Uma carta aberta de Geng He, a esposa de Gao Zhisheng
Na audiência da Comissão Executiva do Congresso sobre a China (CECC) em 14 de fevereiro, o congressista Chris Smith (R-N.J.) perguntou a Heng He, a esposa do advogado de direito humanos preso Gao Zhisheng, “Como pode Gao Zhisheng passar por tanto sofrimento e não desistir? Que tipo de forças o impulsionam?” Após passar uma noite sem dormir pensando nas questões do Rep. Smith, Geng He escreveu uma carta aberta, que está publicada aqui:
Na tarde de 14 de fevereiro, durante a visita do vice-presidente chinês Xi Jinping aos EUA, a CECC realizou uma audiência para mim e para a esposa de Guo Quan, Li Jing. Durante o encontro, o congressista Christopher Smith pergunto-me, “Como pode Gao Zhisheng passar por tanto sofrimento e não desistir? Que tipo de forças o impulsionam?”
Eu me casei com Gao Zhisheng há quase vinte anos, mas realmente nunca pensei sobre essa questão. Eu sei que ele é um bom homem e que está fazendo a coisa certa. Em minha opinião, tudo isso é perfeitamente justificável e não há necessidade para uma explicação.
Na China, entretanto, as coisas certas e adequadas se tornaram algo aterrorizante que todos querem evitar. Por que Gao Zhisheng fez o que era certo quando sabia que teria de pagar um preço tão alto? Que tipo de poder o influenciou, apoiou e fez dele um destemido advogado dos direitos humanos com suficiente coragem para se sacrificar?
Na noite após a audiência, eu mal consegui dormir, pensando sobre a pergunta do congressista Smith e sobre toda a vida de Gao. Essas memórias me ajudaram a obter uma resposta concreta.
Eu acho que existem três forças que apoiam Gao.
A primeira força é sua mãe. Gao fez uma descrição extensa e minuciosa de sua mãe em seu artigo, “Minha Simples Mãe”.
Quando Gao Zhisheng tinha 10 anos, seu pai faleceu devido a uma doença. Quando seu pai se foi, sua família não tinha nada, somente uma pilha de dívidas e sete filhos. Para piorar ainda mais a situação, o único filho adulto da família, o irmão mais velho de Gao, ficou doente. Sua doença foi devido a ele ter vendido muito de seu sangue para pagar o tratamento do pai.
Seu irmão foi levado às pressas para o hospital, tornando a já endividada família ainda mais pobre. Em situação de extrema pobreza e trágicas circunstâncias, a mãe de Gao Zhisheng, Li Gulian, de 38 anos, disse apenas uma única frase, “Temos de prosseguir vivendo.”
Ela assumiu sozinha o trabalho de toda a família, trabalhando mais de 20 horas por dia no campo, começando antes do amanhecer, e lavando e cozinhando para as crianças depois de voltar da lavoura. Depois que as crianças dormiam, sua mãe tecia, fazia roupas para as crianças e reparava sapatos.
Cada peça de roupa das crianças era substituída com o trabalho incansável de sua mãe. Cada refeição e cada peça de roupa requeriam muito trabalho dela. Após um ano de tal sofrimento, sua mãe se tornou pele e osso.
No entanto, um ano após a morte do marido, ela disse às crianças que haviam parado de ir à escola para começarem de novo e que se revezarem indo à escola. A determinação de sua mãe era como um conto de fadas para essas crianças que se preocupavam com ela. O segundo filho mais velho se recusou a ir à escola, mas por insistência da mãe acabou indo.
Com o empenho dela, todas as crianças concluíram o ensino médio depois de alguns anos. A decisão dela mudou a vida das crianças.
Gao era o mais esperto dos filhos e exigia maior esforço de sua mãe. Ele estudou por conta própria até concluir a escola primária. Pensar no tremendo sofrimento de sua mãe ainda lhe trazia lágrimas nos olhos quando ele frequentou a escola média.
Gao Zhisheng tinha de andar 5 quilômetros para a escola e sua mãe acordava muito cedo para preparar o café da manha e o almoço para ele. Não havia sequer um despertador na vila, então, sua mãe tinha de acordar várias vezes durante a noite para olhar as estrelas e saber quando ela e o pequeno Zhisheng precisavam levantar. Em noites chuvosas, sua mãe não dormia tentando calcular quando Gao teria de acordar. Durante os três anos do ensino médio, Gao Zhisheng nunca chegou atrasado à escola, ele estudava diligentemente para retribuir sua mãe e se graduou entre os três melhores de sua turma.
Apesar de carregar um fardo tão pesado, sua mãe, que era budista, nunca parou de realizar atos gentis para ajudar os pobres; ela sempre tentava fazer de tudo para ajudar os miseráveis. Ela frequentemente levava mendigos para casa, dava-lhes comida e deixava que eles ficassem para se protegerem da chuva. Especialmente durante o inverno, a casa de Gao tinha sempre mais de dez pessoas.
Gao Zhisheng ainda se lembra claramente de dois casos particulares que ocorreram quando sua mãe ajudava os pobres. Numa noite de inverno muito fria e de muito vento, alguém disse à mãe de Gao que um grupo de mendigos tinha entrado numa caverna abandonada para passar a noite. A mãe de Gao imediatamente se levantou e levou as crianças com ela até a caverna abandonada.
Gao percebeu que a entrada da caverna estava fechada com palha e feno; quando a mãe de Gao removeu parte do feno, Gao viu oito pessoas entre mulheres e crianças de várias idades aconchegados uns aos outros. Quando viram a mãe de Gao, eles a ficaram olhando incrédulos e ela os chamou para sua casa para se abrigarem do inverno.
Os mendigos não disseram nada, olharam para a mãe de Gao, olharam-se uns aos outros e, finalmente, seguiram-na. A mãe de Gao serviu-lhes comida quente e, nessa noite, o chão de sua casa estava repleto de mendigos.
Outra vez, durante o verão, a comida na fazenda da família ainda não tinha madurado, então, sua família contava com comida emprestada dos outros. Um dia, uma mendiga e seu filho foram até a casa de Gao. A mãe de Gao mandou-os sentar, foi até a fazenda da família e colheu uns poucos milhos que ainda não estavam maduros e os deu para a mãe e seu filho.
Mais tarde, os irmãos e irmãs de Gao começaram a trabalhar. Especialmente depois que Gao se tornou advogado, a situação econômica de sua mãe melhorou significativamente. Desse momento em diante, ela foi capaz de ajudar ainda mais pessoas pobres. O número de “parentes pobres” aumentava cada vez mais.
O quarto irmão de Gao lhe disse que sua mãe assumiu todos os pobres das vilas vizinhas como seus parentes. Esses “parentes” sempre iam a sua casa para jantar durante os feriados. Ela também pagava a escola de algumas crianças pobres que perderam seus pais. Gao não sabia de nada disso até algumas dessas crianças comparecerem ao funeral de sua mãe.
Uma memória, que permaneceu particularmente forte em Gao, aconteceu durante o ano novo chinês, pouco antes de sua mãe falecer.
Um dia, depois que a família terminou de limpar após o jantar, um pai levou seus dois filhos a sua porta para pedir comida. A irmã mais velha de Gao ia mandá-los embora, mas sua doente mãe, que estava de cama, lutou para abrir seus olhos e ordenou a filha mais velha, “Runrun (o apelido da irmã mais velha), por favor, receba-os para o jantar.”
Enquanto essa família jantava, a mãe de Gao pediu repetidamente a ele e seus irmãos para garantirem que o pobre senhor e seus filhos comessem tudo, enquanto ela suportava a dor de sua doença. Quando ouviu as duas crianças tossindo sem parar, ela pediu a Gao para lhes dar dinheiro para irem a um médico.
Depois que o senhor e seus filhos terminaram de comer, Gao Zhisheng pediu a sua irmã para higienizar os utensílios com água quente. A mãe de Gao abriu seus olhos com grande dor e criticou Gao, “Você mudou. Agora, em seus olhos, eles são pessoas pobres e são diferentes de você. É por você achar que eles são diferentes de você que você pensa dessa maneira.”
A profunda compaixão de sua mãe é inesquecível para Gao e teve um profundo impacto nele. Ele escreveu, “Eu chorava frequentemente, comovido pelas ações compassivas de minha mãe e por sua crença no budismo. Vinte anos se passaram e eu me tornei um famoso advogado que representa os mais desfavorecidos. Muitas vezes, meus colegas traziam para meu escritório pessoas que estavam de muletas, em cadeira de rodas ou que não podiam pagar um processo judicial e as cenas de minha mãe ajudando os pobres logo afloravam em minha mente.”
As últimas palavras da mãe de Gao para seus filhos foram, “Não peçam aos pobres da vila para pagarem o dinheiro que eu lhes emprestei. Vocês devem continuar a ajudar essas crianças pobres a irem à escola até se graduarem.”
Em 6 de março de 2005, a mãe de Gao faleceu com um sorriso no rosto. Ela deixou sete filhos, 14 netos, dois bisnetos e inúmeros “parentes” pobres.
Poucos dias após a morte de sua mãe, Gao escreveu em lágrimas, “Minha mãe é mãe de todos”, diante do caixão dela. No final do artigo ele escreveu, “Minha mãe era uma heroína. Digo isso com confiança. Minha mãe era uma pessoa comum, mas isso não a impediu de ter um grande caráter. Seu grande caráter era refletido constantemente nos pequenos atos de sua vida diária.”
“A maior parte de sua vida foi vivida em adversidades, mas ela nunca deixou de ajudar os outros em situações difíceis. Apesar de sua situação econômica, ele continuava a ajudar os outros. (Quando escrevi essas palavras, eu estava aos prantos.)”
“Seu grande coração e enorme caráter tiveram um impacto duradouro em todos nós. Ela foi pobre a maior parte de sua vida, mas nos deu incontáveis riquezas espirituais. Sua vida é um livro, embora ela não soubesse ler.”
“Relembrar seu grande caráter tem sido doloroso, mas também uma alegria para mim. Até mesmo uma centena de artigos não seria suficiente para reunir todas as minhas memórias sobre minha mãe. Mas, independente disso, tenho de escrever algo para expressar o quanto sinto falta de minha grandiosa mãe.”
A segunda força que suportava Gao vem de sua fé na humanidade. Ele disse no artigo, “Quem pode superar a natureza humana”: “A coisa mais estúpida que existe é declarar guerra contra a fé, porque esta é uma declaração contra a humanidade. Ao longo de toda a história humana, nunca houve uma força que pudesse superar a humanidade e nunca haverá. [O Partido Comunista Chinês] fez uma escolha tola ao declarar guerra ao cristianismo e ao Falun Gong. A humanidade nunca foi superada por qualquer força.”
A terceira força que suporta Gao vem de sua religião. Gao escreveu em seu artigo, “A voz do meu coração”: “Os amigos podem pensar que minha família está infeliz, na verdade, minha esposa Geng He é a que mais sofre. Eu sou otimista e acredito em Deus. Embora eu tenha sido torturado quase até à morte, isso foi apenas dor física. Um coração cheio de Deus não tem espaço para aceitar a dor.”
A tortura que Gao suportou não pode ser descrita em palavras. Sempre que penso nele vivendo na escuridão infernal, minha dor, preocupação e ansiedade me fazem esquecer de mim mesma. Mas eu acredito que enquanto Gao estiver vivo e acreditando em Deus, ele manterá sua força, esperança e luz interior.
No passado, Gao Zhisheng proveu ajuda jurídica para inúmeras pessoas, hoje, ele precisa de ajuda. Ele precisa de ajuda da sociedade internacional. Eu vim a Washington DC desta vez para pedir ajuda para meu marido. Eu espero que a sociedade internacional saiba o quão decente é Gao Zhisheng e que ele está preso e sendo submetido à tortura brutal, simplesmente por defender a justiça.
Eu sinceramente quero agradecer ao Sr. Smith por suas perguntas. Isso me fez entender melhor meu marido e me aproximar mais de seu mundo interior. Espero que mais pessoas venham a conhecê-lo melhor e que o ajudem a ser livre o quanto antes para que possa se reunir conosco mais uma vez.
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