BRASÍLIA – Uma norma propõe o reaproveitamento da camada superficial do solo da área florestal a ser desmatada, ou “topsoil”, visando a conservação do Cerrado no Distrito Federal. A norma foi publicada no Diário Oficial (seção 1, página 16) na semana passada.
O topsoil é o material resultante do decapeamento da camada superficial do solo de até 40 cm de espessura de uma área de vegetação suprimida e que contém uma mescla de banco de sementes, raízes, fauna e flora do solo e todos os fatores importantes na ciclagem de nutrientes, reestruturação e fertilização do solo.
Considerando que as autorizações para exploração do Cerrado somente podem ser concedidas depois de assegurada a conservação das espécies endêmicas, raras ou ameaçadas de extinção, foi instituído um Grupo de Trabalho de Normatização Florestal, com intuito de apontar alternativas, para evitar a perda da biodiversidade.
A destinação do topsoil pode ser considerada uma das propostas mais inovadoras do ponto de vista normativo criada pelo Grupo.
A norma propõe a obrigatoriedade de destinação do topsoil quando houver um processo de supressão de vegetação, considerando o potencial regenerativo do banco de sementes, das raízes e caules presentes nesse material e a sua qualidade como substrato orgânico.
Bioma ameaçado
Reconhecido como a savana mais rica em biodiversidade do mundo, o Cerrado brasileiro abriga mais de 11 mil espécies de plantas, cerca de 200 espécies de mamíferos e 837 espécies da avifauna, além de um número elevado de peixes, répteis e anfíbios, segundo o Ministério do Meio Ambiente.
Apesar de sua riqueza, o Cerrado tem sido um dos biomas mais ameaçados pelo desmatamento no país. A supressão de vegetação acarreta em impactos negativos sobre o ambiente, tais como a fragmentação de ecossistemas, perda de diversidade, alterações nas composições de espécies e na densidade de indivíduos da flora, afetando diretamente a fauna local e a população.
Porém a supressão da vegetação nativa do Cerrado é necessária para utilização das áreas visando usos alternativos do solo, que podem ser projetos de assentamento para reforma agrária, agropecuários, industriais, de geração e transmissão de energia, de mineração de transporte entre outros empreendimentos.
Aplicações da norma
Para permitir a retirada da cobertura vegetal com a finalidade de um uso alternativo do solo faz-se necessária a emissão de uma autorização para supressão da vegetação (ASV) que é um ato autorizativo emitido pelo órgão ambiental competente do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA).
O processo para a aquisição da ASV visa identificar e localizar a ocorrência de espécimes protegidos de corte e propor medidas para a sua preservação, além de minimizar a supressão de vegetação. Para tanto, são estabelecidas especificações e procedimentos ambientais, a serem adotados por meio de medidas de controle e monitoramento eficientes fundamentado tecnicamente no inventário florestal da vegetação a ser suprimida, no caso do Distrito Federal, em especial o Cerrado.
A partir desta norma, áreas de destinação do topsoil e o seu tratamento, bem como as práticas complementares eventualmente adotadas, devem ser indicadas pelo responsável da supressão vegetal no inventário florestal priorizando as áreas localizadas na mesma bacia hidrográfica.
Para evitar contaminação biológica, deve ser feita a avaliação de presença de espécies exóticas e exóticas invasoras a fim de diminuir a influência destas nas áreas a serem recuperadas com o topsoil, assim como serão evitadas áreas de preservação permanentes próximas a corpos d’água, áreas úmidas ou declivosas, em função de se tratar de um material relativamente solto passível de ser carreado para os corpos hídricos principalmente em caso de chuvas.
A deposição do material pode ser feita na forma de murundus, em leiras e espalhada desde que garanta uma altura mínima de 20 cm no perfil do material. No caso de áreas localizadas no interior de Unidades de Conservação, excetuadas as Áreas de Proteção Ambiental (APAs), os gestores da unidade deverão concordar e anuir a proposta de uso do topsoil. E poderão ser designadas áreas públicas ou particulares que necessitem ser recuperadas, desde que autorizadas formalmente pelos responsáveis.
O Grupo de Trabalho responsável pela norma foi composto pelos Engenheiros Florestais Caio Teobaldo, M.Sc. Clarine Rocha, M.Sc. Leandro Salles, Dr. Marcos A C Ferreira e a Engenheira Agrônoma Heloisa Carvalho, todos analistas do Instituto Brasília Ambiental (IBRAM), havendo ainda a colaboração dos pesquisadores Dr. Daniel Vieira, da Embrapa Cenargen, e do Dr. Alexandre Sampaio, analista ambiental do ICMBio.
Marcos Antônio Camargo Ferreira é Engenheiro Florestal, Mestre em Ecologia e Conservação da Biodiversidade pela UFMT e Doutor em Ciências Florestais pela UnB