Na China comunista, ondas curtas são uma janela para o mundo

09/07/2013 15:54 Atualizado: 09/07/2013 15:54
O advogado chinês e ativista dos direitos humanos Chen Guangcheng numa visita ao Legislativo Yuan em Taipei, Taiwan. Quando estava em prisão domiciliar na China, Chen costumava ouvir a Rádio Som da Esperança, originária de Taiwan, pois permitia “que compreendêssemos por que a China não é um lugar justo” (Ashley Pon/Getty Images)

Para gerações de chineses, as transmissões de rádio de ondas curtas têm sido por vezes a única fonte de notícias independente e honesta sobre o que ocorre ao redor do mundo e até mesmo dentro da própria China.

Na década de 1960, durante a Revolução Cultural, era crime ouvir as transmissões de ondas curtas da Voz da América (VOA): a rádio foi chamada de “uma estação inimiga” na propaganda comunista chinesa. Amy Xue, que era adolescente na década de 1960 e que agora trabalha num escritório de advocacia em Washington DC, disse que a VOA era sua única fonte de notícias real durante o período caótico e tumultuado.

“Eu estava com medo e excitada”, quando ela ouviu a VOA pela primeira vez com fones de ouvido grandes e robustos, presenteados por um primo que trabalhava num escritório de telégrafo estatal. Num rádio de ondas curtas de marca Panda – que era bom, segundo Xue, pois era fornecido pela Xinhua, a agência de notícias estatal – Xue ouviria aulas de inglês, bem como notícias sobre os Estados Unidos e os desenvolvimentos na China.

Parte da missão da VOA na época era ajudar a “evolução pacífica” da China, uma frase odiada pelo Partido Comunista Chinês (PCC) e vista como equivalente a um pedido de destruição do regime. Xue disse que tinha medo de ser pega ouvindo a VOA, mas que os locutores soavam “muito amigáveis e tinham vozes suaves”.

“Era muito diferente do material revolucionário do Partido Comunista, que era extremista e duro”, disse Xue. Ela soube via VOA sobre a morte prematura de Lin Biao, que até então fora o seguidor mais confiáveis do presidente Mao, num acidente de avião na Mongólia. “Fiquei chocada. Eu não podia acreditar na notícia. Poucos dias depois, a escola nos reuniu e revelou o ocorrido.”

Anos mais tarde, a VOA foi novamente fundamental para uma nova geração na China: os estudantes universitários do fim da década de 80 que estiveram envolvidos ou sabiam dos protestos pró-democracia na Praça da Paz Celestial.

David Tian, um desenvolvedor associado à coalizão anticensura ‘Global Internet Freedom Consortium’ e um cientista da Universidade de Maryland, disse que as transmissões de ondas curtas da VOA eram a única maneira que ele e seus colegas podiam acompanhar o que acontecia diariamente durante abril, maio e junho de 1989, quando ocorreu a repressão militar e o fuzilamento dos estudantes, manifestantes e residentes em Pequim.

“Mesmo antes, na década de 1980, quando eu estava na faculdade, ouvir as ondas curtas da VOA foi uma ótima maneira de aprender inglês”, disse Tian.

Durante o movimento da Praça da Paz Celestial, “praticamente todos que não estavam fisicamente na praça estavam grudados nas ondas curtas do rádio por todo o desenvolvimento”, disse ele. Naquele ponto, ouvir as transmissões de ondas curtas que não fossem propaganda já não era crime, embora o regime chinês frequentemente interferisse no sinal. “Era muito difícil conseguir um sinal claro”, disse Tian. Mas quando alguém tinha um bom sinal, seu quarto do dormitório ficaria lotado, com Tian e seus colegas ouvindo as transmissões da VOA pela noite adentro.

Após o massacre estudantil em 1989, a interferência era “muito, muito ruim”, disse Tian.

Sem a VOA, Tian e seus colegas estavam completamente no escuro sobre os eventos que ocorriam na China. Ninguém acreditava em nada do que a televisão e as rádios estatais reportavam sobre os eventos na Praça da Paz Celestial. “Essa era uma fonte crítica. Nós realmente confiávamos na VOA. Mas não confiávamos em nada do que o PCC dizia.”

O mais recente beneficiário das transmissões de ondas curtas na China é o conhecido advogado cego chinês e ativista dos direitos humanos Chen Guangcheng, que depois de sua soltura da prisão foi imediatamente colocado em prisão domiciliar pelas autoridades em sua aldeia de Linyi, província de Shandong.

No entanto, Chen teve permissão de ouvir transmissões de rádio de ondas curtas. Em entrevistas recentes em Taiwan, Chen disse que, para as massas de chineses que não tem computador, “as transmissões de ondas curtas são excelentes, pois os ajudam a entender as notícias do mundo exterior. É simples e conveniente e difícil de restringir.” Ele acrescentou que há um “mercado enorme” para as ondas curtas na China e que esse veículo ainda é “importantíssimo”.

Numa entrevista em março, Chen fez referência específica à emissora de ondas curtas Rádio Som da Esperança (SOH), que tem estado ocupada recentemente com o desmantelamento de uma das estações de retransmissão de ondas curtas que ela usa, operada pela emissora nacional Rádio Taiwan Internacional (RTI). A SOH diz que derrubar a estação de retransmissão Tianma prejudicaria seus esforços de transmitir para a China. A RTI diz que o movimento foi planejado há anos e que não teria qualquer impacto.

Chen Guangcheng disse a SOH que, a partir de 2008, a SOH se tornou tão importante quanto a Rádio Free Asia na radiodifusão para a China. “Eu escutava a SOH constantemente quando eu estava na China”, disse Chen recentemente em Taiwan. “Devido ao trabalho árduo da SOH, a qualidade da transmissão era muito boa… a SOH falou claramente sobre coisas que as pessoas não haviam considerado anteriormente. Eles tornaram muito fácil para nós entender por que a China não é um lugar justo.”

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