Os termômetros convencionais utilizados hoje para medir a temperatura corpórea poderão ser substituídos, em breve, por dispositivos em escala nanométrica (da bilionésima parte do metro) capazes de medir as variações de temperatura em nível molecular.
Um grupo de pesquisadores do Centro de Pesquisa em Cerâmicas e Materiais Compósitos (Ciceco) da Universidade de Aveiro, em Portugal, em colaboração com colegas do Instituto de Ciência de Materiais de Aragón da Universidad de Zaragoza, na Espanha, desenvolveu um protótipo de um nanotermômetro luminescente com possíveis aplicações biomédicas.
Descrito em artigo publicado na revista Advanced Materials, o dispositivo foi apresentado no 13º Encontro da Sociedade Brasileira de Pesquisa em Materiais (SBPMat), realizado de 28 de setembro a 2 de outubro em João Pessoa, na Paraíba.
“Já submetemos uma patente do dispositivo na Europa e nos Estados Unidos, e algumas empresas se interessaram pela ideia”, disse Luis António Dias Carlos, pesquisador do Ciceco e um dos autores do protótipo, à Agência FAPESP.
De acordo com Dias Carlos, o dispositivo é baseado no conceito do uso de materiais luminescentes (emissores de luz) – como nanopartículas de íons lantanídeos trivalentes európio (Eu3+), térbio (Tb3+), itérbio (Yb3+) e érbio (Er3+) – para medir a temperatura.
Ao serem excitados por radiação ultravioleta – com energia mais elevada –, os íons Eu3+ e Tb3+ emitem luz nas regiões espectrais do vermelho e do verde com intensidades que variam de acordo com a temperatura do material sobre o qual estão dispersos.
Dessa forma, é possível medir a temperatura analisando as variações de intensidade da emissão de luz dos íons a distância, sem a necessidade de contato físico entre o termômetro e o material que se pretende analisar, uma vez que a luz se propaga no espaço.
Como os íons lantanídeos podem ser dissolvidos ou dispersos em fluidos biológicos (como sangue, por exemplo), o nanotermômetro pode ser utilizado em meios líquidos, segundo o pesquisador português.
Dias Carlos já realizou pesquisa na área em colaboração com colegas do Instituto de Química da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de Araraquara, com apoio da FAPESP.
“O nanotermômetro luminescente permite medir a temperatura de uma forma não invasiva com alta resolução espacial”, avaliou o pesquisador. “Fomos um dos primeiros grupos de pesquisa no mundo a propor o conceito de nanotermometria baseado na emissão de luz de íons lantanídeos.”
O protótipo do nanotermômetro luminescente desenvolvido pelos pesquisadores é uma placa em escala micrométrica composta por camadas sobrepostas de nanopartículas de íons Eu3+ e Tb3+ dispersas em filmes poliméricos, cobertas por uma camada de óxido de silício (SiO2) e de outra camada magnética, formada por íons de óxido de ferro em escala nanométrica.
Ao ser exposta a uma fonte de calor, a camada magnética do dispositivo aquece e aumenta a temperatura local em torno das nanopartículas de íons Eu3+ e Tb3+.
“Dependendo do grau da temperatura a que foram expostas, as nanopartículas emitem diferentes intensidades de luz visível e modificam a cor do material, tornando possível determinar a temperatura do local onde foi colocada, por exemplo”, explicou Dias Carlos.
Possíveis aplicações
De acordo com o pesquisador da Universidade de Aveiro, uma possibilidade do uso do nanotermômetro luminescente está no mapeamento de temperatura com uma resolução especial de 1 mícron, como a de células tumorais.
“Sabe-se que a temperatura das células cancerosas é mais elevada do que a das células normais e que elas não resistem a temperatura superior a 42 ºC”, disse Dias Carlos.
A ideia é injetar nanopartículas luminescentes em pacientes com câncer de modo que elas sejam atraídas pelas células tumorais. Ao expor essas células tumorais a uma fonte de radiação com temperatura superior a 42 ºC seria possível eliminá-las seletivamente, sem afetar as células normais, indicou.
“A limitação para esse tipo de terapia hoje é que não existe um dispositivo capaz de medir localmente a temperatura das células”, disse Dias Carlos. “Se conseguirmos ter um nanotermômetro capaz de medir com rigor a temperatura local seria possível controlar com precisão a distribuição de calor em torno das células que interessam.”
Segundo o pesquisador, a medição da temperatura é crucial para inúmeros estudos científicos e desenvolvimentos tecnológicos e representa de 75% a 80% por cento do mercado mundial de sensores.
Os termômetros tradicionais não são geralmente adequados para medir a temperatura a escalas abaixo de 10 mícrons (cerca de dez vezes menos do que o diâmetro médio do cabelo humano).
Essa limitação intrínseca tem encorajado o desenvolvimento de novos termômetros que não exigem contato com a superfície medida e com precisão espacial da ordem dos mícrons ou mesmo nanômetros, segundo Dias Carlos.
“Esse campo de desenvolvimento de termômetros moleculares luminescentes é muito amplo e ainda há muitas coisas que precisamos fazer para desbravá-lo”, avaliou.
Matéria original no site FAPESP.