As negociações entre os estudantes que protestavam pelo sufrágio universal em Hong Kong e o governo local começarão na sexta-feira. Parece que o Partido Comunista Chinês está levando a sério as negociações.
Mas parece que a mídia estatal do regime chinês não foi notificada. De acordo com o Diário do Povo, uma mídia porta-voz do Partido Comunista Chinês (PCC), o movimento pró-democracia Ocupar Central é ilegal, ele destruirá Hong Kong e forças estrangeiras estão por trás dele. Diante dessa ameaça ilegal, destrutiva e imperialista, Pequim declarou firmemente nas páginas do jornal que não assumirá compromissos. Na verdade, ninguém deveria esperar nada.
Mas, a propósito, quem é que está interferindo com outras nações? Enquanto o PCC acusou “forças estrangeiras de interferir nos assuntos internos da China”, 142 mídias em língua chinesa pelo mundo publicaram uma declaração formal “em defesa de Hong Kong”. Estas mídias que parecem estar falando em nome do regime chinês seriam parte desse regime? Elas já se registraram como agentes estrangeiros de acordo com a ‘Foreign Agent Registration Act’ nos Estados Unidos?
Durante a campanha organizada pelo PCC contra o Ocupar Central, os estudantes de Hong Kong foram acusados de serem “agressivos”. Sua agressividade consistiria de ter pedido o que é chamado em Hong Kong de “nomeação cidadã” – a capacidade dos cidadãos de nomear quem concorreria ao cargo de chefe-executivo. Esta forma de nomeação não está descrita na Constituição de Hong Kong, a Lei Básica.
Antes do Congresso Popular Nacional, o legislativo-carimbo do PCC, emitir uma decisão em 31 de agosto permitindo eleições em Hong Kong mas reservando a um comitê controlado por Pequim a nomeação de candidatos para chefe-executivo, os democratas moderados de Hong Kong tentaram encontrar uma margem de negociação com Pequim.
O único problema era que ninguém realmente sabia quem era o negociador-intermediário de Pequim. Em outras palavras, as sugestões dos moderados e as demandas dos estudantes muito provavelmente são também censuráveis na visão de Pequim. Não havia espaço para negociação desde o início.
Sem compromisso
Pequim é notória por não manter suas promessas ao povo sob seu domínio. Durante os 65 anos de regime comunista, não houve um único caso de o PCC negociar ou assumir compromissos com grupos dentro da China.
Ele não se comprometeu com o Dalai Lama em 1959 ou em qualquer momento desde então. Ele não se comprometeu com os estudantes na Praça da Paz Celestial em 1989 nem com os praticantes do Falun Gong em 1999. Simplesmente não existe a palavra “compromisso” no dicionário do Partido Comunista.
No Tibete, o PCC rompeu um acordo com o governo tibetano, iniciando em 1955 uma “sangrenta reforma democrática”, segundo Li Jianglin, que investigou a fundo e escreveu um livro sobre o que realmente ocorreu antes de o Dalai Lama fugir para a Índia.
No caso da Praça da Paz Celestial, a linha-dura na liderança nunca prometeu nada. No caso do Falun Gong, o ex-líder chinês Jiang Zemin rompeu o acordo alcançado entre os praticantes do Falun Gong e o então primeiro-ministro Zhu Rongji em 25 de abril de1999.
Os estudantes na Praça da Paz Celestial foram massacrados. Os tibetanos e praticantes do Falun Gong são vítimas de genocídio até hoje.
Mudando o foco
Antes da decisão do Congresso Popular Nacional em 31 de agosto, muitas pessoas acreditavam que ainda havia espaço para os cidadãos de Hong Kong negociarem com o PCC, embora não houvesse evidência para apoiar a suposição. Agora que a decisão foi publicada, recuar é praticamente impossível para o PCC.
A resposta do PCC aos protestos de 2011 na cidade de Wukan, na província de Guangdong, na região limítrofe com Hong Kong, fornece um exemplo de como o regime chinês assume “compromissos”. O Partido Comunista deslocou o foco para longe da demanda original.
A demanda original dos moradores era que as terras ocupadas por desenvolvedores mancomunados com autoridades locais fossem devolvidas. No entanto, o acordo final deixou os moradores elegerem seus representantes na cidade e não retornou qualquer terra.
Nas negociações com os manifestantes em Hong Kong, o PCC tentará mudar a demanda original pelo verdadeiro sufrágio universal. Embora não seja provável que isso ocorra agora, o chefe-executivo de Hong Kong, Leung Chun-ying, pode se tornar um bode expiatório. Sua demissão certamente agradaria a maioria dos cidadãos da cidade-estado.
O povo de Hong Kong teve a impressão de que a democracia viria apesar da reunificação com o continente. De acordo com Chris Patten, o último governador britânico de Hong Kong, os líderes chineses prometeram democracia. No entanto, o que quer que tenha sido dito a Patten, a realidade tem se provado diferente.
Comissão eleitoral
Quando o povo de Hong Kong fala sobre o sufrágio universal, eles se referem a algo diferente do intentado pelo PCC. A Lei Básica de Hong Kong diz: “O chefe-executivo será eleito por uma Comissão Eleitoral amplamente representativa de acordo com esta Lei e empossado pelo Governo Popular Central.”
O ponto-chave é a Comissão Eleitoral. Esta é a forma como o PCC manipula as eleições para chefe-executivo de Hong Kong. Na verdade, isso é apenas uma versão modificada das “eleições” na China continental. Eleições são realizadas na China para representantes locais, mas o PCC limita a candidatura para evitar que candidatos independentes sejam eleitos.
Mesmo quando os candidatos satisfazem as exigências para candidatura, o PCC os bloqueia. Em 2011, Liu Ping e Wei Zhonghua da província de Jiangxi foram desqualificados como candidatos independentes para a eleição de representantes locais, apesar de satisfazerem o requisito oficial de serem nomeados por mais de 10 pessoas. Eles foram constantemente perseguidos, colocado em prisão domiciliar e detidos para impedi-los de encontrar os eleitores. Por fim, tanto Liu como Wei foram colocados atrás das grades pelo tribunal local este ano.
Em agosto de 2000, o então líder chinês Jiang Zemin inclusive disse ao apresentador Mike Wallace do programa ‘60 Minutes’ que ele também era um líder eleito. Bem, na China, ninguém na verdade sabe como Jiang Zemin foi eleito, pois a maioria das pessoas nunca viu de fato uma cédula eleitoral em toda a vida.
Pedidos de democracia
Para defender a negação de democracia para Hong Kong, o regime chinês tem procurado jogar areia nos olhos do povo chinês de várias maneiras.
Um argumento amplamente utilizado para difamar o movimento Ocupar Central é que “vocês [cidadãos de Hong Kong] foram governados pelos britânicos por 150 anos e nunca exigiram democracia. O PCC só os governa por 15 anos. Por que agora vocês exigem democracia?”
Rastrear onde e quando exatamente este argumento começou é difícil, mas o conceito foi usado repetidamente pela mídia estatal chinesa e circulou amplamente na mídia social. Em qualquer caso, esse argumento é falso.
Em primeiro lugar, os britânicos tentaram dar a Hong Kong algum tipo de democracia. De acordo com William Wang, que é um especialista na história de Hong Kong, a Grã-Bretanha queria fazer de Hong Kong um Domínio autônomo, como Cingapura, mas foi fortemente contestada pelas autoridades chinesas.
O então primeiro-ministro Zhou Enlai disse em visita ao tenente-coronel Cantlie: “A China consideraria qualquer movimento no sentido do status de Domínio como um ato gravemente hostil. A China deseja que o status colonial de Hong Kong continue sem qualquer alteração.” Isso se passou em janeiro de 1958.
E se os britânicos insistissem em dar o status de Domínio a Hong Kong? Liao Chengzhi, então diretor do Comitê de Relações Exteriores da China, disse a uma delegação visitante de Hong Kong que a China “libertaria Hong Kong, Kowloon e os Novos Territórios imediatamente”.
Além disso, a democracia não é o oposto de colonialismo. Independência é o oposto de colonialismo; enquanto democracia é o oposto de ditadura. O argumento razoável é que durante o regime britânico, o povo de Hong Kong deveria exigir independência, o que eles fizeram. Na situação especial de Hong Kong, a independência teria de ser substituída pela reunificação com a China.
Mas uma vez reunificados com a China, o povo de Hong Kong deveria exigir democracia, o que eles estão fazendo agora. O PCC também não pediu democracia aos japoneses durante a 2ª Guerra Mundial. Ele pediu democracia à República da China durante a guerra civil, após a derrota do Japão, embora a demanda por democracia tenha sido apenas uma desculpa para tomar o poder.
Quando o conceito ‘Ocupar Central’ foi cunhado em 2011, muitas pessoas nem sequer notaram. Mesmo quem iniciou o movimento não acreditava que isso poderia realmente acontecer. No entanto, desde então, em quase todos os momentos cruciais o regime chinês tornou as coisas piores, instigando as manifestações de massa em Hong Kong. Passo a passo, o Partido Comunista repeliu o povo de Hong Kong.
Como de costume, o regime chinês e a mídia estatal culpam potências estrangeiras, especialmente os Estados Unidos, como estando por trás do movimento Ocupar Central. Esta acusação tem sido feita repetidamente para incitar o ódio contra os Estados Unidos e reforçar a posição do regime comunista como o defensor da China. Desta vez, porém, o regime procura desviar as atenções de sua responsabilidade pelo agravamento da situação em Hong Kong.
Desde o início, Pequim tomou decisões ruins sucessivamente sobre Hong Kong. Mas esta não é uma maré de azar, as causas disso estão na natureza mesma do Partido Comunista. Mesmo que o regime pudesse fazer tudo de novo, ele cometeria os mesmos erros. O PCC simplesmente nunca melhora.