Economistas permanecem aferrados à ideia de que uma economia pode ser harmoniosamente gerenciada por um Banco Central desde que este consiga manipular os preços no agregado por meio de alterações na taxa básica de juros.
Essa política de determinar metas para a inflação de preços é mundialmente popular. As autoridades monetárias acreditam que isso não apenas estabilizará a taxa de inflação de preços, como também ajudará a estabilizar a atividade econômica em torno de níveis sustentáveis. Ou seja, elas genuinamente acreditam que determinar metas para a inflação de preços é algo que poderia, no mínimo, suavizar os ciclos econômicos.
Ainda pior: a maioria dos economistas segue refém da ideia de que um pouco de inflação é algo positivo. Será?
Imagine que um empreendedor cometa um erro e acabe produzindo um bem a um custo acima de seu preço de venda. Neste cenário, caso o Banco Central adote uma postura inflacionista e, como consequência, haja um aumento generalizado de preços em toda a economia, a decisão ruim deste empreendedor acabará se tornando lucrativa. Ele será agora capaz de vender seus caros estoques. Em outras palavras, para alguns economistas, um pouco de inflação é bom porque faz com aqueles empreendedores que tomaram decisões ruins consigam ainda assim vender seus estoques.
Este tipo de raciocínio é surpreendentemente esposado até mesmo por economistas que se dizem favoráveis ao livre mercado.
O capitalismo é um sistema de lucros e prejuízos no qual os empreendedores que sobrevivem são aqueles mais capazes de satisfazer os desejos e as necessidades da sociedade. Com efeito, prejuízos são ainda mais importantes do que lucros, pois são os prejuízos que expurgam do mercado aqueles empreendedores que não servem os consumidores corretamente. Esse expurgo permite que recursos escassos — como mão-de-obra e bens de capital — sejam liberados e direcionados para aqueles setores onde são mais demandados. O movimento de preços de alguns bens e serviços em relação a outros bens e serviços de uma economia pode selar o destino de alguns empreendedores; e são esses preços relativos, e não os preços no agregado, o segredo para se entender a economia.
Um simples exemplo tornará essa ideia mais clara. Imagine uma economia bastante simples e com apenas dois produtos: maçãs e laranjas. Vamos trabalhar apenas com o curto prazo, de modo a desconsiderar eventuais alterações na produção. Comecemos com 10 maçãs e 10 laranjas, e com uma oferta monetária total de $20. Suponha que a interseção entre oferta de laranjas e demanda por laranjas determine um preço de $1,20 por laranja. Isso irá, simultaneamente, estipular o preço de cada maçã em $0,80.
O preço relativo entre laranjas e maçãs reflete a demanda da sociedade por estes dois bens, sempre de acordo com sua relativa abundância — ou oferta. Agora, suponha que os gostos das pessoas se alterem e elas passem a demandar mais maçãs. O efeito de curto prazo será um aumento no preço das maçãs e — caso a oferta monetária se mantenha inalterada — uma redução no preço das laranjas. Assim, suponha agora que o novo preço de equilíbrio seja de $1 tanto para maçãs quanto para laranjas. Isso representa um aumento de 25% no preço das maçãs e uma redução de 16,7% no preço das laranjas. A economia está, desta maneira, vivenciando uma inflação de preços de 8,3%, calculada como uma média ponderada dos dois bens. E tudo em decorrência de uma simples mudança na preferência das pessoas. Evidentemente, poderíamos ter começado com outros preços relativos de modo a criar uma situação de deflação de preços.
No mundo real, se o preço do petróleo aumenta, o preço dos outros bens e serviços terá de cair caso a oferta monetária se mantenha inalterada. Afinal, se não há um aumento na quantidade de dinheiro, os maiores preços do petróleo reduzirão a demanda por outros bens e serviços. Sendo assim, os preços de coisas como lazer, boates, roupas elegantes, DVDs, livros, bonés, óculos escuros, TV a cabo, jantares em restaurantes chiques, teatro etc. terão de cair. Caso contrário, simplesmente não venderão nada.
No curto prazo, estes bens e serviços provavelmente serão vendidos a prejuízo, dado que seus custos de produção representam custos passados e irreversíveis. No longo prazo, o impacto final sobre a inflação de preços deste encarecimento do petróleo dependerá da elasticidade da demanda e da oferta destes outros bens e serviços. Não existe “inflação de custos” num cenário de oferta monetária constante; “inflação de custos” é um mito bastante popular. Um aumento generalizado em todos os preços é um fenômeno monetário.
Agora podemos entender melhor a tolice por trás de se ter um Banco Central estipulando metas de inflação para toda a economia. No nosso exemplo de laranjas e maçãs, o que deveria fazer o Banco Central? Deveria ele implantar uma política monetária contracionista de modo a reduzir a inflação de preços de 8,3% para um valor mais próximo de sua meta estipulada (digamos, 4%)?
E se tivéssemos partido de um exemplo de deflação de preços, deveria o Banco Central adotar uma política monetária expansionista para contrabalançar aquilo que é essencialmente uma alteração nos preços relativos? Numa economia capitalista, grandes alterações nos preços relativos são um fenômeno extremamente comum. Pense nos preços dos produtos tecnológicos e nos preços dos imóveis.
Considerando que a China e a Índia entraram no mercado nos últimos 30 anos e passaram a despejar no mundo enormes quantidades de produtos baratos, os preços médios em todo o mundo deveriam estar caindo dramaticamente, exatamente como ocorreu durante a Revolução Industrial do século XIX. No entanto, os preços daqueles bens e serviços que não são produzidos em países emergentes de baixos salários, como saúde e educação, estão vivenciando uma inflação de preços galopante. Isso se deve à grande expansão monetária ocorrida em todos os países.
Suponha que a sociedade se torne menos poupadora e mais consumista. Ou seja, suponha que ela se torne mais imediatista e queira consumir mais no presente. Em circunstâncias normais, os preços dos bens de consumo [o nosso IPCA] aumentariam e os preços dos bens de capital — utilizado para investimentos de longo prazo — diminuiriam. Esta alteração nos preços relativos, com bens de consumo mais caros em decorrência desta postura mais consumista e mais imediatista, levaria naturalmente a taxas de juros mais altas. Este aumento natural dos juros atuaria como um estabilizador automático, encarecendo o crediário e desta forma arrefecendo o impacto sobre a economia desta alteração na preferência temporal. Neste cenário, se o Banco Central adotar uma política monetária mais expansionista com o intuito de corrigir este suposto problema, ele irá apenas aumentar a instabilidade e atrapalhar este processo de ajuste.
Ao ter como meta um agregado estatístico e ao utilizar taxas de juros para alcançar este agregado estatístico, os Bancos Centrais distorcem todos os preços individuais e acabam interferindo em toda a alocação de recursos e na subsequente produção de bens e de serviços.
Assim como uma régua mensura o comprimento de um objeto, o dinheiro funciona como um mensurador do valor de bens e serviços. Manipular continuamente a oferta monetária equivale a alterar constantemente o comprimento de uma régua: isso gerará caos. Deveria um aparato governamental como o Banco Central ter esta função de gerenciar meticulosamente cada mudança mensal num índice estatístico para lá de imperfeito? Já não está claro que alterar constantemente a escala de mensuração faz com que decisões empreendedoriais se tornem ainda mais difíceis e imprevisíveis?
A abolição do Banco Central e o retorno a uma moeda-commodity que não possa ser manipulada por burocratas já seria um grande passo para se devolver estabilidade à oferta monetária e, como consequência, à economia.
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Veja também: Políticas de metas de inflação – nem novas, nem eficazes
(A palestra também pode ser aprofundada nesta monografia)
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Frank Hollenbeck é PhD em economia e leciona na Universidade Internacional de Genebra
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil