Enquanto a maioria dos países está procurando maneiras para impedir a entrada de imigrantes ilegais, o regime chinês procura maneiras para impedir a saída de seus próprios cidadãos.
Um novo sistema de vigilância da fronteira foi anunciado pelo China Daily, o jornal de notícias do Partido Comunista Chinês (PCC), no dia 6 de novembro. O sistema faz uso de radares avançados e aviões não tripulados para detectar pessoas, e já foi implantado por unidades de defesa de fronteira em Xinjiang, Yunnan e no Tibete.
Embora o regime chinês diga que o sistema será implementado para impedir o tráfico de drogas e as travessias ilegais de fronteira, provavelmente também será usado para detectar e prender grupos minoritários que são perseguidos no país – como os uigures muçulmanos que vivem na região de Xinjiang, e os tibetanos, que tentam escapar do comunismo chinês.
De acordo com Alistair Currie, porta-voz do grupo ativista Libertem o Tibete, o novo sistema de vigilância significa um risco a mais para os tibetanos que tentam escapar do regime chinês, através de uma perigosa caminhada até o Nepal.
“Agora é extremamente difícil para os tibetanos escaparem do Tibete, especialmente através de rotas terrestres”, afirmou Currie, em uma entrevista por email.
Já houve diversos casos em que os soldados chineses encarregados de vigiar fronteira atiraram e mataram refugiados tibetanos – inclusive mulheres e crianças – enquanto tentavam fugir da China.
Essas mortes foram retratadas em um filme lançado 2008, que mostrava soldados chineses atirando em tibetanos perto de Nangpa La Pass, quando estavam chegando perto do Nepal.
Segundo o China Daily, “com o novo sistema, as pessoas que tentarem cruzar a fronteira serão detectadas”, e de imediato, “os soldados serão notificados automaticamente”.
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Ao longo dos anos, de acordo com Currie, esta viagem vem se tornando cada vez mais difícil para os tibetanos. Ela disse que “houve um grande declínio no número de refugiados chegando ao Nepal”, e que de milhares imigrantes registrados por ano, esse número foi baixando para centenas, e agora, possivelmente, para apenas algumas dezenas.
Ele disse que os tibetanos são criativos e normalmente encontram novas rotas de fuga para fora da China, mas com o novo sistema, “certamente será ainda mais difícil encontrar rotas alternativas no futuro”.
Currie disse que é difícil dizer como o sistema está sendo percebido pelos tibetanos, já que “é extremamente difícil de obter informações para fora do Tibete, devido ao nível de vigilância e risco”.
O sistema foi concebido pelo Instituto do Sudoeste de Tecnologia e Física, que é uma subsidiária da China North Industries Group Corp, um dos principais fabricantes de armas do Partido Comunista Chinês.
De acordo com o China Daily, o sistema de vigilância é capaz de vigiar as fronteiras 24 horas por dia, em qualquer condição meteorológica. São usados dispositivos eletro-ópticos, radares, equipamentos de comunicação, instrumentos de comando e controle, e ferramentas para análise de imagem.
Um representante do Instituto do Sudoeste de Tecnologia e Física, Mao Weichen, disse ao China Daily que o PCC já possui sistemas de monitoramento em funcionamento, particularmente na região de Xinjiang, Guangdong, e Heilongjiang, mas estas operam basicamente com a vigilância apenas por vídeo.
O novo sistema, disse Mao, “tem uma cobertura mais ampla e de maior dissuasão, graças ao uso de drones e armas acústicas”.
As armas acústicas usam o som para ferir, incapacitar ou matar pessoas. Armas destes tipos são normalmente utilizadas para dispersar multidões. As mais poderosas causam dor e desorientação, enquanto que as menos potentes causam náusea ou desconforto.
No entanto, Currie afirma que a intenção por detrás do novo sistema de vigilância vai além da questão dos tibetanos tentando atravessar as fronteiras.
“Ter um ‘espião no ar’ em zonas fronteiriças também aumenta a capacidade do Estado monitorar a atividade tibetana nessas áreas não relacionadas com a própria fronteira”, disse ele.
O PCC tem, em muitas casos, dificuldade para monitorar pessoas em áreas remotas como o Tibete, afirma, observando os novos sistemas parecem ser “um novo mecanismo de controle do Estado”.
As notícias sobre abusos de direitos humanos no Tibete vêm sendo publicadas com menos frequência, mas a supressão dos tibetanos e outros grupos na China comunista não tem abrandado.
A desaceleração da informação pode ser parcialmente atribuída à eficiência que o regime chinês tem alcançado em relação à supressão e à censura.
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“De fato, sabemos claramente sobre os casos de tortura que vêm ocorrendo há vários anos, e há pouca razão para acreditar que isso tenha mudado”, diz Currie, afirmando que o Libertem o Tibete recebeu recentemente um documento feito em 2014 que detalha as recompensas recebidas pelos guardas que vigiam a fronteira em Purang County, ao lado do Nepal .
O documento descreve um sistema soviético de recompensa para as pessoas que denunciarem seus vizinhos. Ele descreve como o PCC irá recompensar as pessoas que passarem informações sobre “entradas e saídas ilegais do país” e informações sobre “atividades separatistas” de tibetanos ainda leais ao líder tibetano.
As recompensas variam entre 500 e 50 mil yuan, e o documento afirma que se “qualquer pessoa” prender o refugiado em questão e o entregar para a Secretaria de Segurança Pública, a pessoa “será recompensada duas vezes e meia a mais do que a recompensa prescrita”.
“Se as informações coletadas foram sobre dois ou mais agricultores e nômades, uma recompensa média será dada de acordo com o número de pessoas fugitivas”, afirma.
O novo sistema vai levar o programa existente, que já é extremamente autoritário, para um nível mais elevado.
“Claramente, um sistema baseado em tecnologia oferece mais vantagens do que o uso de membros da comunidade, que geralmente são extremamente resistentes em prestar esse apoio ao regime”, disse Currie.
Ele observou que os porta-vozes do PCC tendem a exagerar nos seus relatórios, mas que o sistema vai ser adicionado a outros sistemas presentes atualmente no local, que já tornam a fuga muito difícil para os tibetanos.
“A infraestrutura de segurança nacional da China presente nas estradas, ferrovias e aeroportos, que proliferam inclusive no ocidente do Tibete, são igualmente úteis para permitir o envio de forças de repressão ao Tibete onde quer que haja necessidade”, disse Currie.
Ele acrescentou: “Este projeto é inteiramente favorável a esta medida [de repressão].”