Numa entrevista recente, o eminente geoestrategista Ian Bremmer sugeriu que um “Irã com armas nucleares” é inevitável, pois, num “Mundo G-Zero” emergente, onde nenhum bloco único de países pode dominar os assuntos internacionais, as potências emergentes podem frustrar os esforços do Ocidente de impedirem as ambições nucleares de Teerã.
Existem basicamente dois pressupostos subjacentes ao seu argumento: primeiro, que as potências emergentes têm a vontade e a capacidade de aliviar o crescente isolamento do Irã e, segundo, que o Irã está disposto a avançar suas fronteiras nucleares a qualquer custo.
No entanto, os últimos anos desmentem estes pressupostos. Muitas potências emergentes não apenas estão começando a se distanciar do Irã, mas Teerã mesma enfrenta a perspectiva de uma crise econômica e começa a reexaminar seu cálculo nuclear.
De forma clara, as potências emergentes estão explicitamente priorizando os laços com o Ocidente em detrimento de Teerã, enquanto os moderados e pragmáticos dentro da liderança iraniana pressionam por um acordo diplomático para reduzir o aumento das tensões.
Política externa iraniana após rompimento com os EUA
Antes da Revolução Iraniana de 1979, os Estados Unidos ocupavam uma posição central na política externa iraniana. Os EUA eram o mais importante aliado externo do Irã, bem como uma fonte principal de tecnologia, investimento e comércio. No entanto, após a crise dos reféns de 1979, tudo mudou.
Desde sua criação, a República Islâmica teve de lidar com tremenda pressão econômica (começando com embargo dos EUA sobre o comércio e o investimento) e ameaças externas constantes, culminando com a invasão de Saddam Hussein ao Irã em 1980. Então, naturalmente, um Irã isolado e vulnerável teve que contar com os poderes orientais, como China e Rússia, para melhorar sua segurança nacional e manter uma aparência de vida internacional funcional.
Depois que a Guerra Irã-Iraque terminou em 1988, uma Teerã mais pragmática priorizou a recuperação e reconstrução sob a liderança do presidente Hashemi Rafsanjani. Enquanto o Irã avançou com uma política externa mais moderada, a década de 1990 revelou-se um período de aproximação do Irã com o Ocidente, dando início a mais de uma década de relações econômicas e políticas crescentes.
Simultaneamente, o Irã intensificou suas relações comerciais e de investimento com as principais economias asiáticas, da China a Coreia do Sul e o Japão, reforçando simultaneamente sua parceria de segurança com a Rússia e a normalização das relações com os países árabes próximos no Golfo Pérsico. Logo depois, os Estados do leste asiático se transformaram em parceiros comerciais importantes do Irã, ao lado da União Europeia (UE) e dos Emirados Árabes Unidos (EAU). O Irã mesmo flertou com a possibilidade de normalizar suas relações com Washington, embora, em última análise, sem sucesso.
Inclinação para o Oriente
No início de 2000, as relações iraniano-ocidentais enfrentaram um novo período de crise. Apesar do papel construtivo do Irã depois dos ataques de 9 de setembro, desde auxiliar operações antitalibãs em 2001 até concordar com a invasão do Iraque em 2003, a descoberta de instalações de enriquecimento supostamente “clandestinas” em Natanz e Arak alarmou as potências ocidentais.
Inicialmente, os iranianos aceitaram a construção de medidas concretas de confiança (por exemplo, a implementação de um Protocolo Adicional e a imposição de um congelamento temporário do enriquecimento nuclear) para conter a crise que fermentava, mas a situação se agravou quando dramaticamente os extremistas assumiram o Estado iraniano em 2005.
A nova liderança, sob o presidente Mahmoud Ahmadinejad, aumentou a aposta nuclear, avançando as fronteiras da capacidade de enriquecimento nuclear do Irã, revertendo acordos anteriores com o Ocidente e ignorando repetidas resoluções do Conselho de Segurança da ONU que pediam maior transparência e cooperação do Irã. Gradualmente, o Irã enfrentou não apenas o isolamento político, mas também isolamento econômico quando as empresas europeias se retiraram dos setores econômicos principais, tais como manufatura e energia.
Em resposta, os iranianos procuraram maior apoio dos aliados tradicionais, como Rússia e China, além de oferecer maior acesso a empresas asiáticas para acessarem as grandes reservas de hidrocarbonetos do Irã e do mercado consumidor em expansão. Embora a Coreia do Sul e o Japão, aliados próximos dos EUA, tivessem tentado de forma intermitente sua imersão na economia iraniana, outros poderes emergentes, especialmente China, Brasil, Rússia, Índia, Turquia e África do Sul, aprofundaram sua presença nos setores de telecomunicações, energia, consumo e infraestrutura do país.
O alinhamento explícito do Irã com as potências emergentes realizou dois objetivos. Em primeiro lugar, permitiu que Teerã amortecesse o impacto das sanções e o crescente isolamento dentro da ordem Ocidental. E, em segundo lugar, aumentou a participação das economias emergentes na estabilidade e crescimento do Irã, fornecendo assim a Teerã mais apoio internacional em meio à intensificação da pressão externa sobre seu programa nuclear.
Esta tendência alcançou seu auge em 2010, quando brasileiros e turcos intermediaram um acordo de “troca nuclear” para iniciar o que o Ocidente tentou de 2005 a 2009: convencer o Irã de certificar a natureza pacífica de seu programa nuclear e submeter seu estoque de urânio de alto-grau a um compromisso. Quando o Ocidente rejeitou o acordo, Turquia e Brasil expressaram sua consternação por se oporem a uma nova resolução da ONU contra o programa nuclear iraniano. Provavelmente, esta foi a última vez que as potências emergentes se posicionaram firmes pelo Irã.
Oriente em retirada
O fracasso da mediação turco-brasileira foi seguido por esforços transatlânticos coordenados e vigorosos para trazer o Irã de volta à mesa de negociações. Quando as conversações de Istambul de janeiro de 2011 entre o Irã e as potências mundiais foram inconclusivas, com chineses e russos posteriormente se opondo a novas sanções, o Ocidente recorreu a medidas sem precedentes visando à força econômica vital do Irã: as exportações de petróleo e o Banco Central iraniano.
Precipitadamente, as potências emergentes começaram a se distanciar do Irã. Enquanto a mudança na liderança brasileira inverteu o abraço do ex-presidente Lula por Teerã, diferenças sobre a crise síria, juntamente com a crescente pressão norte-americana em Ancara, criaram uma brecha nas relações turco-iranianas. Enquanto isso, os chineses começaram (seguidos pelos indianos) a se aproveitar do crescente isolamento econômico do Irã explorando o comércio de permuta, descontos e condições de crédito favoráveis nas compras de petróleo, bem como ofertas de investimento desiguais em infraestrutura e energia do Irã. Enquanto isso, os russos, líderes mundiais não-OPEP na produção de petróleo, têm se beneficiado da redução da produção do Irã e do aumento dos preços globais de petróleo.
Para a liderança de Moscou, que enfrenta déficits orçamentários crônicos e crescentes expectativas econômicas, os preços do petróleo acima de 100 dólares por barril são uma questão de conveniência política e sobrevivência fiscal.
No início de 2012, como sanções unilaterais intensificadas, os parceiros orientais de Teerã progressivamente rebaixaram sua exposição ao impasse iraniano. A África do Sul, parceiro comércio tradicional do Irã, interrompeu completamente todas as importações de petróleo do Irã. Mais tarde, a Coreia do Sul, Japão e Turquia seguiram o exemplo, reduzindo significativamente suas importações de petróleo iraniano para ganhar isenções ficais dos EUA.
Então, veio o corte gradual da Índia das importações iranianas. Entretanto, a China se recusou a aumentar seu consumo total de petróleo iraniano e está previsto que continuará a explorar sua posição como único importador maior do Irã. No total, os principais clientes asiáticos reduziram suas importações iranianas para quase 18%. Em troca, os Estados Unidos concederam isenções fiscais para todos os principais clientes de petróleo do Irã.
Uma coisa está ficando clara: o Ocidente ainda está fortemente no centro da ordem internacional liberal. Embora potências emergentes estejam mostrando maior confiança e dinamismo em meio aos problemas econômicos endêmicos do Ocidente, eles também estão cientes de que o Ocidente ainda representa uma importante fonte de capital, tecnologia e consumo.
Além disso, o Ocidente também tem tremenda influência sobre os mercados de seguro global e financeiro. A UE possui cerca de três quartos das empresas de seguro de transporte marítimo do mundo, bem como a principal rede do mundo responsável por facilitar transações financeiras internacionais, nomeadamente a Sociedade para Telecomunicações Financeiras Interbancárias Globais (SWIFT). Assim, quando o bloco impôs sanções à cobertura de seguros para embarques de petróleo do Irã e expulsou os bancos iranianos do SWIFT, muitos poderes orientais enfrentaram restrições enormes na sua capacidade de importar petróleo iraniano. Na verdade, os coreanos estão contemplando suspender totalmente as importações, enquanto os chineses, indianos e japoneses estão empurrando por cobertura de seguro soberano.
As sanções atuais já estão tendo consequências de longo prazo. Clientes globais já estão mudando para exportadores de petróleo árabes através da assinatura de vários acordos de investimento e compra de bilhões de dólares. Enquanto isso, as exportações declinantes de petróleo do Irã estão afetando a saída, forçando o país a contemplar desativar permanentemente alguns de seus campos petrolíferos.
A influência de Teerã sobre os mercados de energia, bem como na OPEP também está em perigo, enquanto rivais históricos como o Iraque se recuperam e a Líbia, Arábia Saudita e outros produtores do Golfo Pérsico aumentam sua produção total ou capacidade de produção.
O que estamos testemunhando é uma grande mudança na posição internacional do Irã. Gradualmente, Teerã está começando a perceber que os BRICS não são parceiros confiáveis nem são capazes de satisfazer as crescentes necessidades econômicas e de segurança do Irã enquanto o Ocidente aperta o laço em torno do regime islâmico.
A última coisa que o Irã quer é hostilizar o Ocidente apenas para ficar à mercê dos poderes orientais (menos desenvolvidos). Afinal, um dos principais slogans da revolução iraniana era. “Nem Ocidente nem Oriente, apenas a República Islâmica.” É precisamente por este tipo de pensamento que o Irã poderia, eventualmente, chegar a um acordo com o Ocidente.
Podemos estar caminhando para um “Mundo G-Zero”, mas as potências emergentes ainda estão ocupadas demais com suas necessidades domésticas e objetivos políticos mercantilistas para resgatar o Irã, especialmente enquanto o Ocidente está mostrando grande coesão interna e determinação sobre a questão iraniana.
Richard Javad Heydarian é um analista de assuntos estrangeiros baseado em Manila e colaborador da Foreign Policy in Focus. Cortesia da Foreign Policy in Focus.