O conceito de elegância no contexto educacional

01/06/2011 00:00 Atualizado: 06/08/2013 16:21

O sentido da educação está firmado na necessidade de se qualificar um sujeito para a sua integração no contexto cultural, através do aprendizado dos modos adequados de operação determinados por e para uma determinada cultura sobre a qual está organizado um referido contexto cultural. Esta educação pode ser dividida, grosso modo, em informal e formal, onde a segunda englobaria as operações realizadas pela escola e a informal reuniria todas aquelas distribuídas para além da atividade escolar.

O mais importante a se compreender para o sentido da educação fica, entretanto, para o fato de que ela funciona como o modo de repasse de instruções culturais que instrumentalizam o sujeito para a ‘presença’. Este ‘ato’, o ‘instante do desvelamento’, é todo o princípio e fundamento da integração de um indivíduo a determinado grupo cultural ou a qualquer contexto social e as instruções para este procedimento, são dados pela cultura que, por sua vez, organiza o conjunto de operações que englobam o processo educacional, formal ou informalmente.

Importante também esclarecer que a ‘presença’ só acontece se agregada a outro fenômeno, a ousia que, para nossa análise, é o procedimento resposta do sujeito individual ou coletivo (a cultura ou o contexto onde o sujeito se insere) que se coloca na relação imediata com a primeira operação – a presença – e desta faz o seu parecer, efetuado pela leitura de todo o conjunto do que se coloca à sua frente. Para que o termo ousia não seja tomado aqui apenas como resposta do sujeito ou do contexto em relação à presença, devemos explicitar melhor esta questão; do contrário pode parecer que pretendemos firmar o significado como apenas o de “resposta” com um nome diferente, no sentido estímulo-resposta, ou com outro sentido que não corresponda exatamente ao conceito de ousia [1]. Logo, na relação presença e ousia, a significação deste segundo termo fica como o ‘parecer’ da presença pela sua essência – o ‘Ser das coisas’, conforme Aristóteles – onde o segundo sujeito colocado na relação (pela ousia) confirma a presença.

Mas esta confirmação é sempre um parecer e depende diretamente daquele que o realiza e, se entendemos que o fenômeno mantém a dependência fechada entre as posições, a presença não depende apenas de quem a realiza, mas também de quem dela faz o parecer. Não há um sujeito que se ‘coloque no mundo’ sem que pelo menos um outro, através da ousia, faça um parecer deste acontecimento, confirmando a ‘presença’; assim, num processo dialógico, ambos os sujeitos, quase que em sincronia, trocam de posições. O fenômeno também realiza em seu bojo dois subfenômenos que são o da identidade e o da cultura, tão complexos quanto o que os abriga e, devido a esta complexidade, não é nosso objetivo discorrer, neste momento, sobre os mesmos.

O emprego de termo ‘elegância’ como mote para uma prática educacional, deve-se ao fato de compreendermos que o mesmo funciona como um sinalizador social – numa instância meta – que agrega o conjunto das posições consideradas como as mais adequadas para qualificar a ‘presença’, o ato em que um indivíduo ‘se entrega ao mundo’, o instante em que ‘se desvela para o outro’. Cada cultura possui a sua definição das operações consideradas elegantes, pois, ela mesma, delas depende.

Buscando no dicionário [2] a determinação para a palavra elegância, o verbete traz a indicação de que a raiz ‘eleganc’ provém do latim elegans (antis) e significa ‘que sabe escolher; bem escolhido’ e é um antigo particípio (tornado adjetivo) do verbo lego (as, avi, atum, are) que deve ter existido paralelamente a legere. Estes dois termos (lego, legere) indicam, entre outras coisas, ‘captar com os olhos, escolher, ler para si, ler em voz alta (para os outros), ajuntar, reunir, espreitar, surpreender e também explicar’. Para o termo elegância, para além de todas as notações que se relacionam à aparência física, encontramos no item 1.3 ‘característica de procedimento que revela cortesia, distinção; decoro, fineza, gentileza’, em 1.4 ‘adequação e fineza na escolha das palavras e no modo de dispô-las; apuro, correção’, em 2 ‘qualidade, caráter ou condição de uma pessoa ou de uma atitude assinalada pela correção de caráter moral ou intelectual; brio, honradez, nobreza’ e em 4 ‘expressão de gosto estético; requinte’.

Ao trazermos a citação do referido verbete buscamos demonstrar a relação imediata da palavra com a questão da presença. Se resumirmos a definição de ‘presença’ a um ‘saber escolher…’, mas sem excluir a definição ampla do termo, partimos já da suposição de que uma escolha – e uma escolha perfeita – não depende apenas de uma competência inata do indivíduo, embora as escolhas sejam naturais, mas também de uma competência cultural para a qual um sujeito deve ser instrumentalizado mediante procedimentos dados no âmbito da educação; portanto uma atribuição do contexto, ou seja, dado pela cultura.. Para se fazer ‘presença’ e para que a ousia aconteça, isto é, para que o mundo perceba e compreenda este sujeito ‘se colocando no mundo’, referido sujeito deve estar capacitado para a escolha de um conjunto de operações reconhecidas pela cultura e que por ela devem ser aceitas. Mas não basta apenas o reconhecimento destas operações, é indispensável que elas sejam indicadas como aceitáveis pela cultura, para que o fenômeno – ‘a presença’ – se constitua como positiva e desencadeadora de ações construtivas. E nisto, pensamos, se constitui a elegância.

Outro aspecto positivo para o emprego do termo elegância numa proposta de ação educacional, para além do que descrevemos acima, é que este vocábulo indica um conjunto de operações facilmente reconhecidas no meio escolar, pelo reforço que a própria cultura injeta continuamente sobre ele. A afirmação mais se sustenta quando, em nossos exercícios com as crianças [3], observamos que elas, quando solicitadas a produzir uma definição sobre o termo, predominantemente indicam situações de estado, ao invés de indicarem ações pontuadas. Assim, temos muito menos “escutar os mais velhos, parar de destruir as coisas”, etc. e muito mais “compaixão, carinho, harmonia, respeito, união, dignidade, ajuda”, etc. A predominância nas definições de estado nos indica que estes alunos possuem uma compreensão mais ampla do vocábulo quando visto como sinalizador de modos de operação e como os mais adequados para a efetivação do encontro de sujeitos em presença e ousia.

Com isto confirmamos que a criança já vem para o ambiente escolar aberta para as operações determinadas como educacionais se vistas pelo seu fundamento que é o de qualificá-la para a presença, através de atividades que se propõem a instrumentalizá-la para um ‘saber escolher’, inclusive saber melhor escolher os modos indicados pela cultura. Assim, inserimos um ‘saber escolher’ no âmbito de um projeto educacional porque compreendemos que educar corresponde, sempre, a um existir pró-ativo com a finalidade de retirar o aluno, objeto da ação educacional, de um estar passivo e transformá-lo num sujeito em atividade.

Notas:

[1] Ousia, para a filosofia, de onde o termo foi cunhado, significa para além disso. Ousia, quer dizer essência. Aristóteles, na Metafísica, desenvolve este termo como o Ser das coisas – o que há de essencial nas coisas. Este o motivo pelo qual pode parecer que estamos utilizando um termo com um significado totalmente diferente. Logo, alguém poderia fazer o seguinte questionamento: “Ora, se o conceito de ousia não tem nada a ver com o significado que está sendo empregado, porque utilizá-lo?” Exatamente por que visualizamos esta possibilidade de questionamento, realizamos a nota para indicarmos que está claro que pretendemos ressignificar o referido conceito – e o estamos ressignificando. Assim, através de nosso procedimento, pretendemos manter o parentesco com o termo, por origem, aproximando-o do significado corrente.
[2] Dicionário Houaiss da língua portuguesa, Ed. Objetiva, 1ª Edição, 2001, Rio de Janeiro.
[3] Séries 5ª a 8ª, Escola Municipal do Bairro Britadeira, em São Francisco de Paula, RS.