Alguns frutos dos ensinamentos de Gramsci estão sendo colhidos nesta ressaca eleitoral. A reeleição de Dilma é o resultado de três décadas de infiltração da extrema esquerda nos meios sociais e culturais, na imprensa e no sistema educacional; e da difusão do sentimento de culpa na classe média, da distinção e incitação ao ódio entre grupos, da satanização dos interesses privados em benefício da valorização dos movimentos coletivistas. Cá estamos, diante de uma crise de unidade nacional, com a eclosão de um conjunto de manifestações do sul contra o norte do Brasil. Os discursos de Lula e as ações de seu partido ao longo desses anos todos agora podem ser resumidos a uma única imagem: o mapa do Brasil dividido em duas partes − uma sustentando a outra −; e não por coincidência, a primeira tendo votado majoritariamente contra Dilma e a segundo a seu favor. “Precisamos nos separar desses parasitas!”, muitos já gritam.
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O conceito “separatista” é sempre melhor do que qualquer tese de união federativa, porém, não é essa a questão que nos permeia. Nenhum brasileiro quer ver seu país fragmentado. Somos privilegiados e orgulhosos por falarmos a mesma língua, por nos enxergarmos como um só povo, por compartilhar o mesmo território e a mesma história há cinco séculos, o que é algo notável na história da humanidade, principalmente pelo tamanho do Brasil. Os brasileiros não se odeiam, eles estão apenas estressados com os abusos estatais; e a reeleição da “presidenta” expõe claramente que esses 12 anos de PT foram voltados para a transformação da região Nordeste num imenso curral eleitoral, com Lula e Dilma fazendo com o sertão o que Sarney sempre fez com o Maranhão. Uma metade dos brasileiros não quer se separar da outra. Só quer se livrar desse sistema de espoliação promovido por um Estado corrupto e ineficiente, que usa grande parte dos impostos que arrecada para manter pobre e servil toda uma região.
Já que o Nordeste está no centro do tiroteio virtual, vamos esclarecer as razões de seu atraso. A culpa é do Estado, claro!
Por qual razão muitas empresas brasileiras estão transferindo seus parques industriais para a Ásia? Por causa da mão-de-obra barata, dos baixos impostos e da liberdade que os Estados de lá oferecem aos negócios privados. Ou seja: Os empresários enxergam que, mesmo transferindo seus negócios para o outro lado do mundo, terão rentabilidades maiores.
Por qual razão empresas das regiões Sul e Sudeste do Brasil, em vez de transferirem sua produção para a Ásia, não às transfere para o interior do Nordeste, onde existe grande oferta de mão-de-obra e terrenos muito mais baratos? Porque o Estado não permite.
O mesmo governo e a mesma militância socialista que glorificam a sobrevivência de um cidadão com os 170 reais que recebe de Bolsa Família, rejeita a possibilidade do mesmo cidadão receber um salário de 500 reais para trabalhar 8 horas por dia. Do alto da arrogância típica daqueles que têm compromisso apenas com suas próprias fantasias ideológicas, cobram que um empresário pague a uma costureira no interior do Nordeste o mesmo piso salarial (R$ 1100 reais, mais encargos) de uma costureira em São Paulo. Ignorando as grandes diferenças de custo de vida de cada região, inviabilizam qualquer investimento privado. Por isso, empresários preferem cruzar oceanos para empreender seus negócios noutros países, gerando emprego para outras pessoas, movimentando a economia de outras regiões.
Quantos homens e mulheres poderiam compor a produção das roupas, dos calçados e de muitos outros utensílios que consumimos aqui no Sudeste? Centenas de milhares. Quantos pequenos hotéis, quantas padarias, quantas farmácias, bares e restaurantes poderiam ser abertos pelos moradores de cidades cujas economias, hoje, se arrastam em torno dos programas assistências? Dezenas de milhares.
Se os empresários tivessem liberdade para negociar salários em função da realidade de cada região e se não tivessem tantos encargos, taxas e impostos a pagar para empreender seus negócios, com toda a certeza haveria um verdadeiro êxodo industrial do Sudeste para o interior do Nordeste. Se o Estado não se impusesse como intermediário entre a sociedade e o mercado, o surgimento espontâneo de polos industriais no sertão motivaria os próprios empresários a construírem as estradas e a infraestrutura que precisassem, com eles mesmos negociando as desapropriações. Os trâmites seriam mais rápidos. As obras seriam mais baratas. As relações seriam mais honestas. O custo de produção seria muito menor do que no Sudeste. Os produtos seriam muito mais competitivos nacional e internacionalmente. Os empresários produziriam cada vez mais, venderiam cada vez mais, lucrariam cada vez mais… e, tanto na ambição de enriquecerem quanto na necessidade de permanecerem competitivos, teriam que aperfeiçoar constantemente seus produtos, ou seja: teriam que oferecer a seus funcionários programas de qualificação profissional e social para melhorar a qualidade dos produtos que fabricam.
Infelizmente, esse cenário é quase uma utopia diante da cultura política e sindical do Brasil. Hoje, entre o desejo de se empreender um negócio numa cidade do sertão nordestino e a realização desse mesmo desejo, existem coronéis, prefeitos, vereadores e fiscais cobrando cada um a sua propina; leis e sindicatos impondo condições absurdas para a contratação de funcionários; o governo estadual e federal cobrando impostos em cascata e, como se fosse pouco, o monopólio estatal de construção (não-construção) da infraestrutura de escoamento da produção.
Aos que acham tudo isso um grande delírio, basta olhar para os polos de fruticultura que surgiram 20 anos atrás no mesmo interior nordestino. Produtores do sul do Brasil em busca de mão-de-obra e terras mais baratas investiram no cultivo de frutas que hoje são exportadas para todo o mundo, cujo negócio não apenas os enriqueceu como melhorou em muito a renda e a qualidade de vida dos habitantes de algumas cidades.
Podemos também rever a história do Japão no período pós-guerra, quando ofereceram aos Estados Unidos sua mão-de-obra barata para a produção de quaisquer coisas que necessitavam. Resultado: na medida em que sua população saía da miséria, ela também se qualificava profissionalmente, o que acabou fazendo uma indústria de bugigangas se transformar num gigantesco polo de tecnologia, com seus funcionários recebendo os mais altos salários do mundo. O mesmo processo ocorreu na Coréia do Sul, na China e atualmente está em curso na Índia.
A verdade: O interior do nordeste não é uma terra de incapazes. Aquela gente toda é apenas refém de uma política assistencial quem a mantém isolada e impotente, que a coage a ser grata ao governo e que lhe paga para ser pobre.
João Cesar de Melo é arquiteto, artista plástico e escritor. Escreveu o livro “Natureza Capital”