A sabedoria empreendedorial atual parece ditar que qualquer empresa que pretenda fazer negócios internacionais deve ter como alvo a China. Analistas do setor podem ir um pouco mais adiante e sugerir que a única maneira de ganhar dinheiro fazendo negócios na China é se curvar aos ditames do regime chinês e fechar os olhos a suas violações dos direitos, a perseguição de seu povo e a enorme censura da mídia e internet.
Então, por que o Google Inc., cuja receita e renda cresceram quase 250% desde que abandonou a maioria de seus negócios na China, se destaca como um forte contraste à sabedoria convencional?
O Google deixou o mercado de busca chinês em 2010 após uma briga pública com o Partido Comunista Chinês (PCC) por causa de o regime violar os servidores do Google. A empresa já havia oferecido ao regime chinês autocensurar seus resultados desde 2006. Hoje, a capitalização de mercado do Google é de pouco mais de US$ 400 bilhões em 21 de fevereiro, tornando-a a segunda empresa de tecnologia mais valiosa por essa medida depois da Apple Inc.
A empresa divulgou recentemente as receitas e renda de todo o ano de 2013; a empresa fez US$ 60 bilhões em receita total e teve US$ 14 bilhões em lucro operacional em 2013.
Voltando nove anos atrás para avaliar o desempenho financeiro do Google desde 2005. Ao longo de um período de quatro anos entre 2006 e 2009 (no qual o Google se autocensurou na China), a empresa fez um total de 72,6 bilhões dólares em receita e teve US$ 18 bilhões em lucro. Num período semelhante de quatro anos 2010-2013 (depois que o Google deixou a China), a empresa fez US$ 177,2 bilhões em receita e teve US$ 41,2 bilhões em lucro, um aumento de 243% e 228,8%, respectivamente.
Hacking chinês
Em janeiro de 2006, dois anos após a oferta pública inicial (IPO) da empresa, o motor de busca anunciou uma versão censurada de seu mecanismo de busca para a China continental. O movimento atraiu a condenação de grupos de direitos que disseram que a autocensura contrariava o próprio lema do Google, “Não seja mau.” Google explicou esse era o custo de fazer negócios. A versão censurada continuou operando por quatro anos, nos quais o Google competiu com o Baidu pelo mercado de busca chinês.
Mas a empresa viu-se sob pressão crescente do regime chinês. Chateada que a empresa da Califórnia não satisfizesse completamente os ditames do regime, a liderança do PCC resolveu dificultar a vida do Google. O Epoch Times relatou que Bo Xilai e Zhou Yongkang, que foram recentemente purgados de suas posições de liderança no PCC, estavam exercendo pressão crescente sobre o Google na tentativa de expulsá-lo da China ou pelo menos dificultar ao máximo os negócios da empresa no país.
A gota d’água veio em 2010, quando o Google descobriu um esquema de pirataria em massa que tinha como alvo alguns de seus sistemas de login e senha mais seguros, que só poderiam ser acessados por funcionários do Google. O ataque foi aparentemente feito por máquinas pertencentes a funcionários do Google China. De acordo com o “In The Plex” do editor da revista Wired, Steven Levy, o cofundador do Google, Sergey Brin, que escapou da Rússia comunista com sua família durante sua infância, considerou especialmente problemáticos os ataques de hackers e a perseguição de dissidentes realizados pelo regime chinês. Ele decidiu então sair da China. O cofundador Larry Page teria ficado neutro inicialmente mas finalmente concordou, e então o CEO do Google, Eric Schmidt, aceitou a decisão de sair da China.
Especialistas em negócios eram ambivalentes sobre o destino do Google após sua saída da China. O Google afirmou que a China representava apenas 5% de toda a sua receita, mas alguns especialistas se perguntavam se a empresa estava saindo de um mercado potencialmente lucrativo, e previram que com o aumento da concorrência da Apple, Facebook e Microsoft, a empresa teria dificuldade em competir globalmente. As ações do Google tiveram sua quota de altos e baixos naquele ano.
Ponto de ruptura
Mas o que ocorreu desde então surpreenderia a todos. Em vez de se concentrar no negócio de busca chinês, o Google dedicou suas energias desde então ao desenvolvimento do Android e à expansão de seu marketing digital.
Em 2010, o incipiente sistema operacional de código aberto do Google, o Android, tomou o mundo de assalto. Ele passou de um coadjuvante na indústria móvel para se tornar o sistema operacional mais popular para smartphones. Naquele ano, o Android passou de uma quota de mercado de um dígito para mais de 50% do mercado mundial de smartphones. Observando as receitas e lucros da empresa, seus números também não perderam o ritmo, e continuam a subir com força em seu alcance de publicidade online e outras fontes de renda menores, como a loja Google Play e seus serviços de nuvem online.
A empresa continua a competir em diversas áreas, como sistemas operacionais (Android e Chrome OS), navegador de internet (Chrome), ofertas de mídia social (Google+), plataformas da empresa (Google Apps para usuários finais e Google Cloud Platform para desenvolvedores) e seu núcleo principal de busca e publicidade online.
Embora o Google possa não ser um anjo – como muitos outros provedores de serviços online, a empresa sempre foi criticada por suas políticas de privacidade – e supostamente continua a operar na China numa escala menor, ele prova que é possível grandes empresas internacionais funcionarem sem uma presença significativa na China e ainda ampliar seus negócios com sucesso, concentrando-se organicamente em outras áreas.
Talvez a melhor prova de que a empresa ainda pode ser admirada na China, apesar de se posicionar diante do regime, é o fato de que poucas horas depois de anunciar sua saída da China, centenas de pequineses foram à sede do Google na China e depositaram flores e grinaldas lamentando a censura do regime chinês e a saída do Google.
Isso continua a provar que mesmo os cidadãos chineses apoiam uma empresa que pode se levantar contra seu governo, e talvez a melhor maneira de uma empresa realmente fazer negócio seja seguir padrões éticos e não os ditames de um regime que intencionalmente persegue o próprio povo.