O sonho chinês dos “Dois Grandes”

24/04/2012 00:00 Atualizado: 24/04/2012 00:00

O presidente Barack Obama e o presidente Hu Jintao num encontro na Casa Branca em Washington em 19 de janeiro de 2011. (Jewel Samad/AFP/Getty Images)

Temos de ajoelhar-nos diante da China por uma ganância desenfreada para conseguir uma pequena participação no enorme mercado chinês? De forma alguma!

Em torno da recente visita do chefe de Estado chinês Hu Jintao aos Estados Unidos, sobretudo nos meios de comunicação alemães, não se pouparam elogios à suposta grande potência econômica da China. Segundo alguns jornais e revistas, a China tem ajudado o Ocidente a sair da crise financeira, possui as maiores reservas monetárias do mundo e é a nova superpotência, além disto, Hu Jintao seria inclusive o homem mais poderoso do mundo. Estas declarações somente provam a falta de competência no contexto da economia política.

Analisar os fatos, não se ajoelhar por respeito

É necessário repensar alguns fatos. É verdade que a China é um grande mercado, devido ao seu enorme potencial demográfico e a enorme necessidade de seus cidadãos, inclusive para a indústria automobilística alemã. E não há dúvida de que a liderança chinesa é ambiciosa na busca de desenvolvimento do grande e em parte subdesenvolvido país. Além da indústria automotiva, a China é importante para empresas como Siemens, Bosch, BASF e também para médias empresas inovadoras. No entanto, é preciso ajoelhar-se diante da China e de seus governantes? Teremos, como escreveu o prestigiado diário vienense Die Presse, que nos curvar perante a China por nossa ganância desenfreada para conseguir uma pequena participação no enorme mercado chinês? De jeito nenhum!

A China é como sempre um país em vias de desenvolvimento

Primeiro, devemos lembrar que a China é como sempre um país em vias de desenvolvimento. É o que nos recorda o porta-voz do Ministério do Comércio da China, Yao Jian, indicando que a força econômica da China está no mesmo nível de um país em desenvolvimento. Na verdade, o PIB per capita chinês ascende, segundo fontes oficiais, a 3.678 dólares e está em 99º no ranking mundial.

Para efeito de comparação, o PIB per capita dos EUA ascende a 46.381 dólares; entre a nova potência econômica e a maior economia do planeta há uma diferença abismal. Certamente, em 2010, a economia da China experimentou um crescimento espetacular de 10%, atingindo 5,4 trilhões de dólares no PIB; mas em comparação com os EUA, com um PIB de 14,5 trilhões de dólares, a distância entre os dois países continua enorme.

Os EUA ainda permanecerão por muito tempo como a maior potência econômica mundial. Militarmente, os EUA também continuarão a ser indiscutivelmente o número um. Enquanto os EUA no período de 2009/2010 gastavam em armamentos e segurança nacional 636 bilhões de dólares, o valor correspondente da China, pressuposto o segundo maior armamento do mundo, totalizou 100,4 bilhões de dólares, segundo o Stocholm International Peace Research Institute (SIPRI).

Independente destas cifras, a China não pode servir em qualquer caso como um modelo. O país combina a opressão comunista com as vantagens da economia de mercado. Se os valores ocidentais de liberdade dos cidadãos fossem válidos, todos os projetos de infraestrutura da “República Popular” iriam para o lixo. A China pode “mover montanhas”, escreveu o jornal alemão FAZ, referindo-se à construção do novo aeroporto no sul da China, Kunming. Sem nenhuma consideração, 50 mil camponeses foram forçados a trabalhar neste projeto.

Um sistema que conta com métodos semelhantes alegar sua condição de potência econômica de primeiro mundo, não pode ser comparado mesmo remotamente com os EUA ou a Alemanha. A China é considerada o país do plágio, do roubo de tecnologia, da espionagem industrial e dos obstáculos para os investidores estrangeiros. A maior parte das empresas chinesas ainda está direta e indiretamente controlada pelo Estado e a participação da população da China na distribuição da riqueza é completamente insatisfatória.

Sobre as reservas cambiais

A mesma coisa acontece com a suposta maior reserva de câmbio do mundo que, segundo afirma a China, alcança 2,6 bilhões de dólares. Ninguém sabe ao certo se isto é verdade. Se a existência de tal reserva de câmbio for autêntica, teria apenas um valor relativo, enquanto a China não liquidar os “créditos podres” de seus bancos regionais com valor de aproximadamente um bilhão de dólares e colocar um fim à corrupção do sistema de saúde do país. Embora a União Europeia, com a sua regulamentação exagerada sobre a indústria, ponha em risco as estruturas industriais alemães, como a indústria do aço, na China, no entanto, ninguém abre a boca quando de maneira inconcebível se contamina o ar, como confirmado por empresários ocidentais que conhecem um pouco mais o interior do país fora do brilho das grandes cidades. O número de pessoas vivendo abaixo das mínimas condições de existência, os exércitos de trabalhadores temporários, o colapso que ameaça a indústria da construção com a bolha imobiliária, todos estes são focos de futuros conflitos sociais.

A China ainda é um país extremamente dependente do Ocidente para a produção de produtos de alta qualidade. Jogos para crianças, artigos simples para o lar tais como talheres, artigos têxteis de algodão ou sintéticos, recentemente, também os móveis, todos estes produtos ocupam uma parte muito importante na exportação chinesa. E se alguma vez forneceram armações de aço para uma usina elétrica na Alemanha, faltou qualidade. A armação fraquejou, tendo de ser substituída por outra e não se fizeram mais encomendas à China.

O jato C919 não decola

Na verdade, a propaganda do Estado anunciou uma e outra vez espetaculares avanços no desenvolvimento de projetos de alta tecnologia, tais como a construção de uma indústria de aviação nacional, no entanto, o avião de passageiros C919, um jato de alcance curto-médio, até agora não decolou em voo. Atualmente, o avião, portador de grandes esperanças, deve iniciar seu primeiro voo em 2014. A China, o “campeão mundial de exportação”, exporta muito poucos produtos inovadores com desenvolvimento próprio. Na realidade, os chineses fabricam produtos cuja fabricação é muito cara em países industrializados clássicos como a Alemanha e os Estados Unidos. A China é dependente dos EUA, e não o contrário.

Os EUA protestam sobre a manipulação do Yuan

Em 2010, os Estados Unidos importaram bens da China no valor de 314 bilhões de dólares, enquanto as exportações dos EUA foram de apenas 82 bilhões. Os americanos sempre se queixam aos chineses de fazerem manipulações monetárias. A baixa taxa de câmbio do Yuan conseguida de forma artificial torna os produtos chineses mais baratos. Alguns estudiosos veem o Yuan conscientemente e desvalorizado em até 30%. O multimilionário norte-americano e empresário imobiliário Donald Trump junto com outros senadores e deputados influentes fizeram um chamado para se tomar medidas tarifárias drásticas contra a China por manipular o Yuan. Segundo Trump, “Se nós não compramos mais nada da China, sua economia entrará em colapso.”

No entanto, esta situação não quer dizer nada, porque um país emergente como a China também poderia se tornar um grande mercado para a economia dos EUA. A China não tem absolutamente nenhuma razão para se proclamar como uma grande potência econômica, o país ainda tem muitos pontos fracos. Não há lugar para uma comparação com os EUA. É hora de falar mais firmemente com os chineses. Eles precisam muito mais dos EUA ou das inovações alemãs do que o inverso.

Gunter Spahn é um escritor e editor-chefe da publicação alemã Der WirtschaftsReport.