O país vive uma das piores crises institucionais de nossa história. Há uma dúvida profunda da população com relação a democracia representativa. Em 2013 o povo foi às ruas em manifestações nesse sentido. Tivemos, em 2014, uma eleição sórdida, suja e baseada na calúnia e difamação. O Partido dos Trabalhadores continuou no poder – seu quarto mandato consecutivo –, mas, desta vez, por apenas uma pequena margem de votos. Diversas denúncias de supostas irregularidades foram feitas pela população, e, em razão disso, um pedido de “auditoria” nas eleições, formulado pelo PSDB, foi acolhido pelo Tribunal Superior Eleitoral.
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Parece um quadro grave e sério. Mas, nada disso abala a Ordem dos Advogados do Brasil. No dia 03 de novembro do corrente, o site da OAB anuncia a criação da “Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra no Brasil” (OAB/Notícias). Sinceramente, o momento é para isso? Pior, isto é uma função da OAB? Quem será interrogado por essa “Comissão”? A meu sentir, isso é uma missão para historiadores, não para advogados.
Os objetivos dessa “Comissão” parecem seguir o padrão de comportamento adotado pelo partido que tomou conta do país: dividir para conquistar. A ideia ao que tudo indica é, de alguma forma, criar uma estrutura de tratamento diferenciado para advogados em razão da cor de sua pele. Com o devido respeito, ninguém é melhor ou pior por ser homem, mulher, branco, negro, asiático; ou, o que quer que seja. Importante mesmo é a capacidade intelectual de cada um.
Lamentavelmente, devo lembrar de um artigo recente de Reginaldo de Castro – ex-presidente nacional da OAB. Para os que não lembram, foi publicado em O Globo sob o título “Por onde Anda a OAB?” (O Globo/Opinião). O primeiro parágrafo dá o devido tom: “Poucas vezes na história republicana do Brasil tantos e tão graves acontecimentos puseram em risco o Estado Democrático de Direito. São questões que, no passado, provocariam a intervenção da única tribuna pública não estatal em defesa da cidadania: a Ordem dos Advogados do Brasil, cujo Estatuto a compromete com a defesa da Constituição, da democracia e dos direitos humanos.”
Já é chegada a hora de a OAB se posicionar sobre o que está acontecendo no país. Chega de assuntos periféricos. Qual é a posição da Ordem sobre a nossa democracia? Qual é a posição da Ordem sobre os clamores sociais por uma auditoria nas eleições? Qual é a posição da ordem sobre a crise em nosso sistema representativo? Qual é a posição da OAB sobre a forma de nomeação dos Ministros do STF? Essas, sim, são questões importantes!
Recorro, novamente, às palavras de Reginaldo de Castro em seu artigo, mencionado acima: “A OAB é grande, mas sua atual direção trai a sua história e, com isso, infunde desamparo à nossa frágil democracia. É preciso resgatá-la e devolvê-la a seu glorioso lugar de porta-voz da cidadania brasileira.” Espero, com todas as minhas forças, que a OAB retome o seu rumo. O Brasil está precisando, e muito! Ter um partido – qualquer que seja ele – quatro mandatos consecutivos no poder é preocupante para uma democracia perene como a nossa.
Como disse Reginaldo de Castro em seu artigo: “Estamos diante de uma agenda política assustadora. Teme-se pela independência do Judiciário e do Legislativo.” A situação, portanto, impõe uma OAB alerta e atenta para as Instituições da República. Na minha modesta opinião, não é momento de desperdiçar energia com qualquer “Comissão da Verdade” que seja. Nada é superior a defesa do Estado Democrático de Direito.
Leonardo Correa é advogado e LLM pela University of Pennsylvania, articulista no Instituto Liberal