Novas regras para transplante de órgãos na China deixam questões básicas sem resposta

23/09/2013 18:03 Atualizado: 24/09/2013 16:05
Grupo médico vê esforço como um ‘cavalo de Tróia’ que viola os padrões éticos
Ativistas chineses dramatizam um negócio ilegal de tráfico de órgãos durante um protesto em Washington DC. As autoridades chinesas têm tentado dar credibilidade a seu sistema de transplante de órgãos, mas questões fundamentais permanecem sem resposta (Jim Watson/AFP/Getty Images)
Ativistas chineses dramatizam um negócio ilegal de tráfico de órgãos durante um protesto em Washington DC. As autoridades chinesas têm tentado dar credibilidade a seu sistema de transplante de órgãos, mas questões fundamentais permanecem sem resposta (Jim Watson/AFP/Getty Images)

A última tentativa das autoridades chinesas para dar um verniz de credibilidade em sua indústria de transplante de órgãos são alguns novos regulamentos. Mas as aguardadas regras sobre a forma como os órgãos devem ser colhidos e distribuídos, tornadas públicas em 1º de setembro, ainda não respondem a algumas perguntas fundamentais.

Elas não explicam, por exemplo, se os órgãos de prisioneiros executados serão incluídos no registro de órgãos que as autoridades dizem estar estabelecendo.

Apenas em 2008, Huang Jiefu, o então vice-ministro chinês da Saúde, reconheceu publicamente e por escrito que o sistema de transplante chinês se baseava fortemente (da ordem de 90%) em órgãos de prisioneiros executados.

Isso foi dois anos depois que surgiram relatos de que prisioneiros da consciência, esmagadoramente praticantes do Falun Gong, um grupo espiritual perseguido desde 1999 na China, eram alvos da colheita generalizada de órgãos.

Foi também quase uma década após depoimentos credíveis de que o sistema chinês utilizava amplamente prisioneiros no corredor da morte. Por muitos anos, as autoridades chinesas simplesmente disseram que todos os órgãos na China eram provenientes de doações voluntárias e atacaram aqueles que sugeriam o contrário.

Agora, as autoridades admitiram que de fato extraíram os órgãos de prisioneiros sem o seu consentimento, embora nunca tenham admitido a colheita do Falun Gong.

Este ano, as autoridades médicas chinesas disseram que pretendem “eliminar progressivamente a dependência de órgãos de prisioneiros executados”, ao invés de prometerem cessar imediatamente esta prática hedionda para estarem em consonância com a ética médica internacional.

Será que prisioneiros executados serão parte do sistema de registro de órgãos? Isso não está claro. O Artigo II da regulamentação diz que ele se aplica a todos os “cidadãos”. Será que os prisioneiros contam?

O Diário da Manhã do Sul da China citou um cirurgião anônimo dizendo que os órgãos colhidos de prisioneiros entrariam no sistema eletrônico de distribuição. Mas Diário da China, uma mídia estatal porta-voz do regime, diz que apenas os órgãos do “público em geral” seriam registrados.

Se o novo sistema, chamado ‘Sistema de Resposta de Transplante de Órgãos da China’, incluir prisioneiros executados, isso facilitaria a questão de lavagem dos órgãos de praticantes do Falun Gong detidos ao apresentá-los como prisioneiros no corredor da morte.

A fraude no registro de doações de órgãos em hospitais tem sido relatada na mídia chinesa e instituições oficiais na China são amplamente vistas com probidade e credibilidade deficientes. O aparato de segurança e o complexo médico-militar, em particular, que estão fortemente envolvidos na colheita de órgãos, são notoriamente sigilosos.

Além disso, os regulamentos não fornecem qualquer transparência verdadeira ao processo de distribuição. A ideia de que a fonte de órgãos possa ser verificada é um alicerce de confiança que, por exemplo, o sistema de doação de órgãos nos Estados Unidos se baseia.

A verificação da fonte também é uma condição que a Organização Mundial de Saúde e a Sociedade de Transplantes, grupos internacionais de saúde que tentam trabalhar com o regime chinês em seu sistema de transplante de órgãos, exigem dos países. No entanto, eles têm mostrado pouco apetite para desafiar as autoridades chinesas em suas práticas.

Se os órgãos ainda forem “colhidos e alocados em segredo”, conforme o pesquisador independente Arne Schwarz coloca, isso significaria que nenhuma das promessas feitas pelas autoridades chinesas poderiam ser testadas ou confiadas.

Os Médicos contra a Colheita Forçada de Órgãos (DAFOH), um grupo médico de defesa que normalmente tenta enfrentar a questão com um tom reservado, publicou um comunicado de imprensa mostrando exasperação com o que se tornou um exercício de esquiva do regime chinês.

O anúncio da supressão da colheita de órgãos de prisioneiros na China é enganoso e insuficiente, dizem eles num comunicado.

O principal problema do DAFOH com os regulamentos é semelhante às questões articuladas por Schwarz: ausência garantias externas ou monitoramento e um miasma de ambiguidade sobre se órgãos adquiridos antieticamente seriam autorizados a entrar no novo sistema informatizado.

Ao deixar de satisfazer estes dois itens, disse os DAFOH, “talvez precisemos nos perguntar se a China foi bem sucedida na utilização de um sistema de órgãos de distribuição informatizada e se o anúncio da eliminação não seria um cavalo de Tróia que minaria e diluiria nossos padrões éticos”.