampliando suas relações com as forças navais africanas há cerca de 20 anos, mas limitações orçamentárias impedem a presença mais assídua dos navios de guerra nacionais na costa oeste da África. Mesmo assim o país possui missões navais permanentes na Namíbia e na República de Cabo Verde, e ainda assiste a guarda costeira de São Tomé e Príncipe (país insular que precisou aceitar uma base de comunicações americana).
No primeiro trimestre de 2014, também o governo de Moçambique solicitou a ajuda da Marinha do Brasil para desenvolver a sua força naval.
O problema é a que a capacidade brasileira de competir com países de economia forte ainda é pequena. Em 2012, a indústria naval brasileira assistiu a Nigéria contratar dois navios-patrulha na China, por US$ 70 milhões.
Video divulgado pela 6ª Frota Americana
Roberto Lopes é jornalista especializado em assuntos militares. Em 2000 graduou-se em Gestão e Planejamento de Defesa no Colégio de Estudos de Defesa Hemisférica da Universidade de Defesa Nacional dos Estados Unidos, em Washington
Esse conteúdo foi originalmente publicado no site DefesaNet