Os inocentes “rolezinhos” de fim de tarde, que, programados pelas redes sociais, reuniam jovens na periferia para se divertirem, namorarem e conhecerem outras pessoas, viraram dor de cabeça para os cidadãos que frequentam shopping centers e para os empresários e administradores desses estabelecimentos.
De um tempo para cá, grupos integrados por centenas de jovens passaram a transgredir a lei ao ensejo dos tais “rolezinhos”, furtando objetos, agredindo pessoas, enfim, aterrorizando os cidadãos das grandes cidades que frequentam esses lugares de comércio e lazer.
Não se pode, evidentemente, ao ensejo de tais fatos, criminalizar qualquer reunião de jovens que buscam lazer. Mas isso deve ser feito respeitando a lei. Agressões e roubos não podem ser tolerados. Pretender inocentar jovens que praticam esses desvios é passar por cima do Estado de Direito e entregar o convívio social à lei do mais forte ou do mais numeroso. É a instalação da barbárie.
O que está por trás desses fatos é a falência da educação para a cidadania no Brasil. Como explicar de outra forma que jovens que frequentam a escola assumam esse tipo de comportamento? Ora, a educação para a cidadania é condição de inserção do Brasil no mundo. E estamos em débito com ela.
Ao passo que países que estão adiante de nós equacionaram essa questão há muito tempo (Coreia do Sul, Taiwan, China, Chile, para não falar de nações plenamente desenvolvidas como Estados Unidos, França, Alemanha, Japão), o Brasil não oferece às suas crianças e jovens essa educação.
Ela deveria ocorrer nas quatro primeiras séries do primeiro grau e poderia ser ampliada em alguma modalidade de educação para o convívio intercultural no segundo grau. Na Universidade, deveria haver especial atenção para a formação humanística, que reforça os princípios éticos em que se alicerça a educação para a cidadania.
Ocorre que, no nosso país, não tratamos desse conjunto de disciplinas. Simplesmente inexistem ou não passam de simples nomes, como no caso do “Bacharelado em Humanidades” que teoricamente foi posto em funcionamento no segundo governo Lula, nas Universidades Federais, mas que até agora não funciona a contento. Faltam professores para essas disciplinas e não há programas claramente definidos.
Passemos dos “rolezinhos” às “pedrinhas”. O que aconteceu na penitenciária de Pedrinhas, no Maranhão, é a ponta do iceberg de uma dupla realidade aterrorizante. De um lado, a ineficiência assassina de um Estado privatizado por clãs, como é o caso do Maranhão. Lula, quando presidente, fechou aliança firme com o clã Sarney, dizendo que o patriarca “é uma pessoa especial”. E o clã continua, tranquilo da vida, na gestão patrimonialista da máquina do Estado, afinado com o patrimonialismo cínico da petralhada no plano federal.
Foram infelizes as palavras da governadora Roseana Sarney, ao ensejo da tragédia acontecida na penitenciária de Pedrinhas. Tentar minimizar o ocorrido com a leviana afirmação de que aconteceu a revolta porque há desenvolvimento econômico no Maranhão é fazer pouco da inteligência do povo. Ora, bolas: a revolta aconteceu porque há, no Maranhão – e de resto, no Nordeste – muito desenvolvimento do narcotráfico internacional, que deslocou a central de exportação de cocaína do eixo Sul-sudeste para o Nordeste brasileiro.
Estamos vivendo no Brasil – e esta é a segunda realidade aterrorizante – a terceira etapa da guerra do narcotráfico. Essa conflagração que tantas desgraças tem causado pelo mundo afora e que nos aterroriza percorreu já duas etapas: a dos produtores isolados (como era o caso dos plantadores de maconha décadas atrás) e a dos produtores federados de um determinado país ou região (era o caso dos tradicionais cartéis de Medellín e de Cali, na Colômbia).
Desde finais da década passada começou a terceira etapa que corresponde à plena internacionalização da indústria da morte, com matéria prima vindo regularmente do eixo andino e insumos sendo produzidos no Brasil e com a rede comercial do tráfico funcionando integrada com redes internacionais: hoje o mercado de narcóticos produz a droga no Brasil e a exporta via Nordeste para a África Ocidental (dominada por cartéis a partir da Guiné Bissau, um narcoestado). Da África a droga segue para os consumidores desenvolvidos na Europa Ocidental e nos Estados Unidos. Essa cadeia de produção e exportação de narcóticos é o grande buraco negro que está engolindo o desenvolvimento dos Estados do Nordeste brasileiro.
Lembremos que a dramaturgia da morte, com toda a brutalidade que apareceu em Pedrinhas é a linguagem corriqueira dos cartéis organizados, que estão assombrando a vida dos brasileiros e dos mexicanos. Afinal, corpos decapitados são um símbolo da brutalidade a que podem chegar esses criminosos.
Lembro que essa linguagem não é nova no cenário do terror brasileiro: anos atrás, um dirigente da Associação Comercial do Rio de Janeiro, que tinha patrocinado palestras e seminários acerca do impacto do narcotráfico no comércio da cidade e do Estado do Rio de Janeiro foi “advertido” pelos meliantes, que jogaram, por cima do muro da sua casa, cabeças decapitadas. Isso ocorreu na década passada. E isso está acontecendo em Pedrinhas, no Maranhão, em Ciudad Juárez, no México, e em outras localidades reféns dos narcoterroristas.
Será que desta vez a questão da brutalidade do narcotráfico será tema da campanha presidencial que já está rolando, de fato?
Esse artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Liberal