Imagens recentes da Ucrânia revelam um país que em alguns lugares se assemelha a um campo de batalha, levando alguns a comentar sobre a possibilidade de o país escorregar para uma guerra civil.
Estes receios foram estimulados pela escalada dos números dos que têm ido às ruas e da violência que resultou na morte de um punhado de manifestantes recentemente e pela ocupação de edifícios administrativos em Kiev, incluindo o Ministério da Justiça, bem como edifícios administrativos regionais.
Isto foi motivado pela aprovação no Parlamento ucraniano de leis antiprotesto draconianas em 16 de janeiro. Amplamente vista como ignorando o devido processo democrático, esta legislação efetivamente criminalizaria aspectos fundamentais dos protestos políticos. Como resultado, os protestos, até então relativamente pacíficos e constantes contra a decisão do governo de rejeitar um acordo de associação com a União Europeia (UE) em favor de relações mais estreitas com a Rússia, transfiguraram-se gravemente.
Ucranianos não foram os únicos críticos das leis antiprotesto. Tanto a UE como o Conselho da Europa (CE) expressaram preocupações, este último pedindo que o governo pelo menos suspenda a legislação enquanto reconsidera sua compatibilidade com a Convenção Europeia dos Direitos Humanos.
Num comentário, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, alertou para os perigos de elementos externos alimentarem ainda mais as chamas. A Rússia pode muito bem ser acusada de desonestidade, é claro, após seu empréstimo de £9 bilhões à Ucrânia que precipitou seu governo a rejeitar laços mais profundos com a UE. A legislação de 16 de janeiro também era familiar aos observadores russos, que aprovaram no passado restrições legislativas semelhantes contra protestos devido ao retorno de Putin à presidência em 2012.
Algumas concessões do governo
Apesar do alto custo, incluindo algumas vidas, os protestos ucranianos em defesa da democracia até agora têm sido eficazes em alcançar concessões. Testamento disso foi a notícia de que a detestada legislação seria revogada, acompanhada pela renúncia do primeiro-ministro Mykola Azarov.
Ao mesmo tempo, partidários do presidente Yanukovych não têm sido razoáveis em sua alegação de que o protesto é antidemocrático só porque Yanukovich e o governo foram eleitos. O problema é a percepção de que a corrupção é desenfreada no sistema político da Ucrânia; e Yanukovych é amplamente considerado como uma grande parte do problema. A questão é, portanto, se as concessões feitas são um pouco tarde demais para salvar o próprio Yanukovych.
As concessões são facilmente explicadas. O aumento da distribuição geográfica do protesto apanhou muita gente de surpresa, com protestos ocorrendo mesmo nas regiões que são consideradas de apoio do presidente. Zaporizhya é um exemplo, localizada no Sudeste do país, com uma grande população de etnia russa onde o russo é comumente falado. Na segunda-feira 27 de janeiro, manifestantes antigoverno que tentavam ocupar prédios administrativos enfrentaram os manifestantes pró-governo, resultando na retirada da polícia de choque; um símbolo das divisões que existem na sociedade ucraniana, mas também um sinal de que Yanukovych é mais repudiado do que se pensava anteriormente.
Oficialmente, Yanukovych continua no comando das forças de segurança do país, incluindo tropas e polícia de choque. Diante de relatos de que o ministro da Justiça, Olena Lukash, ameaçou declarar estado de emergência, os manifestantes que ocuparam o Ministério da Justiça recuaram, enquanto a alta-representante da UE, Catherine Ashton, antecipou sua visita à Ucrânia na esperança de ajudar a acalmar a situação.
Que os manifestantes estão dispostos a dar um passo atrás e que Yanukovych até agora não usou todo o peso da força contra os protestos são sinais de esperança e sugerem que Yanukovych e seus oponentes entendem o que está em jogo. Deve-se reconhecer também, no entanto, que a contenção de Yanukovych a este respeito pode ser um indicativo de suas dúvidas sobre onde as lealdades de membros individuais do exército, da polícia, etc. residem e, portanto, que a probabilidade haveria deles enfrentarem os manifestantes.
Futuro do presidente incerto
Apesar dos compromissos, é difícil imaginar um futuro em que Yanukovych continue no poder, embora haja motivos para acreditar que o resultado das eleições seria respeitado (desde que fosse percebido como livre e justo). Os eventos após a Revolução Laranja, incluindo a própria eleição de Yanukovich, demonstraram que os ucranianos estão dispostos a respeitar os resultados eleitorais.
Embora seja um erro tratar a oposição como um bloco monolítico, alguns partidos de oposição compartilham semelhanças e entre eles podem se destacar certas questões para uma campanha eleitoral e em seguira para uma agenda de governo.
Três partidos principais constituem a oposição: o Pátria, liderado por Yatseniuk; a UDAR (Aliança Democrática Ucraniana pela Reforma) de Klitschko; e o Svoboda (Liberdade) de Tyahnybok, este último um partido de extrema-direita considerado por alguns como xenófobo. Yatseniuk e Klitschko compartilham um terreno comum em sua luta contra a corrupção, sua oposição a Yanukovych e sua preferência por uma futura aliança Ucrânia-UE.
Uma escolha difícil
Independentemente de alinhamentos partidários, a UE deixou claro que a estrada da Ucrânia para uma associação mais estreita permanece aberta se for isso o que a Ucrânia quiser. A Rússia, no entanto, constitui um problema. A UE tem sido extremamente crítica das táticas utilizadas pela Rússia, que são amplamente consideradas responsáveis por fazer o governo ucraniano se afastar da UE.
Certamente, a Rússia deixou claro que o aprofundamento da relação da Ucrânia com a UE significaria que a Ucrânia não poderia se juntar à União Aduaneira, atualmente formada por Bielorrússia, Cazaquistão e Rússia, enquanto a Armênia também anunciou recentemente sua intenção de se juntar (afastando-se da UE no processo).
A adesão da Ucrânia garantiria seu acesso aos mercados de outros Estados vizinhos da Rússia, assim como fundamentalmente reconsideraria sua elevada dependência deles e um preço melhor pelo gás russo. A Ucrânia tem de considerar também o fato de que uma união aduaneira regional provavelmente conferirá menos custos imediatos sobre a economia ucraniana em dificuldade do que um Acordo de Associação com a UE e que tudo isso significaria perda de apoio, de assistência e de auxílio financeiro russo para abordar as deficiências institucionais no sistema político ucraniano.
Seja qual for o resultado do atual estado de coisas, a Ucrânia não só permanece confrontada com uma escolha difícil entre voltar-se para o Ocidente ou Oriente. Ela enfrenta a escolha ente uma solução econômica de curto prazo na forma de assistência russa e um processo de reforma política e econômica longa e dolorosa que provavelmente resultará na associação mais estreita com a UE.
Maxine David não trabalha, dá consultoria, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficie com este artigo, e não tem afiliações relevantes.
Este artigo foi publicado originalmente por The Conversation
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