O silêncio diante da tirania

04/03/2017 07:00 Atualizado: 21/03/2017 17:31

Num ensaio de 9 de fevereiro de 2017 em Beijing Spring, Ma Qing, um blogueiro e ativista chinês, reflete sobre a rede de controle social que previne que muitos chineses expressem seus pensamentos ou opiniões políticas discordantes. – tradução do Epoch Times.

Há alguns dias, um primo meu, que é um aposentado da Brigada de Aplicação da Lei Cultural de Chengdu, respondeu ao meu post no Jornal de Viagem do Festival da Primavera de 2017. Ele me disse para passar mais tempo com minha mãe e minha família, e pensar sobre o que eu deveria ou não fazer. Na opinião do meu primo, eu não sou uma pessoa normal, eu não cumpro minhas obrigações familiares, sou indiferente a minha família e não tenho sentimentos.

Há algum tempo, meu tio, que nasceu na década de 1940, mostrou à minha mãe de 80 anos o meu poema “Centro do Lago” que foi publicado num blog. O poema retrata minha experiência de ser detido por compartilhar uma foto online sobre o “Incidente” de 4 de junho de 1989 na Praça da Paz Celestial. Meu poema foi publicado na Beijing Spring, uma publicação dissidente no estrangeiro, sob o título “Uma experiência de primeira mão no Primeiro Centro de Detenção de Chengdu”. Na verdade, o título foi alterado para “Centro do Lago” e conteúdo sensível também foi excluído, e por isso o poema não foi removido pelo blog, que tem políticas de revisão muito rigorosas. Ser apenas um pouco descuidado levará à remoção do artigo ou ao fechamento da conta. Anteriormente, eu tive cinco contas desativadas no Jianshu, mas o “Centro do Lago” não foi removido, por isso pode-se concluir que não ultrapassou a linha vermelha do monitoramento da polícia online.

Mas aos olhos do meu tio, este poema é ultrajante e violou as regras. Depois que minha mãe leu a versão higienizada, ela chorou e telefonou para meu primo, irmã e amigos e pediu-lhes que me disciplinassem. Ela disse que não suportaria outro golpe em sua velhice. Se eu fosse detido novamente, isso seria o seu fim. Desde o final de 2009, quando comecei a escrever um épico sobre o espírito dos chineses, minha mãe repetidamente fez tais comentários. Ela me disse para ter cuidado e não falar “bobagem” na internet. Se eu tivesse problemas, ela morreria, ela me disse.

Tenho 51 anos, mas ainda sou controlado por minha mãe. Não é triste? Os pais chineses fazem uma coisa toda a vida: eles tapam a boca de seus filhos incisivamente para que seus filhos respeitem a lei. Respeitar a lei significa ser politicamente correto, isto é, não ser anti-Partido ou antissocialismo. Pode-se dizer que os pais chineses em geral são cúmplices do Partido Comunista Chinês (PCC).

Eu acho que se ainda vivêssemos durante a Revolução Cultural, um período em que os parentes delatavam uns aos outros, eu teria sido delatado por meus parentes em vez de apenas ser “persuadido” por eles e levado a me sentir isolado. Felizmente, tenho outro primo que tem a mesma opinião política que eu, embora ele também tente convencer-me a parar o que estou fazendo.

Segundo nossa maneira chinesa de ver, amar seus filhos não é dar-lhes liberdade, mas firmemente contê-los e controlar seu pensamento. É assim que os pais chineses se tornaram parceiros do PCC. O PCC governa as opiniões das pessoas por meio dos pais chineses. Os pais chineses não querem que seus filhos tenham os seus próprios pensamentos. Eles não querem que eles se tornem dissidentes em busca de equidade, justiça, liberdade, direitos humanos e constitucionalismo democrático. Eles só querem que seus filhos sejam felizes, seguros e pacíficos. Mesmo que seus filhos não tenham pensamentos independentes, ou mesmo que tenham danos cerebrais, os pais estarão muito satisfeitos.

Depois que eu fui libertado da prisão, meu filho, que nasceu na década de 1990, disse-me: “De qualquer forma, você me deu a vida. Minha vida está em suas mãos, você pode tomá-la à vontade.” Ele quis dizer que se eu cruzasse a linha vermelha novamente, minha vida poderia estar em perigo, e sua vida também. Infelizmente, não só meus pais me controlam, meu primo me controla, e meu filho também me controla!

Minhas ações me transformaram num poeta dissidente independente – anti-Partido e antissocialismo – questionando o partido no poder, dizendo a verdade sobre a história, comentando sobre política e escrevendo um “épico espiritual chinês”. Aos olhos de minha mãe, internautas e meus parentes, eu estou fazendo coisas “irrelevantes”. Eles acreditam que a busca da democracia e da liberdade não é assunto de pessoas sem importância; isso seria apenas para um pequeno número das elites. Eles constantemente me dizem que a paz e a segurança são uma bênção, e que eu deveria apenas aproveitar a boa vida e não provocar o caos. Eles dizem que eu não deveria apressar as coisas mas ser mais relaxado, tolerante e racional. Eles também dizem que a China não é adequada para a democracia por causa de sua enorme população e que o povo chinês não é inteligente o suficiente; apenas o Partido Comunista pode fazer um bom trabalho.

No grupo da minha família no WeChat, meus primos costumam postar fotos de comida saborosa, belas paisagens, dicas sobre uma vida saudável, viagens domésticas e ao exterior. Se eu postar uma notícia política não oficial ou algum fato histórico, eles fingem não ver. O grupo da minha família no WeChat é o reflexo de grupos sociais em toda a China. Existe energia positiva apenas na superfície. Tudo parece muito feliz e harmonioso.

O que significa “indiferença”? Esconder-se no fundo e ficar em silêncio quando confrontado com a tirania, isso é indiferença. Permanecer com este grupo em silêncio é amnésia, é indiferença. Fazer-se de cego e surdo ao sofrimento alheio, passar o dia inteiro se entregando a beber, jogar mahjong ou carteado, ou no mercado de ações, focar-se demasiadamente em fotografia, viagens, lazer e saúde, receber envelopes vermelhos, tudo isso é indiferença.

Viver numa sociedade em que a notícia é censurada, a fala controlada e a internet bloqueada, uma pessoa sofre lavagem cerebral e é enganada o tempo todo e em toda parte. Além disso, há uma história de movimentos políticos. Expor o próprio pensamento num ambiente desse tipo significa romper com todos ao seu redor, ficar isolado e ser rejeitado como um “psicótico”. Aqueles que assistem às notícias da [mídia estatal chinesa] CCTV e leem o jornal do Partido Comunista dirão que você é extremista, esquisito e que tem alucinações.

O Japão e os Estados Unidos são dois dos países desenvolvidos mais avançados do mundo. A televisão chinesa mostra principalmente notícias sobre desastres naturais, tiroteios e manifestações nesses dois países. Mas não mostra quase nada sobre suas civilizações, artes, educação, bem-estar e sistemas médicos, ou sobre sua ciência e tecnologia, proteção ambiental, renda, custo de vida, estado de direito, e assim por diante. No entanto, esses países, que se diz terem tantos desastres e tanta violência, são os paraísos que as autoridades chinesas anseiam. Isso é lavagem cerebral.

A fim de ter um senso de identidade coletiva, para evitar a opressão de uma ditadura e desfrutar de harmonia familiar e de uma vida despreocupada, a maioria das pessoas opta por permanecer em silêncio. Na era da internet, muitas pessoas têm sido capazes de ver através da natureza maligna do Partido Comunista, mas eles optam por deixar-se levar com a corrente. Parece que essas pessoas são muito espartas, mas eles inadvertidamente se tornam cúmplices do PCC. E eventualmente eles se deparam com problemas. Inflação, esgotamento de recursos, materialismo, corrupção, poluição do ar e da água, alimentos tóxicos, óleo reaproveitado de esgoto, desemprego, desequilíbrio de gênero, crianças adultas que tem de morar com os pais porque a habitação é inacessível, cidades fantasmas, lixões descontrolados, redução da terra arável, desertificação, movimentos políticos do Partido Comunista – tudo isso é resultado do silêncio e da indiferença à tirania.

A tirania dos governantes e a indiferença dos governados se complementam. Países com regimes criminosos implementam o terrorismo de Estado. E isso fica cada vez mais brutal por causa do silêncio da maioria das pessoas.