Não li o bestseller “O Capital no século XXI” do francês Thomas Piketty, portanto não me sinto qualificado para comentar o livro. Todavia, pululam críticas – positivas ou não – por toda a mídia. Tenho sérias dúvidas se a obra já foi lida ou não pelos que emitiram os comentários. Seria leviano, também, descartar a hipótese de que o livro acabará como decoração de bibliotecas. Mas, a cada dia alguém emite um pitaco sobre a “obra do momento” – que, na versão em inglês, tem 696 páginas – e causa um tremendo alvoroço.
Diante das críticas, aparentemente o novo “Capital” trataria de desigualdades na distribuição de renda. Ao cabo, a conclusão seria no sentido de uma altíssima tributação (chegando a até 80% dos ganhos), além, é claro, da criação de um imposto global. Os comentaristas brasileiros que defendem a tese do livro não explicam a mágica das “propostas” de Piketty.
Se, de fato, a conclusão final for essa mesmo, surgem diversas indagações. Quais são as causas da desigualdade nos rendimentos dos indivíduos? Sinceramente, 696 páginas – redigidas por um economista – não parecem ser suficientes para abordar o fenômeno de forma minimamente profunda, e, muito menos, definitiva. Para tanto, seria preciso navegar pela sociologia, psicologia, filosofia, economia, e, também, pelo direito. Além disso, uma pergunta crucial se impõe: há eficiência na desigualdade ou na igualdade? Noutros termos, se todos fôssemos iguais, pensássemos de forma igual e agíssemos de forma igual, como faríamos para nos tolerar em sociedade?
Se o leitor for adepto a experiências, sugiro sentar-se sozinho em frente ao espelho para conversar com si próprio. Quanto tempo alguém conseguiria ficar assim? Chegaria aonde? Minha resposta é simples: lugar algum. A diversidade individual é a maior criadora de vida – no sentido mais amplo da palavra. No entanto, a diversidade é a mãe da desigualdade.
Ora, é absolutamente impossível falar em diversidade com igualdade. Os conceitos são absolutamente antagônicos. Pessoas diferentes têm as mais variadas opções e fazem escolhas diversas. Alguém, por exemplo, pode querer trabalhar incessantemente com o intuito de maximizar seus ganhos financeiros, outros podem optar por uma vida mais modesta com tempo superior para si próprios (ou para suas famílias). Por que o workaholic – sem a conotação pejorativa – deveria ganhar o mesmo que os demais?
Essa mania de falar em desigualdade de renda é uma bandeira velha e surrada. O combate à desigualdade não nos deu computadores, aviões, literatura e música da mais alta qualidade, artistas espetaculares e atletas (de todos os esportes) que marcaram nossas vidas em diversos momentos. Ao contrário, foram as diferenças e habilidades particulares que nos deram tudo isso. Para os apreciadores de tênis, e.g., qual seria a motivação (ou o incentivo) de um Roger Federer para sacrificar diversos prazeres da vida com o objetivo de lutar bravamente para ser o número 1, se ele fosse taxado – como aparentemente propõe Piketty – em 80% de seus ganhos?
A questão é complexa, e, antes de tudo, por que taxar tão agressivamente? Por que as pessoas deveriam ser obrigadas a entregar quase todo o produto de seu trabalho para o Estado? O que o Estado tem de tão magnânimo que possibilite criar boas condições para todos indistintamente. Aliás, por acaso o Estado gera riquezas? O Estado cria tecnologia? As respostas são óbvias, mas é preciso considerar, outrossim, que a concentração de renda no Estado aumenta o poder central, e, como a história nos mostra, destrói a diversidade e a liberdade.
Quanto mais poder se concentra nas mão do Estado – e um meio grotesco de isso ocorrer é pela tributação –, a diversidade e a liberdade são assassinadas aos poucos. É uma morte lenta, muitas vezes imperceptível. Sendo assim, com base nas críticas sobre o livro, vejo o projeto de Piketty como um homicídio da civilização. Nesse último parágrafo, aproveito para destacar um detalhe relacionado ao tal imposto global. Isso, meus senhores, é o primeiro tijolo para a criação de um “Governo Global”. Curiosamente, portanto, “O Capital no Século XXI” pode ser uma obra em defesa da divisão de renda, mas, ao mesmo tempo, ela acaba sendo uma proposta de concentração de poder estatal. Em suma, quais foram os motivadores do bestseller: fantasia ou desfaçatez? Termino, com não poderia deixar de ser, com a famosa advertência de Lord Acton: “o poder corrompe; e o poder absoluto corrompe absolutamente”.
Leonardo Correa é advogado. LLM pela University of Pennsylvania