Observando a tensão na fronteira indochinesa

09/05/2014 12:45 Atualizado: 09/05/2014 12:46

Em abril do ano passado, uma patrulha de fronteira chinesa de 30-50 soldados fez uma incursão no território da Índia e acampou ali por três semanas antes de se retirar. A fronteira de facto entre os dois países é conhecida como ‘Linha Atual de Controle’ (LAC) e a incursão da China penetrou 19 km no lado indiano.

Reivindicações fronteiriças conflitantes remetem à década de 1950, não muito tempo depois de cada país ter formado seu quadro político atual (1947 na Índia, e 1949 na China, quando os comunistas tomaram o poder no continente). Novos líderes herdaram a disputa de fronteira de seus antecessores e esta se tornou a maior disputa de fronteira no mundo.

A recente incursão evidencia que “a disputa territorial continua a ser uma fonte considerável e contínua de tensões no relacionamento [China-Índia]”, escreveu Jeff M. Smith no livro “Cold Peace: China-India Rivalry in the Twenty-first Century“. Smith é diretor do Programa Sul da Ásia no Conselho Americano de Política Externa, em Washington DC.

Em outubro de 1962, a China e a Índia entraram em guerra ao longo da fronteira disputada do Himalaia, mas desde então não houve conflito aberto. Smith disse que as armas nucleares, a interdependência econômica e a geografia tornam altamente improvável que uma guerra em larga escala ocorra novamente. No entanto, conflitos localizados e limitados são prováveis.

Até agora, não houve incidentes mortais desde os anos 1970, mas houve várias centenas de incursões fronteiriças. A recente incursão chinesa foi considerada incomum pela distância percorrida e pelo tempo de permanência, segundo Smith.

Carolyn Bartholomew, comissária da Comissão Econômica e de Segurança EUA-China, em depoimento perante o Comitê dos Serviços Armados do Senado, disse em 20 de novembro de 2013 que o incidente foi uma evidência que “uma desconfiança mútua aguda continua a assolar a relação… Enquanto os interesses globais da China se expandem, Pequim se torna cada vez mais assertiva e ativa em suas relações exteriores.”

Os dois lados nem chegaram a trocar mapas sobre onde identificam a fronteira, exceto para o Setor do Meio. “Há vários trechos em que nenhum dos lados sabe onde as patrulhas de fronteira tem o direito de ir”, disse Smith. Em seu livro, Smith colocou o ônus sobre a China por “obstrução”.

A China enfatiza sua reivindicação sobre o Setor Oriental “com a cidade fronteiriça estrategicamente vital de Tawang”, que a Índia nunca considerará abrir mão, disse Smith.

No entanto, apesar da prevalência de “tensões geopolíticas e desconfiança estratégica”, os laços econômicos e diplomáticos têm expandido, bem como a relação sino-americana, disse Smith. De 1998 a 2012, o comércio bilateral se expandiu 67 vezes.

Corrida armamentista

Desde cerca de 2006, quando as negociações começaram a falhar, uma corrida armamentista ocorreu em ambos os lados da LAC, disse Smith na Heritage Foundation em 12 de março.

Esta corrida torna mais provável que um incidente possa irromper. Em 2013, a Índia anunciou que acrescentaria 50 mil tropas especializadas no Batalhão de Vanguarda a ser implantado na fronteira do Setor Leste. Ela também implantou suas aeronaves mais avançadas e mísseis de cruzeiro na região – tudo isso para acompanhar a militarização da China. Esta, por sua vez, construiu toda uma infraestrutura no Tibete, o que é mais fácil para a China realizar do que para a Índia em seu lado mais montanhoso. A Índia se absteve de desenvolver seu lado da fronteira até 2011, quando reviu sua doutrina militar. A China instalou caças que operam em altitudes muito elevadas.

“Nos últimos cinco anos, a Índia foi o maior importador mundial de armas, apesar da superioridade esmagadora sobre o Paquistão”, escreveu Smith. Mas a Índia está apenas tentando acompanhar o ritmo da China, disse ele.

Smith realizou mais de 100 entrevistas com especialistas relevantes, funcionários do governo e oficiais militares na Índia, China e Estados Unidos entre novembro de 2011 e julho de 2013. Analistas indianos e chineses lhe disseram para não esperar uma resolução de fronteira em breve, nem mesmo em 10 ou 15 anos.

Na última década, a segurança marítima, no que diz respeito a rotas marítimas chinesas, emergiu como uma grande preocupação para a China. Com o crescimento de sua economia, a China teve de se tornar um importador de energia – especialmente petróleo e gás do Oriente Médio e da África. O petróleo marítimo viaja através do Oceano Índico. Os navios devem passar pelos estreitos de Malaca, entre a Indonésia, Malásia e Cingapura. Na boca do Estreito de Malaca, estão as ilhas Andaman e Nicobar, territórios que a Índia tem controlado desde a década de 1950, mas que só recentemente se interessou em desenvolver.

Em tempo de guerra, este fornecimento vital de energia externa para os militares chineses poderia ser cortado. As ilhas, desconhecidas para a maioria das pessoas, dão à Índia uma vantagem estratégica no Oceano Índico.

Não resolvido por quê?

Em várias ocasiões, parecia que a Índia e a China forjariam uma resolução. Em 1993, o primeiro acordo substantivo foi alcançado sobre como gerir a disputa de fronteira e houve um seguimento em 1996. A cooperação a nível global nas negociações comerciais e de mudanças climáticas transitou para as discussões de fronteira. Dois protocolos de fronteira adicionais foram assinados em 2003 e 2005, e parecia que, depois de mais de 50 sessões de negociação, uma resolução final estava próxima.

Mas em 2006, as esperanças desvaneceram sobre uma resolução que fixasse a fronteira conforme o status quo da LAC.

Em 2005, a Índia assinou um acordo de defesa de 10 anos com os Estados Unidos, bem como um acordo nuclear civil que permitiu a Índia receber assistência em seu programa nuclear civil, apesar de não fazer parte do Tratado de Não-Proliferação. Autoridades indianas disseram a Smith que a aproximação da Índia com os Estados Unidos, desde o governo de George W. Bush, foi importante em influenciar a postura menos amigável da China em relação à Índia após 2006.

No entanto, o fator mais importante que previne a China comunista de resolver as tensões é o apoio da Índia ao Tibete e ao Dalai Lama, segundo Smith. O Dalai Lama fugiu para a Índia e estabeleceu um governo no exílio em Dharamsala em 1959. Assim, a Índia está abrigando o governante que constitui uma ameaça ao controle autocrático da China sobre o Tibete. A Índia também hospeda o governo tibetano no exílio, o que irrita ainda mais Pequim. O regime comunista chinês está apostando na esperança de que, quando o Dalai Lama, hoje com 79 anos, falecer, ela controlará seu sucessor.

“Enquanto a Índia tem influência no Tibete, a China diz não ter interesse em resolver a disputa de fronteira”, afirmou Smith.

Rivalidade crescente

Enquanto o Tibete e o Dalai Lama são obstáculos específicos para a paz na fronteira; de maneira geral, a rivalidade Índia-China prevalece, e Smith diz que a tensão tem crescido num ritmo mais rápido em diversas arenas do que em áreas de cooperação.

Atualmente parece que o equilíbrio de poder pende consideravelmente para o lado chinês, que tem mais vantagens materiais. A Índia tem uma vantagem distinta que o regime comunista não pode corresponder na área do poder brando. Desde o fim da Guerra Fria e da dissolução da União Soviética, a Índia conquistou uma reputação na Ásia como uma nação passiva, amigável e com uma democracia multiétnica, o que pode servir como “um equilíbrio externo ao Império do Meio”, escreveu Smith.