O que o investimento chinês está fazendo aos canadenses

05/06/2012 04:00 Atualizado: 05/06/2012 04:00

O ex-membro do parlamento canadense David Kilgour fala num comício na Colina do Parlamento em Ottawa, Canadá, sobre seu relatório da extração ilegal de órgãos na China. (Matthew Hildebrand/The Epoch Times)Todos nós lamentamos como alguns europeus e seus governos trataram muitos povos africanos durante vários anos. O que o regime chinês está fazendo hoje em nações com recursos naturais ricos tem paralelos claros com as práticas coloniais do passado.

Para contextualizar, refiro-me a um estudo do Economist de 21 de janeiro sobre o capitalismo de Estado, que estabelece estes pontos:

• O capitalismo de Estado, desde o Japão na década de 1950 e a Alemanha na década de 1870, vê-se como uma alternativa ao capitalismo liberal, fundindo o poder do governo com o capitalismo através de mecanismos como listar empresas estatais nos mercados de ações internacionais. O regime chinês é o maior acionista nas 150 maiores empresas do país e dirige milhares de outras.

• A cultura da corrupção permeia a economia chinesa de hoje, com o ranking de Transparência Internacional listando-a em 75º lugar em seu índice de corrupção percebida de 2011. O Economist cita uma estimativa do Banco Central da China que entre meados da década de 1990 e 2008, cerca de 16 a 18 mil autoridades chinesas e executivos de empresas estatais “receberam um total de 123 bilhões de dólares”. O estudo conclui, “Ao transformar empresas em órgãos do governo, o capitalismo de Estado simultaneamente concentra o poder e o corrompe.”

O primeiro-ministro Wen Jiabao, o oficial econômico sênior da China, disse em 14 de março, “Sem o sucesso da reforma estrutural política, é impossível que façamos uma reforma estrutural completa da economia. Os ganhos que fizemos […] podem ser perdidos, novos problemas que surgiram na sociedade chinesa não podem ser totalmente resolvidos e tal tragédia histórica, como a Revolução Cultural, pode acontecer novamente.” Desde então, Wen corajosamente acrescentou que os bancos controlados pelo Estado são um “monopólio” que deve ser quebrado.

Governo

Analisemos em seguida o governo. “O Partido” foi publicado em 2010 por Richard McGregor, o ex-chefe da sede chinesa do Financial Times. Ele documenta o contínuo controle do Partido Comunista Chinês (PCC) sobre o governo, os tribunais, os meios de comunicação e os militares. Entre suas observações estão:

• “Os altos líderes aderem ao marxismo em suas declarações públicas, mesmo dependendo de um setor privado brutal para criar empregos. O Partido prega igualdade, enquanto preside uma renda desigual como em nenhum outro lugar na Ásia.” (Entre os delegados escolhidos a dedo no recente Congresso Nacional Popular estavam 61 bilionários. O patrimônio líquido dos 70 mais ricos delegados cresceu mais no ano passado do que o patrimônio combinado de todos os 535 membros do Congresso dos EUA, do presidente Obama, de seu gabinete, e dos nove juízes da Suprema Corte, segundo a Bloomberg News, em 26 de fevereiro de 2012.)

• “[O Partido] erradicou ou neutralizou rivais políticos; eliminou a autonomia dos tribunais e da imprensa; restringiu a religião e a sociedade civil; denegriu versões rivais de nacionalidade; centralizou o poder político; estabeleceu extensas redes de polícia de segurança e despachou dissidentes para campos de trabalho forçado.”

Numa recente conferência sobre o Tibete em Ottawa, dirigida por Sua Santidade o Dalai Lama, com parlamentares de cerca de 30 países participantes, alguns pontos foram levantados por uma série de especialistas sobre a China. Mencionarei apenas alguns:

• A indignação pública sobre as condições sociais, políticas e econômicas em toda a China está crescendo, com 180 mil protestos públicos relatados apenas em 2011. Um governo autoritário de partido único não tem legitimidade democrática, o chamado “desempenho de legitimidade” desaparecerá subitamente se a economia parar, evento provavelmente precipitado pelo estouro de uma bolha imobiliária. Lidar eficazmente com a corrupção do governo exige democracia multipartidária, juízes independentes e Estado de Direito.

• Todos os candidatos a membro do Comitê Permanente do Partido, incluindo o indicado à presidência Xi Jinping, sofreram durante a Revolução Cultural de Mao Tsé-tung. Eles sabem que todas as sociedades modernas são democracias e que o primeiro-ministro Wen Jiabao está correto em afirmar que sem reforma política a China se deparará com um beco sem saída. A queda de Bo Xilai, ex-secretário do PCC, e a de outros demonstraram ao mundo as falhas do leninismo político.

Canadá

No final de 2004, era esperado que a empresa China Minmetals fizesse uma oferta formal à Noranda, a maior empresa mineradora do Canadá no momento. Quando se tornou evidente que a Minmetals era um ramo do departamento de mineração do governo chinês, alguns de nós afirmamos que tal aquisição constituiria a nacionalização de uma das maiores empresas privadas de mineração do Canadá por Pequim. É perfeitamente aceitável comprar produtos, incluindo betume, petróleo e gás, mas é algo completamente diferente adquirir as empresas que produzem essas exportações.

Elizabeth May, líder do Partido Verde, observou recentemente, “Qualquer empresa que pertence a outro Estado-nação envolve questões de soberania, mas no caso da China, os conselheiros de segurança do governo do Canadá por muito tempo têm expressado preocupação especial sobre a influência chinesa.”

Na primavera passada, a Fundação Ásia-Pacífico do Canadá lançou uma pesquisa de opinião, descobrindo que 75% dos canadenses se opõem a empresas estatais chinesas ganharem controle acionário de empresas canadenses. Por volta da mesma época, outra pesquisa realizada em nome de vários grupos ambientalistas canadenses descobriu que quase três quartos de British Columbia (72,8%) estavam preocupados com a crescente aquisição da China de recursos naturais canadenses.

Jameson Berkow comentou dois pontos relacionados no National Post em 11 de maio:

• As empresas canadenses aceitaram bilhões em investimentos de empresas chinesas de propriedade estatal. Associações industriais, grupos ambientalistas e o governo do Canadá ficaram mudos sobre isto enquanto as preocupações dos canadenses geralmente aumentaram.

• Há dois anos, a gigante estatal chinesa Sinopec Corp. pagou 4,7 bilhões de dólares pelos 9% de participação da Conoco Phillips Co. na Syncrude Canada Ltd., entre as maiores operadoras de areias de petróleo do Canadá.

Se alguém pensa que a Sinopec é uma empresa socialmente responsável, observe o que colega palestrante Scott Simon diz:

“Em setembro passado, um artigo apareceu no Globe and Mail intitulado ‘Sinopec, as areias petrolíferas e a justiça atrasada’. Era sobre um incidente de 2007, quando […] 150 trabalhadores chineses foram transportados pela Sinopec para construir um enorme tanque de armazenamento para o projeto Horizon de Recursos Naturais Canadenses. Dois trabalhadores morreram e dois outros ficaram feridos quando o teto do tanque que era construído desmoronou. […] Depois de uma investigação de dois anos, funcionários da saúde e segurança de Alberta fizeram 53 acusações contra os Recursos Naturais Canadenses e a Sinopec por não protegerem a segurança dos trabalhadores. O julgamento foi adiado várias vezes, com a empresa de construção Sinopec argumentando que não tem presença no Canadá e que uma intimação judicial canadense é, portanto, inválida. […] O artigo concluía dizendo que o julgamento será realizado no final de 2012.”

A corrupção oficial é uma realidade diária para qualquer um que faça negócios na ou com a China atualmente. Uma família canadense conhecida minha de Alberta, por exemplo, perdeu 20 milhões de dólares investindo num negócio farmacêutico, porque não há Estado de Direito no país. No caso bem conhecido da Sino-Forest, a Comissão de Segurança de Ontário disse recentemente que a empresa falsificou explorações de madeira e “envolveu-se em inúmeras condutas desonestas e ilícitas”.

Continua na próxima página… Reforma democráticaComércio justo


Zhou Yongkang (esquerda), o czar da segurança chinesa, e o primeiro-ministro Wen Jiabao (direita), imagem composta. O líder chinês Hu Jintao concordou com o pedido de Wen de investigar Zhou, soube o Epoch Times através de fontes bem colocadas em Pequim. (Liu Jin/AFP/Getty Images; Feng Li/Getty Images)Reforma democrática

Eu admiro muito o povo chinês. O primeiro-ministro Wen tem falado muitas vezes sobre a necessidade de reforma democrática. Ele bloqueou a ascensão de Bo Xilai ao Comitê Permanente de nove membros do Partido Comunista Chinês (PCC). Bo e seu mentor, o ex-secretário-geral Jiang Zemin, estiveram entre os piores transgressores no uso de métodos totalitários, incluindo a perseguição ao Falun Gong que continua desde 1999. Na pior crise de legitimidade do PCC desde 1989, Bo foi removido de seus postos e sua esposa Gu Kailai está sob investigação pelo assassinato do empresário britânico Neil Heywood.

Zhou Yongkang, o chefe da segurança pública chinesa, que trabalhou em conjunto com Jiang e Bo, está sendo investigado e parece que está a caminho de ser removido.

Neha Sahay do Telegraph de Calcutá levantou um ponto interessante recentemente em 23 de maio, relacionado ao advogado Chen Guangcheng, agora em Nova York:

“[Chen] é apenas um entre milhares de chineses que procuram asilo nos Estados Unidos. […] Um relatório da Agência de Refugiados da ONU revelou estatísticas alarmantes que cidadãos chineses vêm em segundo lugar depois de afegãos na tentativa de deixar sua terra natal. […] No ano passado, cerca de 24.400 chineses procuraram asilo no Ocidente.”

Os governos de sociedades abertas e nossos setores privados podem analisar por que estamos apoiando a violação de tantos valores universais a fim de aumentar os negócios e investimentos diretos da China. Durante anos, isso resultou na maior parte em nossos trabalhos sendo terceirizados para a China e no aumento contínuo do nosso comércio bilateral e atual déficits da balança.

Comércio justo

Peter Navarro, da Universidade da Califórnia afirma que mercados de consumo em todo o mundo foram “conquistados” pela China em grande parte através da trapaça. Navarro tem várias propostas destinadas a garantir que o comércio com a China torne-se justo. Especificamente, ele acha que todas as nações comerciais devem:

• definir a manipulação da moeda como um subsídio ilegal à exportação e adicioná-la a outros subsídios quando calculando compensação de penalidades;

• respeitar à propriedade intelectual; adoptar e aplicar normas de saúde, segurança e ambientais consistentes com as internacionais;

• proibir a utilização do trabalho forçado de forma eficaz, não apenas no papel como é feito agora, e prover salários decentes e condições de trabalho para todos;

• adotar tolerância zero para qualquer um que venda ou distribua produtos pirateados ou falsificados; e

• aplicar disposições para proteção do ambiente natural em todos os acordos comerciais, a fim de reverter a “corrida ao limite ambiental” na China e em outros lugares.

O Partido Comunista está atualmente fazendo grandes mudanças no topo de sua liderança. Os nomeados devem procurar buscar a dignidade para todos os cidadãos se quiserem alcançar prosperidade sustentável. A conduta de Pequim internacionalmente também requer grandes mudanças se um novo objetivo do governo é construir harmonia mundial.

Os chineses querem as mesmas coisas que os canadenses e o resto do mundo: respeito e educação para todos, segurança e proteção, empregos sustentáveis, Estado de Direito, governo democrático, e um meio ambiente sustentável. Se o PCC começar a tratar todos os membros da família humana de forma transparente e equitativa, o novo século poderá trazer paz e prosperidade para a China e o mundo.

O texto acima é uma adaptação de algumas observações feitas numa palestra de discussão sobre a China em 28 de maio na Sociedade Cinematográfica do Pensamento Livre, na Biblioteca e Arquivos de Ottawa, Canadá.

David Kilgour é copresidente dos ‘Amigos Canadenses por um Irã Democrático’ e um diretor do ‘Conselho por uma Comunidade de Democracias’ baseado em Washington DC. Ele foi membro do Parlamento canadense (1979-2006), e também atuou como secretário de Estado para a Ásia-Pacífico (2002-2003). Kilgour também foi nomeado para o Prêmio Nobel da Paz em 2010. Para mais informações: www.david-kilgour.com