Mães, “não mães”, celebridades, “não celebridades” e profissionais de saúde já vieram a público saudar e defender o aleitamento materno, e no final do ano passado, o Papa fez o mesmo.
Em dezembro de 2013, em entrevista ao La Stampa, o papa Francisco foi questionado sobre a situação das crianças que passam fome no mundo. Em resposta, ele sugeriu que as pessoas devem desperdiçar menos comida. Em seguida, contou uma história que era um lembrete de que as mães que estão amamentando não devem ter vergonha de alimentar seus bebês quando eles estão fome:
“Na audiência geral, no outro dia, havia uma jovem mãe com um bebê de apenas alguns meses de idade. A criança estava chorando, percebi que seus olhos estavam arregalados quando passei. A mãe estava acariciando-a. Eu disse a ela: ‘Minha senhora, eu acho que ela está com fome’. ‘Sim, é hora de mamar…’, respondeu ela. ‘Por favor, dê algo para ela comer!’, eu disse. Ela era tímida e não queria amamentar em público, enquanto o Papa estava passando…”
Recentemente, em janeiro deste ano, num batismo coletivo de 32 bebês, na Capela Sistina, no Vaticano, o Papa voltou a bater na mesma tecla. Fez questão de deixar as mulheres à vontade para alimentarem seus bebês ali, caso eles ficassem com fome.
— Mães, se eles estiverem com fome, alimentem seus filhos, sem pensar duas vezes. Porque eles são as pessoas mais importantes aqui, disse Francisco durante a cerimônia.
“Nem todos compartilham do posicionamento do Papa sobre a amamentação. São muitos os relatos de mulheres no Brasil e em diversos lugares do mundo que já sofreram algum tipo de discriminação ou reprimenda ao amamentar em público. E é preciso deixar claro que quem não apoia a amamentação em espaços públicos, não apoia o ato de amamentar em si”, defende o pediatra Moises Chencinski (CRM-SP 36.349).
É proibido mamar…
No entanto, pouco a pouco, mães que tiveram sua dignidade ofendida por amamentar em público têm aprendido “a reagir”. Elas encontram nas redes sociais canais apropriados para extravasarem suas emoções e compartilharem suas vitórias e conquistas. “Acompanho há algum tempo as discussões do grupo Aleitamento Materno Solidário no Facebook e a discriminação por amamentar em público é um tema recorrente entre as participantes. Eu mesmo participei de um evento de desagravo no SESC Belenzinho, no ano passado, onde uma mãe foi repreendida ao amamentar dentro das instalações da unidade”, diz o médico.
E a “reação das mães” ganha força com as redes sociais. Além do grupo virtual Aleitamento Materno Solidário, muitos canais se abrem na Web 2.0 que auxiliam o que Philip Kotler chama de “empoderamento” do cidadão. É da Internet que surge o hino de todas as mães que foram intimidadas por amamentar em público. O incrível poema da britânica Holly McNish intitulado “Envergonhada ‘ataca todos os agressores’ do aleitamento materno em um mundo de outdoors cobertos de seios desnudos das grandes campanhas de marketing”. Sem surpresa, o poema transformou-se num viral.
Holly conta que escreveu o poema num banheiro público, depois que sua filha adormecera após ter mamado. Ficar em casa foi a sugestão que ela ouviu na primeira vez em que tentou amamentar sua filha em público. Desde que ela ficou “envergonhada”, escreve a poetisa no seu canal no You Tube, ela continuou a alimentar a filha em banheiros públicos por seis meses. “Eu me odeio por ter feito isso com a minha filha, mas estava nervosa, cansada e me sentia estranha”, confessa a poetisa em sua rede social.
Ao compartilhar seu sentimento de frustração, mantido em segredo por tanto tempo, Holly McNish tornou-se a porta-voz de milhares de mulheres que já foram humilhadas e tiveram sua dignidade ofendida ao tentar amamentar em público. Nos versos finais do poema, que ela recita com retórica apaixonada, seu desabafo se transforma no sentimento de muitas mães em todo o mundo:
“Portanto, não mais me sentarei sobre essas tampas sanitárias frias
Não importa o quanto eu me sinta envergonhada enquanto ela se alimenta
Porque neste país de outdoors repletos de seios
Acho que devemos tentar nos acostumar com o ato de amamentar em público”.
Numa entrevista ao Huff Post Parents, Holly McNish explicou porque esperou alguns anos para compartilhar o poema. Sua filha, na época da divulgação (2013) já tinha 3 anos de idade. A poetisa disse que refletiu muito sobre se compartilhar seus sentimentos seria algo válido para as mães que estavam amamentando atualmente. Diante da repercussão positiva, viu que poderia ajudar outras mulheres a não se sentirem envergonhadas por amamentar em público também.
McNish destaca que é contra a comercialização de fórmulas infantis para mães que não têm problemas para amamentar e que já viu muitas amigas trocarem o aleitamento materno pela fórmula simplesmente para evitar o “constrangimento cultural” de ter que amamentar em público.
“Minha resolução de Ano Novo foi ‘viralizar’ o aleitamento materno. Estou empenhado nessa missão, tentando cumpri-la. Histórias como a do papa Francisco e a de Holly McNish merecem ser contadas e compartilhadas. Afinal, qual a razão para que tenhamos que ‘lutar’ para que as mães possam amamentar livremente, em qualquer lugar, sem sofrer qualquer tipo de discriminação?”, questiona o pediatra.