Em 2011, a maioria das pessoas ainda pensava que a China, por causa de seu relativamente baixo endividamento público, tinha uma economia muito mais sólida que a da Europa ou a dos Estados Unidos. Então, veio o livro Red Capitalism (Capitalismo Vermelho), de Fraser Howie, um dos primeiros livros a expor a máquina de dívida existente nas entranhas do sistema bancário chinês e os riscos desse modelo de crescimento cheio de dívidas.
Após morar seis anos na China, Fraser vive agora em Cingapura, mas ainda tem algumas coisas para nos falar sobre a China e o crescimento da China.
Em 2014, temia-se um grande nível de inadimplência na China; as pessoas falavam de 2014 como um ano de inadimplência.
Vamos relembrar da economia chinesa em 2014
Havia uma expectativa de que parte da dívida podre finalmente voltaria ao seu lugar de origem. Claro, isso não aconteceu. Porém, fundamentalmente, o problema não mudou. De qualquer modo, qualquer sistema econômico, principalmente um como o da China, é muito mais complexo e difícil de ser modelado do que se pode imaginar. Há a capacidade de flexibilização, de adiar as coisas e de rolar as coisas de um modo que as pessoas costumam subestimar.
Quais são principais problemas da China?
Os problemas da China são crônicos (desenvolvimento lento e de duração prolongada), não são problemas graves (duração curta). Não é uma Grécia ou Dubai, onde eles precisam refinanciar as dívidas em uma moeda que eles não podem imprimir. A China tem problemas estruturais de longa data decorrentes de um modelo que fundamentalmente tem seus dias contados.
Com isso não quero dizer que a economia da China vai entrar em colapso. Quando as pessoas pensam em colapso econômico, elas pensam em coisas como inadimplência do governo, quebra do sistema bancário, desvalorização da moeda de 30%. Esse tipo de coisa que acontece em outras economias, eu não vejo acontecendo na China.
O governo chinês ainda tem grande controle sobre o fluxo de capital. Quando se trata do setor financeiro nacional, o governo chinês controla claramente todas as alavancas do poder. Ele também tem grande controle sobre a informação.
Mas há um preço a pagar
Mas o que eles não são capazes de fazer é transformar investimentos ruins em bons, projetos ruins em bons. Se você construiu um conjunto de apartamentos no meio do deserto e ninguém quer ir morar lá, você perdeu dinheiro nesse empreendimento. Mesmo que você atrai pessoas para lá por meio de subsídios ou aluguéis baratos, ainda assim, o seu retorno financeiro será bem menor.
Então, em vez de sua empresa ter um retorno sobre o investimento de 10%, ela terá um retorno de 1%. Isso não pode ser alterado e é aí que estamos na China.
Os problemas da China são crônicos
É por isso que estamos vendo a demanda diminuir em quase todos os setores da economia chinesa. O consumo elétrico cresce. Você vê que o consumo está alto, em torno de 10%. Mas quando você olha o que está por trás dos números, não é que as pessoas estão saindo e comprando nas lojas.
O que você observa é um aumento do estoque em vários setores. Você vê um excesso de capacidade bruta em vários setores e excesso de várias mercadorias, e você pensa: isso parece ser um cenário terrível.
O que pode o regime chinês fazer?
O regime está petrificado diante de ter que reconhecer a real situação, em grande parte, da própria autoria. Não é algo feito por um estrangeiro mal intencionado. Isso é, em última análise, o resultado de uma economia altamente centralizada e das limitações de um modelo que tenta planejar e controlar tudo. O resultado é a má alocação de recursos.
Quando você tem uma estrutura de fomento baseada no crescimento do PIB a qualquer custo, não é de surpreender ver o PIB subir e, junto, o nível de endividamento.
O regime chinês está numa posição muito difícil porque terá que lidar com esse modelo que tem seus dias contados. Como aceitar crescimentos mais baixos? Quando você olha de perto a microeconomia da China, seja o balanço ou desempenho ou consumo de energia elétrica ou os lucros das empresas, está tudo sob pressão. Mas, ainda assim, muitos analistas continuam a alimentar a macro ficção de que a economia vai bem: “Ela ainda está crescendo a 6,8%” [estimativa do FMI para 2015], o que é de causar inveja a muitos países ocidentais.
E sobre o crescimento?
Eu não acho que eles estão simplesmente maquiando os números artificialmente. Não é que alguém diga: “Bem, este mês o número será…”. Eles estão claramente medindo as coisas. No entanto, a relação entre o crescimento do PIB e o que as empresas estão vivenciando é antagônica; esse é o problema.
Se você estiver nos Estados Unidos e crescimento for de 5%, haverá claramente um monte de coisas coerentes acontecendo no nível micro – aumento do emprego, empresas ganhando dinheiro, expansão.
Na China, você tem supostamente um crescimento de 7%, mas nenhuma dessas coisas está acontecendo de um modo que faz sentido. Há uma grande desconexão. É um problema estrutural.
E sobre demografia?
Isso se agrava pelo fato de o perfil demográfico na China ter mudado. Em vez de haver mais e mais trabalhadores no mercado de trabalho, agora você tem cada vez menos trabalhadores no mercado de trabalho. Há esse problema típico de uma sociedade que envelhece. Além disso, há tremenda desigualdade e enormes problemas de poluição.
Uma das coisas que tem salvado o regime – e é um pouco de sorte, algo que eles podem explorar – é que o povo chinês foi condicionado a aceitar uma enorme quantidade de disparates de seu governo.
O povo se revoltará?
Isso não leva a uma revolução, mas certamente leva a muito descontentamento e o descontentamento é parcialmente tratado com o aumento dos salários. Sempre que possível, o regime tenta aumentar os salários ou limitar os preços, o que significa que fica cada vez mais difícil de as empresas obterem lucros.
A afirmação de que a China é a capital mundial da exportação barata também está desabando. Todos os países enfrentam problemas, mas o que a China tem deixado de fazer em todos esses anos de expansão e crescimento é criar estruturas que possam atenuar alguns dos piores aspectos desses problemas.
Se houvesse um pouco mais de liberdade na sociedade, então, eles estariam em uma posição muito melhor para responder a algumas dessas pressões e seriam capazes de lidar de forma mais adequada com a desaceleração do crescimento.
Desde início dos anos 90, a legitimidade do Partido Comunista Chinês é sustentada devido ao crescimento do PIB e à melhora no padrão de vida do povo. No entanto, essa melhoria é duvidosa e difícil de ser sustentada se a água e solo estão ficando contaminados, se o ar não pode ser respirado.
E você tem outros cenários econômicos absurdos como em Pequim, a capital da próxima superpotência do mundo [sic], onde você é encorajado a comprar um carro, mas só pode dirigi-lo em metade dos dias da semana. Que tipo de milagre econômico é esse? Isso parecer mais algum tipo de pesadelo distópico, em vez de um brilhante exemplo de sucesso econômico.