Novo nome, velhos abusos nos campos de concentração chineses

18/12/2013 12:05 Atualizado: 18/12/2013 14:24

Desligar um sistema que detém arbitrariamente, tortura e abusa centenas de milhares de pessoas não seria algo inequivocamente bom?

Resposta: Na China, não necessariamente, pois quando o regime chinês anuncia que está encerrando o sistema de campos de reeducação pelo trabalho forçado, o regime chinês em seguida usa outros meios de detenção arbitrária para perseguir os mesmos grupos da mesma forma ou pior do que antes.

Isso é o que está ocorrendo, segundo um relatório da Anistia Internacional divulgado na terça-feira. Com base em 60 entrevistas feitas nos últimos quatro anos com indivíduos de todas as partes da China, que foram mantidos em campos de trabalho ou sofreram outras formas de detenção arbitrária, o relatório, intitulado “‘Mudando a refeição, mas não o medicamento?’ – Abolindo a reeducação pelo trabalho na China”, fornece um vislumbre de como o regime comunista chinês tem lidado com sua promessa de abolir o sistema de campos de trabalho forçado.

O Partido Comunista Chinês (PCC) tem usado o ‘sistema de campos de reeducação pelo trabalho forçado’, ou campos de concentração, como uma ferramenta essencial de opressão política. Eles foram iniciados na década de 1950 para deter os que o PCC considera seus inimigos de classe, de histórico de vida ou de pensamento divergente.

Os “contrarrevolucionários” e “direitistas” foram punidos nos campos de trabalho e, em teoria, suas detenções não custaram nada ao Estado, uma vez que foram obrigados a fazer trabalho escravo.

Nos últimos anos, a população dos campos tem sido preenchida com um novo conjunto de “inimigos”. Os campos de trabalho têm detido praticantes do Falun Gong, peticionários (aqueles apelam ao governo contra injustiças que sofreram), defensores dos direitos humanos, ativistas da democracia e do meio ambiente, blogueiros da internet, cristãos domésticos, tibetanos, uigures e muçulmanos, juntamente com viciados em drogas e outros criminosos comuns.

Os campos de trabalho são absolutamente arbitrários: a polícia pode prender qualquer um num campo de trabalho por três anos sem justificativa, sem direito a julgamento e sem mandado de busca. Não há registo público dos detidos ou de suas sentenças.

Fechamento?

Corinna-Barbara Francis, uma pesquisadora sobre a China da Anistia Internacional, disse que o anúncio do PCC em 15 de novembro de que estava fechando os campos é menos do que parece.

“O que nossa pesquisa mostrou é que, embora eles possam estar abolindo esta forma particular de detenção arbitrária, eles estão usando outros métodos de detenção arbitrária para continuar os mesmos tipos de punições e perseguições dos vários grupos que antes eram punidos por meio do sistema de campos de reeducação pelo trabalho”, disse Francis à emissora NTDTV.

De acordo com a Anistia Internacional, alguns campos estão simplesmente mudando a placa na frente. O que antes era um campo de reeducação pelo trabalho torna-se um campo de trabalho forçado para narcodependentes, um lugar para o tratamento de viciados em drogas. Após a mudança da placa de identificação do campo, a mesma população carcerária permanece no interior da instalação.

Outros campos são reaproveitados de outras maneiras. O que era um campo de reeducação pelo trabalho pode se tornar um centro de lavagem cerebral.

Quando os campos são realmente fechados, os detidos são simplesmente transferidos para outro campo de trabalho ou para outra forma de detenção arbitrária, como centros de lavagem cerebral, classes de doutrinação ideológica, prisões negras ou instituições psiquiátricas. Presos políticos, peticionários e especialmente praticantes do Falun Gong recebem esse tratamento, segundo o relatório da Anistia.

Os peticionários, segundo o relatório, são mais frequentemente enviados para prisões negras. Os praticantes do Falun Gong são enviados principalmente para centros de lavagem cerebral, mais conhecidos pelo nome formal de ‘centros de educação legal’.

Prisões negras são instalações que existem fora dos livros, e as autoridades costumam negar sua existência. Nem as prisões negras, nem os centros de lavagem cerebral tem qualquer status sob a lei chinesa. Como os campos de trabalho, a detenção nesses lugares é arbitrária, sem o envolvimento dos tribunais. “O tratamento abusivo, incluindo tortura e maus-tratos, é endêmico nas prisões negras e nos centros de lavagem cerebral”, segundo o relatório.

Falun Gong

Os campos de trabalho têm desempenhado um papel-chave nos esforços do Partido Comunista para erradicar a disciplina espiritual do Falun Gong, também conhecido como Falun Dafa. A perseguição ao Falun Gong começou em 1999, sob as ordens do então líder chinês Jiang Zemin.

Jiang temia a popularidade da prática – dados oficiais mostravam que 70 milhões de chineses praticavam o Falun Gong (praticantes dizem que o número real era superior a 100 milhões). Jiang também temia que o povo chinês julgasse os ensinamentos do Falun Gong mais atraentes do que a ideologia comunista.

O objetivo de deter os praticantes é “transformá-los”, forçá-los a desistir de sua crença no Falun Gong. Os campos de trabalho fazem isso submetendo os presos a intensas sessões de doutrinação ideológica comunista e de autocrítica. O preso deve rejeitar suas crenças anteriores e assinar testemunhos que expressem seu arrependimento e culpa.

Se o preso é teimoso, aferrando-se a suas crenças, então maus-tratos são aplicados num crescendum, começando, segundo a Anistia Internacional, com formas mais “suaves” como a privação de sono até torturas sistemáticas e inimagináveis.

Segundo a Anistia, a população de praticantes do Falun Gong nesses campos varia entre um terço e 100% dos detidos, o que corresponde à metade de toda a população carcerária na China.

De acordo com dados oficiais do Ministério da Justiça da China citados pela Anistia; em 1999, os campos detinham 310 mil presos, número este que aumentou para 400 mil em 2007. Números não oficiais estimam que a população dos campos seja muito mais elevada.

A Anistia refere-se a um funcionário do sistema judicial da China, citado na revista estatal Caijing, dizendo que a questão de como lidar com o enorme número de presos dos campos de trabalho que são adeptos do Falun Gong – referidos indiretamente no artigo – pode ser atrasado por anos a decisão de abolir os campos de trabalho.

Enquanto os campos fecham, o regime se recusa a liberar os praticantes do Falun Gong que não foram “transformados”.

A Anistia descobriu que, quando os praticantes estão programados para ser soltos dos campos de trabalho que estão fechando, funcionários da Agência 610 – o órgão do Partido Comunista encarregado de perseguir o Falun Gong –aparecem e os levam para outro lugar. Ou, em alguns casos, as autoridades exigem que os familiares assinem declarações se responsabilizando pelo comportamento do indivíduo.

Erping Zhang, porta-voz do Centro de Informação do Falun Dafa, comentou sobre a importância das conclusões do relatório da Anistia Internacional. “O Partido Comunista Chinês está sendo pressionado a mudar o nome dos campos de trabalho forçado devido à notória reputação destes dentro e fora da China”, disse Zhang. “Enquanto a política do Partido Comunista de perseguir o Falun Gong não mudar, faz pouca diferença que nome terão esses campos e centros de detenção ilegais.”