Nova constituição da Tunísia: democracia e islamismo

09/07/2014 15:54 Atualizado: 09/07/2014 15:56

Em 13 de agosto de 2011, em um dia de verão escaldante em Tunis, uma multidão desolada, enfurecida e apaixonada inundava as ruas. Mais de mil mulheres marchavam para deixar a seguinte mensagem: chegou o momento da igualdade.

Durante décadas, sob regimes exaustivos e tiranias imponentes, a Tunísia faltou com a obrigação de promover a igualdade entre homens e mulheres. Como em outros países com líderes tirânicos, os tunisianos foram privados de seus direitos, sua voz e qualquer forma de imputar responsabilidade ao governo por seus cidadãos.

O isolamento na África estimulou ainda mais a raiva dos tunisianos. O que começou como um ato de protesto com a auto-imolação de Mohamed Bouazizi, logo se transformou em uma intensa campanha de resistência civil, clamando pela derrubada do ditador da Tunísia. Meses de violência e amargo protesto levaram à queda do presidente Zine El Abidine Ben Ali, em 14 de janeiro de 2011, em um golpe sem derramamento de sangue, agora conhecido como a “Revolução de Jasmim”. No entanto, mesmo depois desta mudança importante, ainda há muito a ser feito para avançar no campo dos direito das mulheres e os direitos civis.

Três anos depois, após o trabalho da Assembleia Constituinte, a Tunísia adotou uma nova constituição em 26 de janeiro de 2014. Muitos estão esperançosos de que esta nova Carta Magna direcionará uma nova política nacional no sentido dos direitos das mulheres. A Constituição poderá não só influenciar o país, como a região inteira, e se tornar um símbolo progressista para aqueles que buscam a justiça social no mundo.

Por ora, no entanto, os direitos estabelecidos na Constituição são tão-somente palavras no papel. A questão que permanece é o que mudará quando estiver em vigor, a nova lei magna.

Legado Colonial

Para que a nova Constituição prevaleça, precisamos entender como que a Tunísia caiu em uma situação tão deplorável. Muito disto, tem a ver com o passado colonialista.

O colonialismo deixou uma marca impactante em muitas nações, e pode ser uma questão considerável ao analisar a forma com que estas sociedades progrediram e foram estruturadas. Descolonização sempre foi mais complexa para as nações com regimes islâmicos, onde pretende-se atingir um equilíbrio entre os ideais ocidentais da democracia, como igualdade e liberdade de expressão, e as tradições islâmicas, que envolve resistir a estas práticas do ocidente, tais como o consumo de álcool e participação da mídia.

Politicamente, muitos países islâmicos ficaram cansados destes líderes ocidentais que buscavam influenciá-los.

O passado colonial da Tunísia define sua identidade atual. Os franceses dominaram a Tunísia desde 1881 até a independência do país, em 1956. Com a grande influência dos franceses sobre o povo tunisiano, tanto em cultura como em linguagem, tornou-se muito complicado traçarem seu próprio caminho dali para frente.

Ainda assim, como alguns tunisianos passaram a rejeitar as elites francesas, um pouco desta identidade nacionalista emergiu, ligando-os a suas origens árabes e à religião islâmica. Junto com esta ideologia nacionalista, veio um forte sentimento anti ocidente, mais tarde provocado ainda mais pela criação norte-americana de “regimes fantoches” na região. Assim como o político paquistanês Benazir Bhutto uma vez afirmou, “a experiência colonial teve um enorme impacto na psique muçulmana. Colonialismo, exploração de recursos, e supressão política afetaram as atitudes muçulmanas com relação ao Ocidente”. Países árabes se encontram na encruzilhada onde os valores ocidentais foram manchados, assim como os islâmicos.

A luta entre colonialismo e independência – entre valores ocidentais e islâmicos – pode ser vista especificamente na luta pelos direitos das mulheres. Durante a época colonial, as mulheres tunisianas viviam em condições severamente opressivas. Logo após a independência e construção de demandas articuladas nos movimentos, em 1956 o Presidente Habibi Bourguiba instituiu o Código de Status Pessoal (CSP), um documento que mais tarde influenciou a Constituição de 1959. O Código proibia poligamia, estabelecia regras para o casamento e divórcio, conferia igualdade de sexos no sistema judiciário, igualdade de trabalhos e salários para trabalhos de homens e mulheres e avançou no sentido dos direitos de educação da mulher. Assim, em 1957, as mulheres tunisianas poderiam participar nas eleições e em 1959 já podiam se candidatar a cargos públicos. No entanto, apesar de gozarem de direitos diversos concedidos pelos países vizinhos, ainda a partir destes dias, as mulheres continuaram a sofrer sob condições de regimes autoritários, e confinadas aos papeis estabelecidos pelas tradições religiosas.

A Primavera Árabe

Desde a expulsão do ditador tunisiano em 2011, revoluções eclodiram pelo mundo árabe, seguida pelos países vizinhos como Egito, Líbia, Iêmen e Síria. A primavera árabe se tornou um símbolo de revoluções bem sucedidas e que demonstraram o poder das massas no século vinte e um. Líderes tirânicos poderiam ver claramente que as pessoas dariam o próprio sangue, suor e lágrimas para conquistarem sua liberdade das algemas que as prendiam.

Recentemente, a Primavera Árabe se tornou algo temido, não só pelos regimes ditatoriais, mas pelas próprias pessoas. Em meio a protestos e marchas violentas, muitas pessoas continuaram a enfrentar o desemprego e instabilidade. Muitos questionam se as revoluções de fato valeram o esforço e se a estabilidade um dia se tornará a realidade.

De todos os protestos, um surgido nas ruas do Cairo, chamou mais a atenção da mídia. Em 2011, o partido “ortodoxo” Irmandade Islâmica, ganhou apoio de incertos, mas determinados eleitores. Isto consolidou o partido como uma das primeiras entidades predominantes, tendo Mohamed Morsi como presidente. Enquanto que, à princípio, o Egito tornou-se um sucesso após a revolução, os militares logo tomaram o poder do presidente, após a denúncia do povo do líder islâmico.

Após duas violentas manifestações ao longo de dois anos, um povo insatisfeito, e com economia cada vez pior, a revolução egípcia se tornou uma situação cansativa, cheia de desconfiança de todas as partes e instabilidade.

Como demonstra o caso egípcio, as revoluções da Primavera Árabe envolvem mais do que a luta pela estabilidade e democracia, elas representam um esforço de atingir um equilíbrio entre o islamismo e a democracia. Paralelamente ao que ocorre na sociedade tunisiana, só que com origem diversa. Nas palavras laudatórias do líder e fundador do partido islâmico Ennahda da Tunísia., Rached Ghannouchi, a Constituição do seu país “representa o sonho dos grandes reformistas do século dezenove, que tentaram combinar os valores islâmicos e os valores modernos, e que acreditavam que o Islamismo, os valores universais e a democracia seriam compatíveis”. O que é surpreendentemente uma análise muito precisa da situação.

Em parte por conta deste equilíbrio, a Tunísia pôde trilhar um caminho firme para o futuro. “Enquanto que na política egípcia era um jogo de ‘ou tudo ou nada’, a política tunisiana demonstra ser mais consensual – apesar de o consenso ter sido muito difícil de atingir”, afirma Nathan Brown, Professor de Ciências Política e Relações Internacionais na Universidade George Washington, e um expert na legislação egípcia. “A experiência tunisiana é uma das poucas que poderá originar uma democracia que de fato funcione”. A Constituição da Tunísia emergiu do mais amplo consenso da sociedade. Conservadores, ativistas liberais, estudiosos religiosos – no final, todos concordaram com os direitos e leis que regulariam os tunisianos.

A Constituição certamente dará à população feminina do país uma margem maior ao sucesso futuro. Ademais, 28 artigos são específicos para os direitos humanos, incluindo proteção de torturas, o direito ao devido processo legal, liberdade de crença e igualdade entre homens e mulheres.

Inspiração Internacional

O impacto que a Constituição de fato terá ainda está sendo analisado. Mas não pode-se negar que chamou a atenção de outros. A Primavera Árabe espalhou-se como uma chama, pois foi baseada na liberdade. A necessidade de liberdade de todas as formas de opressão fez surgir ondas e ondas de mudanças na região; algumas boas e outras ruins. A Constituição da Tunísia demonstra uma determinação progressista que ainda está despertando no mundo árabe.

Hiba Ali é estagiário no Instituto de Estudos Políticos. Republicado do Foreign Policy in Focus sob a Licença Creative Commons 3.0

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