Como prova de respeito aos meus distintos leitores, declaro desde já que anda muito longe das minhas intenções qualificar qualquer um deles como excluído. Você mesmo, caro leitor, talvez já tenha derramado doloridas lágrimas ante o drama dos excluídos, pranteados sinfonicamente pela ONGosfera socialista. Quanto a mim, estou à procura de quem queira lacrimejar no meu quintal pelo motivo oposto, pois o que não consigo é ser incluído nos excluídos.
Antes de explicar minha desdita, vamos dar juntos uma olhadinha nessas instituições autodenominadas ONGs. Comecemos por lembrar que ONG é uma sigla significando Organização Não Governamental. Se não é governamental, deve-se entender que não pertence ao governo, não é custeada pelo governo nem realiza trabalho da competência do governo, certo? Errado, chapadamente errado.
Primeiramente, porque recebem verbas polpudas do governo (ou seja, de nós contribuintes) a título de incentivos fiscais; outras são cozinhadas em panelas esquerdopatas do governo e dele recebem verbas diretamente, apesar de não serem governamentais. Em segundo lugar, porque algumas entidades rotuladas como ONGs atuam em áreas das quais o governo deveria cuidar, enquanto outras se atribuem atividades que só interessam a quem as exerce. Em terceiro lugar, se elas não pertencem ao governo, mas são subvencionadas pelo dinheiro público, compete obrigatoriamente ao governo fiscalizar o seu uso; e se não fiscaliza, pode ser incriminado, mas não vejo ninguém interessado em interessar-se por cumprir essa obrigação, o que em casos específicos já é crime de conivência. A condição de não governamental tornou-se um salvo-conduto para fugir da fiscalização e prestação de contas, como se fosse uma ação entre amigos.
Passemos a alguns exemplos:
Menores abandonados, ou de rua, eis uma categoria de excluídos capaz de provocar rios de lágrimas. Mas eu li em jornal, alguns anos atrás, que o número de menores abandonados no Rio de Janeiro era menor que o de ONGs destinadas a cuidar de menores abandonados. Isto supõe, no mínimo, histórias mal contadas.
Orquestrou-se uma milONGa carpideira e esquerdófona em favor de negros, morenos, mulatos, cafuzos, trigueiros. Eles sempre foram assim designados respeitosamente durante séculos, mas agora são insultados numa maçaroca ideológica como afrodescendentes. Já conseguiram extorquir para eles vantagens invejáveis, inclusive um feriado espúrio. Resultados válidos dessa barulheira dispendiosa? Que eu saiba, nenhum.
Os índios tornaram-se turbulentos, exigentes, agressivos, pela ação de organismos como Cimi, Funai, Incra, ONGs, cujo estrabismo anticapitalista os estimula a obter vantagens… para as ONGs. A inércia beligerante deles já capturou 13% do território nacional. Nas mãos do agronegócio, em pouco tempo essa sesmaria colossal alimentaria grande parte do mundo, além de gerar empregos para todos os índios, se estivessem dispostos a trabalhar.
Gente que ignora o significado de quilombo e quilombola reivindica glebas imensas, alegando que seus ancestrais viviam por ali. ONGs do ramo se encarregam de fabricar os documentos, e muitos já se julgam com direito a cidades inteiras.
Acrescente a miríade de bolsas, quotas e cestas que se multiplicam para isso e mais aquilo, e concluirá que não compensa dar duro para progredir, o melhor é arranjar uma mamata qualquer, lacrimejando sob este slogan: Sou um excluído!
Embora eu esteja interessado em usufruir as vantagens de excluído, não consigo enquadrar-me. Por exemplo, estou entusiasmado com a perspectiva de ser índio. De repente, não mais que de repente, eu me tornaria um dos poucos donos de 13% do território nacional. Mas meu físico de ariano alemão não engana ninguém. Minha pigmentação epidérmica pouco excludente me exclui também dos amplos privilégios de negros e quilombolas. Em manifestações agressivas de desordeiros sem-terra, eu seria um alienígena. E no limiar da terceira idade, tenho pouca chance para me aceitarem como menor abandonado.
Que tal, leitor, você inventar para nós uma categoria de excluídos? Não faltarão ONGófilos, ONGatunos e ONGanadores, que surgem por geração espontânea, e logo se mobilizarão para tornar inquestionáveis os nossos direitos. Se elucubrar alguma coisa, avise-me. Enquanto espero, vou me sindicalizar e deixar crescer a barba, isso deve ajudar. Por favor, fabrique uma forma de exclusão adequada para me incluir nos excluídos.
Jacinto Flecha é colaborador da Agência Boa Imprensa (ABIM)
Esse conteúdo foi originalmente publicado no portal da Agência Boa Imprensa