A narração do que acontece em nossas vidas, famílias, comunidades, países e ao redor do mundo é tão crucial para nossa experiência humana que pode-se argumentar que tal transformação é tão importante quanto o ar que respiramos.
“As histórias moldam nossa forma de entender o mundo, como entendemos a nós mesmos, como entender aos outros e, em particular, como se desenvolve a empatia e a capacidade de perceber as situações de outras pessoas”, disse o Dr. Jeffrey Jones, diretor do Peabody Awards. Jones estava no tapete vermelho da 74ª Cerimônia de Premiação Anual Peabody no domingo, dia 31 de maio.
Uma procissão eufórica de distintos narradores percorreu o tapete vermelho no Cipriani Wall Street, na cidade de Nova York.
Prêmio mais antigo e prestigiado da ciência da informação e da mídia eletrônica no mundo, o programa de prêmios George Foster Peabody é único. Ao contrário dos prêmios de arte que premiam, por exemplo, o melhor roteiro, direção ou atuação, Peabody presta homenagem à narração.
O processo de seleção é mais concorrido que uma maratona. Das cerca de 1.200 apresentações, o conselho de jurados selecionou cada um dos vencedores por unanimidade, depois de incontáveis horas de audição e visualização, e quase 100 horas de reunião cara a cara em Los Angeles, Filadélfia e Atenas. Os 17 jurados disseram sim a todos os 40 vencedores.
“Deixe-me dizer-lhes, os prazeres do processo de alcançar a unanimidade não podem ser exagerados”, disse Dr. Jones durante seu discurso de abertura.
“Há muito mais qualidade alcançada nas decisões [que tomamos], e vamos mais além de outras premiações”, disse Eric Deggans, crítico de TV, para a NPR e membro do conselho Peabody.
Os jurados prestam muita atenção tanto para a narração quanto para com o que está sendo dito, e a partir de então incentivam os participantes da cerimônia a usar a hashtag #StoriesThatMatter (histórias que são importantes).
Mas como saber quais histórias são importantes? Jones perguntou retoricamente no palco das Peabody Awards. Ele então citou o diálogo entre Frodo e Sam em “O Senhor dos Anéis”, no final do filme “As Duas Torres”:
“Quando tudo parecia perdido na luta contra o mal, Frodo perguntou mal-humorado: ‘A que nós estamos nos apegando, Sam?’ Ao que o sábio amigo simplesmente disse: ‘Ainda existem coisas boas neste mundo, Sr. Frodo, então vale a pena lutar por isso’.”
Enquanto os Peabody premiam todos os gêneros na mídia eletrônica, nas categorias de entretenimento, documentários, notícias e rádio, educação, programação infantil, serviço público, institucional e prêmios individuais, a resposta de Sam ao Sr. Frodo soa como a mais óbvia verdade para os vencedores de notícias e documentários.
As apresentações foram agrupadas em temas gerais, como a guerra, o terrorismo, o surto de ebola, a discriminação racial, a degradação ambiental, imigração e assim por diante, e foram pré-selecionadas pelas comissões. Mas houve um documentário que, no que diz respeito aos temas, falou por si só.
“Hoje à noite, nós celebramos os narradores que iluminam a escuridão e o perigo da nossa condição atual… Nós celebramos aqueles que lançam luz sobre o comércio de órgãos humanos na China…”, disse Jones em seu discurso.
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Revelando um genocídio
“Extração de órgãos humanos: o comércio ilegal de órgãos na China” explora como os prisioneiros de consciência na China são usados como um banco de órgãos vivo e como são sistematicamente mortos durante a cirurgia nos transplantes ilícitos do regime chinês.
Os cineastas entrevistaram David Kilgour e David Matas, candidatos ao Prêmio Nobel da Paz, que têm investigado tais atrocidades desde 2006. Eles estimam que entre 40 mil e 60 mil pessoas foram mortas por seus órgãos na China. Outro pesquisador, Ethan Gutmann, estima em cerca de 65 mil. Apesar dos diferentes resultados, os três concordam que isso é provavelmente apenas a ponta do iceberg.
As investigações começaram logo depois que a ex-esposa de um cirurgião chinês revelou que seu marido havia retirado à força milhares de córneas de praticantes de Falun Gong, uma prática espiritual tradicional chinesa. Ela primeiro contou ao Epoch Times o que havia testemunhado. Sua história também aparece no filme, junto com os receptores de órgãos transplantados que foram à China para a cirurgia.
As proporções e a brutalidade deste crime contra a humanidade são difíceis de entender, e talvez o maior desafio para os cineastas foi contar uma história que é horrível demais para se acreditar, disseram os produtores.
“Este prêmio realmente pertence a David Matas, David Kilgour, Ethan Gutmann, e muitos outros que trabalham incansavelmente para acabar com este terrível crime contra a humanidade. Pertence aos inocentes praticantes de Falun Gong e outros prisioneiros de consciência na China… Estou tendo a honra de ajudar a contar sua história”, disse Leon Lee, produtor do documentário, em seu breve discurso de agradecimento.
Em pé com ele no palco estava Crystal Chen, mulher que foi presa cinco vezes na China por praticar Falun Gong. Ela foi presa pelo simples fato de querer ser uma pessoa melhor, acreditando nos princípios universais de verdade, compaixão e tolerância.
“Ela foi forçada a se submeter a vários exames de sangue no campo de trabalhos forçados”, disse Lee, falando de Chen. “Se qualquer desses exames tivesse se mostrado compatível para um transplante de órgão… ela não estaria aqui conosco esta noite. Todos os dias, há pessoas que não são tão afortunadas como ela e nós não podemos parar nosso trabalho até que a extração de órgãos na China acabe.”
Maureen Ryan, crítica de TV da AOL/Huffington Post e membro do conselho de premiação Peabody, disse no tapete vermelho: “O ‘Extração de órgãos humanos’ me agradou pela maneira como foi conduzido. Poderia ter sido algo sensacionalista, mas foi manejado de uma forma muito sóbria… Estamos honrando as coisas que os outros não estão prestando atenção. Isso passa na CNN 20 vezes por dia? Não, mas isso é algo sobre o que as pessoas precisam saber, portanto, se nós pudermos ajudar a lançar nosso pequeno raio de luz sobre essas coisas, então eu estou totalmente à disposição para isto.”
Leon disse que estava “emocionado” por receber um prêmio Peabody, pois isso iria ajudar a aumentar a conscientização sobre este crime contra a humanidade.
Quando lhe perguntaram se está surpreso que não existam mais documentários ou coberturas desse problema, ele respondeu que é provável que haja muitas razões para isso, mas que “agora é a hora de ver o filme… para que todos tomem sua própria decisão.”
Ele continuou: “Isto não é uma questão de raça, religião ou nacionalidade… Há um monte de coisas loucas acontecendo no mundo agora, mas a remoção de órgãos humanos de prisioneiros de consciência precisa estar em algum lugar como tema principal. Diante de semelhante crime contra a humanidade, como um ser humano você tem que tomar uma decisão. A minha pergunta é, o que você vai fazer a respeito disso?”, disse ele com convicção.
A história continua
A narração é poderosa porque esclarece questões e eventos que são difíceis de entender, e uma vez que podemos dar-lhes sentido, podemos fazer algo sobre isso. Fazendo coro com as palavras de Sam, há muitas coisas boas no mundo para defender, como as alunas inocentes que querem uma educação.
Os correspondentes da CNN Nima Elbagir e Isha Sesay receberam o Prêmio Peabody por sua cobertura sobre as 276 estudantes de uma escola na Nigéria que foram sequestradas pela organização terrorista Boko Haram há mais de um ano.
Pelo menos 219 delas ainda estão em cativeiro. Cerca de outras 234 mulheres e meninas foram resgatados do Boko Haram há algumas semanas atrás, e 214 delas estavam visivelmente grávidas, segundo Sesay. “Nós sabemos que o que essas meninas sofreram foi um horror que não podemos nem sequer começar a encarar”, disse Sesay. Agora é uma questão das comunidades enfrentarem essa realidade.
“O que as pessoas esquecem é que, quando as meninas voltaram, isso não foi o final de tudo”, disse Nima Elbagir. A melhor analogia que poderia ser usada para descrever a situação é a seguinte: “É como criar um filho de um estuprador, exceto que é para toda uma comunidade, então, como aceitar o fato de que o assassino, o estuprador, a pessoa que arruinou suas famílias, é uma criança que agora tem de ser aceita pela população, e essa é a grande preocupação”.
O poder da reconciliação
Um homem que acreditava na liberdade e na democracia foi detido, enclausurado, torturado e exilado. Ele perdeu seu braço quando o feriram em Moçambique em 1988. Depois de suportar estas dificuldades e depois que o apartheid acabou, ele retornou à África do Sul para ajudar a escrever a Constituição e trabalhou no Tribunal Constitucional durante 15 anos.
Hoje, Albie Sachs é grato por estar vivo. Ele nos ajuda a “ver que há uma maneira de evitar a vingança… que precisa haver reconciliação”, disse Abby Ginzberg, produtora e diretora de “Vengeance Soft: Albie Sachs and the New South Africa” (Suave vingança: Albie Sachs e a nova África do Sul), outro documentário ganhador do prêmio Peabody.
“Eu sinto que existe uma lição que todos nós devemos aprender à medida que avançamos. Quero dizer que é possível haver reconciliação em Baltimore, Ferguson… Eu sinto que há grandes lições a serem aprendidas a partir da experiência da África do Sul”, disse Ginzberg.
Ela conheceu Albie Sachs em 1974, quando esteve no exílio, apoiando o movimento antiapartheid. Ela nunca o esqueceu. Ela também era uma estudante na época em que apoiava o movimento. Ela disse: “A ideia do filme não me atingiu até 2009, de modo que estava ‘fermentando’ por um longo tempo sem que eu soubesse.” E o que aconteceu foi tão óbvio que provou ser uma história que deve ser contada.
“Uma pessoa que tenha sido tratada injustamente, ao confrontar seu adversário, seu algoz, e dizendo de alguma forma, juntos, vamos avançar para além disso, em um lugar diferente. Isso é algo que tem um efeito profundo. Esse é o modelo que Mandela e muitos destes sul-africanos personificaram “, disse Ginzberg com seus claros e brilhantes olhos azuis.