Andrew Bernstein é um dos mais eloquentes defensores dos direitos individuais. Em sua última manifestação, fez um comentário, não sem razão, sobre a invasão de privacidade, promovida pela Agência Nacional de Segurança, órgão do governo federal dos Estados Unidos da America, recentemente denunciada por tal prática: “Nós somos Americanos, orgulhosos cidadãos da mais livre nação, com inalienáveis direitos garantidos pela Constituição dos Estados Unidos, não uma população intimidada de uma ditadura de Terceiro Mundo. Nos levantaremos – em voz alta e com orgulho – e protegeremos nossos direitos, sabendo, que se não o fizermos, não apenas deveremos, mas mereceremos perde-los.”
Se na “Terra dos livres e no lar dos bravos” chegaram a esse ponto, o que sobra para nós?
Somos brasileiros, cidadãos de segunda classe, habitantes de um país do Terceiro Mundo acostumados a viver, desde os primórdios da República, sob o jugo de ditaduras de variadas graduações, governados por gente que se apodera da nação, verdadeiros reis de um olho só, sobressaindo-se numa terra de cegos.
Cegos pelo desejo de serem alimentados na boca, de vencer na vida sem estudo nem trabalho, de enriquecer sem mérito, sem ter nada para dar em troca à sociedade e, se possível, sem correr riscos, nem mesmo os necessários.
Temos assistido, perplexos, a proliferação por estas bandas, de uma cultura caracterizada por padrões morais e éticos contraditórios.
Nas passeatas, vemos multidões clamarem, com aparente pacifismo, por benesses somente obtidas através do poder de coerção, obviamente violento, do Estado.
Manifestam insatisfação e esboçam orgulho apenas por ouvir a própria voz a gritar por mais do mesmo.
Em coro, se ouve majoritariamente: “Precisamos”, “Necessitamos”, “Merecemos”, “O governo tem que me dar”, “Que tire dos outros e garanta o meu bem-estar”.
Ter vistas apenas à própria satisfação sem esforço, com prodigalidade ou hedonismo, sem se preocupar com os meios para atingir seus fins, sem respeitar quem cria, quem produz, quem distribui, evadindo-se de como são obtidos os recursos que saciarão essas necessidades, esses desejos, é consequência de uma visão de mundo desapegada da realidade, dos valores morais e princípios éticos inerentes e indispensáveis à ação humana, que tem na vida profícua, nas relações consentidas, o caminho duradouro para a civilidade.
Por quanto tempo seguiremos como uma sociedade de hipócritas?
Políticos denunciam a corrupção, apenas quando não estão inseridos no rol das propinas ou quando essas minguam inexplicavelmente.
Empresários e sindicatos reclamam do corporativismo quando ficam de fora de algum conchavo, ou quando este é nocivo para seus interesses. Reclamam do protecionismo dos mercados onde são compradores mas exigem mercados reservados enquanto vendedores.
Jornalistas defendem a liberdade de expressão, mas calam-se servilmente perante os afagos do poder. Comunicam obviedades entre anúncios publicitários do governo ou de agências ou empresas estatais, sempre monopolistas e incompetentes.
Jovens pregam a defesa da propriedade privada, mas pirateiam obras para pouparem centavos. E há os que fazem isso, alegando estarem defendo o direito à propriedade, mesmo sonegando pagamento ao autor daquilo que apreciam, como se o produto da mente do criador surgisse do nada e seu esforço intelectual não devesse ser remunerado.
Estudantes, anciãos e outros que se acham privilegiados querem pagar apenas a metade de tudo que consomem, quando não, escandalosamente não quererem pagar nada. Pouco se importam se estarão onerando alguém que necessariamente arcará com a diferença, sob coerção.
Todos querem obter algo às custas dos outros, ao tentarem desesperadamente fugir da contrapartida justa e necessária, aproveitam individualmente os ganhos, dissipando por toda a sociedade os custos, de forma ilegítima e inaceitável.
Todos reclamam quando o Estado bate à sua porta para angariar, com ameaças, os recursos necessários para suprir o que a própria sociedade demanda.
Não se vê ninguém com a mão no próprio bolso, estão invariavelmente remexendo os dos outros, atrás de cada níquel que puderem encontrar.
É contraditório reclamarmos que o governo taxa e, ao mesmo tempo, o condenarmos por não prestar os serviços que precisamos.
Demandam inexistentes direitos à saúde, à educação, à moradia, à segurança, e, ao mesmo tempo, pedem que sejam reduzidos os impostos, garantidos o direito à liberdade, à propriedade e à vida.
Já dizia Ayn Rand, filósofa objetivista: “A civilização é o avanço de uma sociedade em direção à privacidade. O selvagem tem uma vida pública, regida pelas leis de sua tribo. Civilização é o processo de libertar o homem dos outros homens.”
O que me parece urgente é a necessidade de mudarmos nossa cultura, devemos antes de mais nada, criar as condições para vivermos uma individualidade plena, com nossos próprios meios, com o fruto do nosso próprio esforço, remunerando diretamente o trabalho dos outros, quando o utilizamos para nossa satisfação.
Cada desejo, mesmo não confessado, de usurpar dos direitos dos demais para proveito próprio, nos transforma um pouco mais em selvagens, nos empurra cada vez mais para a marginalidade e nos qualifica como escória no universo das nações.
Cabe a cada um de nós, criar o ambiente onde o governo vai se tornando desnecessário, num círculo virtuoso onde mostramos que somos capazes de obter o que precisamos, sem a sua nefasta intermediação.
Se não nos conscientizarmos que o governo somente se retrairá perante homens com valor moral, sustentados por sua própria capacidade produtiva, com independência, com racionalidade, com coragem e determinação, jamais seremos a terra dos livres, porque não haverá bravos em nosso lar.
Não perderemos a liberdade porque nunca a tivemos e nunca a tivemos porque nunca a merecemos.
Liberdade não existe para quem come da mão de seu senhor.
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Millenium