Em 2011, a maioria das pessoas ainda pensavam que a China, por causa de seu nível de endividamento público relativamente baixo, tinha menos dívidas do que a Europa ou os Estados Unidos. Depois veio o livro seminal Capitalismo Vermelho [Red Capitalism], de Fraser Howie, um dos primeiros livros a expor a máquina de dívida existente dentro do sistema bancário chinês e os riscos desse modelo de crescimento com base no endividamento.
Depois de morar seis anos na China, Fraser vive agora em Cingapura e ainda tem algumas coisas para nos falar sobre a China e sua economia.
Como está a atual situação política na China?
O que se fala lá é que Xi Jinping e sua campanha anticorrupção visa a pôr um fim em interesses escusos e estabelecer uma estrutura para colocar a casa em ordem. As pessoas acreditam que ele vai claramente impulsionar reformas, que ele está fazendo as coisas o sentido de realmente avançar nas promessas de dar ao mercado o papel principal e ao Estado um segundo lugar. No entanto, há muito poucas evidências nesse sentido. Na realidade, há esperança em vez de evidências concretas.
Para onde quer que você olhe, em torno das ações de Xi, há linha dura. Há linha dura no Tibete, há linha dura em Jinjiang [Sul da China, local de uma recente disputa trabalhista], há uma linha dura na relação a Hong Kong.
As lideranças do Partido Comunista Chinês, PCC, veem o que aconteceu em Hong Kong como uma vitória, porque os protestos nas ruas acabaram e eles não cederam nada, não fizeram as esperadas concessões. Eu acho que isso é um desastre para o povo de Hong Kong, porque alienou grande parte do povo e mostrou que o modelo “um país, dois sistemas” é muito falho.
O que mais fez Xi? Na mesma semana dos protestos em Hong Kong, Xi se virou e disse ao povo de Taiwan que o único caminho para a reunificação com Taiwan é por meio da política “um país, dois sistemas”, a qual os taiwaneses absolutamente não querem.
Xi escolheu um caminho que leva a China a se indispor contra as pessoas, quer se trate de japoneses, vietnamitas, filipinos, vietnamitas ou malaios.
A China está se tomando um caminho preocupa as pessoas, que não passa a imagem de nação confiável, uma nação que quer cativar.
Qual o seu prognóstico?
No campo do poder político na China, tudo é possível . Na verdade, há uma guerra civil acontecendo na política na China. Não ocorre com armas, não há fuzilamentos, ainda que algumas pessoas tenham sido executadas devido aos expurgos da campanha anticorrupção. Há uma guerra civil acontecendo dentro do partido. E é ainda muito cedo para dizer como isso irá acabar.
É sobre o poder político na China, é sobre controle, é sobre facções. O que é realmente assustador sobre Xi é que ele é um verdadeiro crente no sistema. Na verdade, ele acredita que o partido comunista, marxista e leninista pensado por Mao Zedong é a solução para o problema da China, o que eu absolutamente acho que não é.
Que está lutando contra quem?
Eu não acho que está claro. Xi é um homem com uma missão, mas ele isolou vários grupos poderosos, como, por exemplo, o em torno de Zhou Yongkang. Eu não estou defendendo nenhum deles. É como uma guerra da máfia pelo poder. Nenhum deles são de grupos agradáveis. Xi vem eliminando a rede de aliados de Zhou Yongkang. Agora há indícios de que ele colocou como alvo Jiang Zemin e as facções de Shanghai.
Como isso acabará? Há muito pouca transparência política na China. Não é como Westminster ou Washington, onde é possível ter uma boa ideia do que está acontecendo, e não apenas informações extraoficiais. Na China, é tudo muito obscuro. O quanto leal é o PLA (Exército de Libertação do Povo)? Quem deles é leal? Há declarações de Xi dizendo que o PLA deve ser leal ao Partido. Eles não são leais?
Muitas pessoas desses grupos poderosos tornaram-se ricas, foram bem sucedidas no que se refere a deter poder para ganhar dinheiro. Foram bem sucedidas especialmente nos últimos dois anos. Elas pensam: “Por que eu iria querer mudar, já estou na linha de fogo. Quero que minha família vá viver no exterior”. Os objetivos são sempre voltados ao poder.
O que você pensa de Xi?
Muitas pessoas estão apoiando Xi porque no momento ele dita as regras do jogo, mas isso pode mudar de uma hora para outra. Não poderá mudar se economia desacelerar ou se houver algum conflito militar? A situação é muito instável na China e pode tomar diferentes rumos.
Há dez anos, era relativamente mais fácil prever os acontecimentos na China, ela estava indo em uma direção. Xi colocou um gato entre os pombos e desestabilizou as coisas.
Por exemplo?
Dê uma olhada na história do consumo no setor de bens de luxo. Muito do que é discutido é “a China está se tornando um grande mercado para produtos de luxo”. O combate à corrupção veio e, no entanto, a venda de produtos de luxo cresce em todos os setores; isso também acontece em Macau.
Durante a ascensão do consumo de luxo, ninguém disse que pelo menos 20% dele estava relacionado à corrupção.
Cinco anos atrás, ninguém falava de fazer uma campanha anticorrupção, no entanto, a corrupção sempre esteve claramente presente em todos os lugares. Agora eles dizem que é a repressão à corrupção que está causando a desaceleração nas vendas, como se isso fosse algo desconhecido há cinco anos.
Antes, você podia subornar pessoas comprando-lhes um relógio. No atual estágio de corrupção, é possível subornar pessoas dando a elas relógios? Agora, todos na China tem um relógio.
Eu não tenho ideia de como mundo pós-corrupção será, pois os fatores que promovem a corrupção – como regras arbitrárias, falhas na responsabilização e falta de transparência – ainda estão presentes. Há ainda enorme foco em quem a pessoa conhece, na sua rede de relacionamentos, ao escolhê-la para um cargo ou para ser prefeito. Por que a corrupção iria embora desta vez?
Se Xi mantiver a pressão, as pessoas não vão aprovar nada devido ao medo de serem implicadas em corrupção. Você precisa de um sistema de real prestação de contas e que dê transparência às coisas. Não estamos vendo isso na China. Xi não tem mostrado que ele quer mudar o modelo atual.
Fraser Howie é o autor de três livros sobre o sistema financeiro chinês, incluindo “Red Capitalism”, nomeado Livro do Ano de 2011 pela revista The Economist. Por 20 anos, ele tem analisado e escrito sobre os mercados asiáticos. Durante esse tempo, ele já trabalhou em Hong Kong, Pequim, Cingapura e para empresas como Bankers Trust, Morgan Stanley, CICC, e CLSA