Na moderna Taiwan, a caligrafia chinesa ainda tem um lugar

01/06/2012 00:00 Atualizado: 01/06/2012 00:00

Tu, falando com seus alunos enquanto eles se preparam para uma aula em seu apartamento. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

Esta é segunda parte de uma série de três sobre caligrafia chinesa em Taiwan: Os alunos, os professores, e seus encontros

TAIPEI, Taiwan – Um de cada vez, os alunos colocaram suas obras diante do Professor Tu, esperando seus comentários: “Seu ‘le’ [um caractere chinês] está muito espalhado, a parte superior e inferior não se harmonizam. Este aqui está melhor”, ele disse, apontando para o caractere abaixo de ‘le’, com um longo papel enrolado, “mas ainda não está muito bom… Agora seja cuidadoso, você já cometeu este erro muitas vezes, e eu já o apontei muitas vezes. Você o fará melhor agora.” O aluno, um professor universitário e praticante de longa data de caligrafia chinesa, estava agachado próximo de suas obras, acenando com a cabeça diante das observações de seu mestre. Ele enrolou suas obras e desajeitado abriu caminho para a próxima pessoa.

“Na caligrafia,” Tu disse, suspirando: “você tem de cultivar o seu coração. Somente desta forma, aquilo que você escreve pode representar aquilo que você tem internamente”. Ele olhou um por um dos alunos: “Vocês simplesmente devem ter este tipo de determinação interna.”

Tu Chungkao é um dos calígrafos mais famosos de Taiwan, foi premiado com os prestigiados prêmios Wu Sanlian e Zhongshan em 1982. Ele começou a caligrafia em torno dos 20 anos de idade, após uma breve incursão a pintura chinesa. Como pintor, toda vez que ele escrevia seu nome no final da obra, ele sempre considerava que aquilo parecia terrível. Pouco depois, ele decidiu que se concentraria em caligrafia por um tempo, para chegar a um padrão respeitável. Ele escreve desde então, e durante décadas realiza exposições ao redor de Taiwan, enquanto suas obras são vendidas por todo o mundo.

Um distinto grupo de professores foi ao apartamento de Tu para uma reunião que acontece a cada três meses. Lá, receberam conselhos e instruções do mestre e, nessa ocasião, discutiram sobre um ou outro aspecto obscuro da caligrafia. Somavam 13, com apenas uma mulher, eram em sua maioria professores e artistas de toda Taiwan. Por exemplo, um era professor de teoria da arte, outro professor de história, outro ainda era o calígrafo chefe do prestigiado Museu do Palácio Nacional de Taiwan. Todos são alunos de Tu a décadas.

Tu com o seu pedaço de papel enrolado apontando para a obra de um dos seus alunos e explicando como eles podem melhorar sua caligrafia. Outros observam. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

Em 1985, Tu pensou em selecionar os mais “vigorosos” de seus alunos para formar o grupo, e, desde então, eles têm se encontrado quatro vezes por ano. Uma vez de anos em anos, realizam uma exposição com suas obras, já fizeram cinco ou seis exposições até agora. Antes que eu fosse autorizado a participar da reunião, foi me solicitado visitar uma das exposições de caligrafia vigentes de Tu, destacada na mídia local, para sentir o gosto sobre o tipo de coisas que eles iriam conversar.

A apresentação daquele dia foi “Uma investigação sobre o Fenômeno da Caligrafia se Transformando em uma Forma de Arte Contemporânea,” proferida por Huang Chihyang. Ele havia realizado esta apresentação antes, aparentemente para uma multidão de acadêmicos, e falou para a assembleia por detrás de seu laptop durante cerca de duas horas. Todas as luzes estavam apagadas e a fileira de janelas ao longo de um dos lados da sala projetava sombras no estilo filme ‘noir’ através da sala. Duas tigelas de porcelana com tomates pequenos e lavados foram servidas, cada participante também tinha um copo de papel pequeno com chá. Alguém passou cópias de dois grandes volumes de capa dura, com textos de referência sobre caligrafia antiga, mostrando página após página de tabelas com diferentes versões e transformações dos caracteres, desde suas formas antigas até hoje. O papel era fino. Às vezes, durante a apresentação, os participantes folheavam os livros e estudavam alguns dos símbolos intensamente; o Sr. Lin, professor de teoria da arte, franzia a testa de tanta concentração, enquanto ao lado do livro desenhava rapidamente caracteres chineses no ar com o dedo indicador.

Embora os presentes na sala representassem algumas das figuras mais importantes no cenário da caligrafia contemporânea de Taiwan, eles não eram os únicos a fazer isso. Como o Professor Tu, outros famosos professores também possuem suas próprias reuniões; e cada um dos professores de caligrafia também participa de outras reuniões. Algumas reuniões podem ter centenas de participantes, enquanto outras são menos formais do que as de Tu. Cada um dos alunos de Tu, por sua vez, também tem seu próprio grupo de alunos. Se o professor for bom, ele pode ganhar a vida com isso.

Continua na próxima página… Existem vários métodos para desenvolver as habilidades do calígrafo;


Existem vários métodos para desenvolver as habilidades do calígrafo; como o descrito acima, onde o professor avalia o trabalho do aluno e oferece sua opinião e conselho. Em outras ocasiões, com pincel e papel, o professor demonstra diretamente para um indivíduo ou um grupo de estudantes. Um princípio fundamental da disciplina é a perseverança. Dos estudantes é esperada a reprodução de milhares de páginas tentando imitar os modelos de caligrafia chinesa desde os tempos antigos, como Wang Xizhi, Yan Zhenqing e outros. Diz a lenda que Yan Zhenqing escureceu a lagoa do lado de fora de sua casa de tanto lavar pincéis nela.

Há também uma série de técnicas que alguém pode se especializar. Elas são suficientemente diferentes uma das outras em forma e estilo; alguém pode ser capaz de escrever em um estilo impecavelmente e, no entanto, não garantir ser capaz de escrever em outro. Eles foram inventados durante as longas eras de desenvolvimento da China.

Hoje, em Taiwan, a caligrafia não é mais ensinada nas escolas. Anos atrás, havia aulas obrigatórias e, antes disso, tudo que alguém escrevia era com o pincel. Agora, alguns taiwaneses podem crescer sem ao menos conhecer isto. Aqueles que querem aprender necessitam procurar professores particulares, pagar mensalidades, percorrendo o longo e lento caminho da árdua prática. Apesar disso, ainda existem muitos praticantes. A maioria das universidades geralmente tem um clube de estudantes de caligrafia que encontram um professor local para guiá-los, não muito diferente de Tu e seus alunos adultos.

Apesar de todos os chineses aprenderem a escrever caracteres enquanto crescem, o contato com a caligrafia quando se é jovem é altamente valorizada. Aqueles que apenas escrevem com caneta e lápis enfrentam obstáculos quando deparados com o pincel em sua meia idade.

“Um por um, eles ainda vêm para aprender. A caligrafia é uma vocação comum entre professores aposentados”, explicou um funcionário de uma loja de caligrafia. Alguns professores que estão aposentados, mas que também escrevem, podem incentivar seus alunos a praticar caligrafia, por exemplo, trazendo-os da escola a uma loja para ajudá-los a comprar suprimentos. Ainda existem centenas e centenas de lojas tranquilas, repletas de papéis, livros, tintas, pincéis e outros apetrechos em Taipei.

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Incenso e suaves cânticos budistas vindos do tocador de CD suavemente flutuavam ao redor do apartamento; Tu estava sentado em sua mesa, vestido com roupas no estilo da dinastia Tang, calmamente praticando a caligrafia de Yü Yujen sobre uma folha de papel fina e comprida. Sentei-me e esperei até que ele terminasse. Ele colocou o pincel para baixo, me olhou diretamente nos olhos e disse: “A caligrafia chinesa é a flor da civilização chinesa. É a flor que cresceu a partir do solo da China.”

Mais tarde, durante nossa conversa, ele desenhou três círculos com uma linha acima deles, rapidamente rabiscou os símbolos referentes ao budismo, ao confucionismo e ao taoísmo dentro dos círculos. “Eles foram o solo da cultura chinesa,” explicou. Então, ele desenhou uma flor brotando, com suas raízes se estendendo até os três ensinamentos. A flor era a caligrafia, disse ele, e os três ensinamentos são a terra e os pilares da civilização chinesa.

Uma jovem numa aula de caligrafia na Universidade Nacional de Chengchi, em Taipei. Classes como esta ainda recebem jovens de Taiwan e estrangeiros envolvidos com a caligrafia. (Matthew Robertson/The Epoch Times)

Ele também falou sobre a arte moderna, e sobre a influência do Ocidente na civilização chinesa e na caligrafia. Apesar do conflito inerente em usar o pincel de caligrafia antiga nas formas de arte contemporânea, isso já ocorreu. “Foi somente após os anos 50”, diz ele, “que a influência da arte moderna começou a ser sentida.” Desde então, tem sido muito mais o caso do Oriente copiar o Ocidente, e o pincel antigo sendo adaptado para as formas de arte contemporâneas, porém muito disto tem sofrido resistência. 

Obras modernas formam a base da maioria das exposições e coleções agora, e são buscadas pelos preços mais altos nos leilões. Nas academias, porém, o estilo tradicional ainda é o preferido, e entre as massas de estudantes de caligrafia o tradicional ainda é o mais procurado. O Sr. Lin comentou que todos os artistas modernos também precisam ter algum fundamento nos estilos clássico, ou eles terão dificuldade de serem reconhecidos.

Todos os professores foram bastante unânimes sobre a atual situação da caligrafia em Taiwan. Está sendo bem menos praticada do que era antes, há menos iniciativa para que as gerações mais jovens se interessem, e tem sido mais ou menos deixada de lado da corrente principal da sociedade. Muitos não pensam que é necessário ou importante. Por quê? Eu perguntei a Tu: “Por causa dos computadores. O ‘on’ ou ‘off’ de um computador substituiu o ‘pouco’, ‘um pouco mais’, ‘muito mais’ do pincel”, disse ele, esboçando traços gordo, magro, ondulado, reto e de várias outras formas em um pedaço de papel para afirmar o seu ponto de vista.

Perguntei o que vai acontecer no futuro, dado o estado atual das coisas. Ele se sentou à minha frente na mesa, foi mexer com uma vara de incenso, tentando empurrá-la em um suporte de metal pequeno, mas parou e olhou para cima imediatamente. “Não se preocupe!”, disse ele, com os olhos iluminados, “Enquanto houver caracteres chineses, certamente haverá pessoas para escrevê-los!”