Oficial chinês propõe compartilhar “órgãos ilegais” com Taiwan

24/12/2014 15:58 Atualizado: 24/12/2014 15:58

Um ex-vice-ministro chinês da saúde e agora funcionário encarregado do sistema de transplante de órgãos da China propôs expandir os controversos transplantes de órgãos da China até Taiwan, segundo observações dele enquanto em visita oficial à ilha.

A ideia, conforme proposta por Huang Jiefu, chefe do Comitê Nacional de Transplante de Órgãos da China, tornaria disponíveis os órgãos adquiridos na China para destinatários em Taiwan, enviando-os através do estreito.

Huang Jiefu falou na cidade sulina de Kaohsiung em 19 de dezembro, sugerindo que a iniciativa preveniria que pacientes em Taiwan tivessem de voar à China para obter órgãos. “Através do estreito somos uma família”, disse ele, segundo o Apple Daily, um jornal de Taiwan. “Isso é uma coisa linda.”

Mas a proposta levantou algumas sobrancelhas. Para começar, por que ela foi feita não está claro. A China já tem problemas para satisfazer a demanda de sua população por órgãos para transplante, que o regime chinês diz incluir órgãos de prisioneiros executados, e que pesquisadores dizem que são órgãos preponderantemente de prisioneiros de consciência.

Além disso, as autoridades chinesas também teriam anunciado recentemente que parariam o uso de órgãos de prisioneiros no corredor da morte para transplantes a partir do próximo ano, embora houvesse ambiguidade em torno deste pronunciamento.

Se de fato os órgãos de prisioneiros não forem utilizados em transplantes, é muito difícil saber como serão satisfeitas as demandas por órgãos, e muito menos como órgãos adicionais estariam disponíveis para pacientes de Taiwan.

E se, como muitos temem, não houver intenção de cessar o uso de órgãos de prisioneiros, mas apenas uma tentativa de integrar essas fontes de órgãos contaminadas com a rede de alocação de órgãos existente, que seria baseada apenas em doações voluntários, então não está claro como esses órgãos seriam adequados para exportação para Taiwan.

O uso de órgãos de prisioneiros é condenado como antiético por grupos médicos internacionais, incluindo a Organização Mundial de Saúde e a Sociedade de Transplantes, porque prisioneiros sob custódia não têm a capacidade de decidir livremente pela doação de seus órgãos.

Na China, em particular, o sistema de justiça criminal é repleto de corrupção e abuso dos detentos. Não há garantias de que os prisioneiros seriam capazes de dar o seu consentimento genuíno, em vez de ter suas autorizações simplesmente preenchidas por agentes de segurança e funcionários médicos.

A advogada taiwanesa de direitos humanos Theresa Chu, que representa regularmente praticantes do Falun Gong, uma prática espiritual que é perseguida na China, tem essas preocupações e outras. Pesquisadores estimam que pelo menos 60 mil praticantes do Falun Gong foram mortos na China entre 2000-2008 para extração forçada de seus órgãos e posterior comércio ilegal. Como o tráfico de órgãos na China continua ininterruptamente, acredita-se que o número seja significativamente maior.

“Taiwan precisa saber disso agora, mesmo que o Partido Comunista Chinês [PCC] tenha dito que adotará um sistema de doação de órgãos com base cidadã, o PCC não deu detalhes sobre como pretende implementar isso”, disse Chu. “Assim, toda a questão de saber se esse sistema de transplante é aberto, transparente e rastreável, ainda é extremamente duvidosa.”

Ela advertiu que, se uma plataforma compartilhada com Taiwan fosse realmente estabelecida, isso poderia potencialmente fazer os “órgãos ilegais” da China, incluindo aqueles extraídos à força de pessoas vivas, “propagarem-se para todo o mundo”, disse ela.

O próprio Huang Jiefu realizou centenas de operações de transplante de órgãos que envolveram órgãos de prisioneiros executados, conforme documentado em editoriais da mídia chinesa. Ele também disse oficialmente que defende o uso de órgãos de prisioneiros.

De acordo com Huang, prisioneiros têm o direito de doar seus órgãos, o que ele vê como uma maneira de estes cidadãos pagarem sua dívida com a sociedade. As implicações desse direito do prisioneiro é representar o uso de seus órgãos como sendo doações voluntárias. Com essa mudança na descrição do uso de órgãos de prisioneiros como doações, a China estabeleceu seu programa de doação “voluntária” de órgãos, que até então não funcionava pela falta de verdadeiros doadores.

Lee Po-chang, chefe do Centro de Registro e Compartilhamento de Órgão de Taiwan, disse numa entrevista que espera que Taiwan possa continuar se movendo em direção a autossuficiência na doação e suprimento de órgãos – o que ele disse é parte de uma tendência global.

Porque a China ainda não é capaz de satisfazer suas necessidades de doação de órgãos, disse ele, enviar órgãos para Taiwan não é uma opção. “Este problema não será resolvido tão facilmente”, concluiu ele.