Mulheres que vivem em comunidades na região da fronteira disputada entre a Índia e o Paquistão têm sofrido há décadas, apesar de suas histórias muitas vezes não serem ouvidas em meio ao barulho da diplomacia e da militância em curso na região.
O conflito entre os dois Estados vizinhos sobre a região disputada de Jammu e Caxemira tem visto muitas vidas dilaceradas. Famílias foram divididas quando a fronteira da Caxemira foi traçada em 1947-1949 e redesenhada em 1965 e 1971. Embora todos os membros das famílias tenham se tornado vítimas da divisão, as mulheres foram especialmente afetadas.
“As mulheres que residem na fronteira contestada têm sofrido imensamente como consequência do conflito de seis décadas entre a Índia e o Paquistão”, diz Seema Shekhawat, da Universidade de Mumbai.
Essas dificuldades incluem os frequentemente deslocamentos, enfrentar tiroteios e bombardeios, ganhar a vida cultivando terras com minas, e o mal-estar geral de anormalidade pela vida tão próxima de uma fronteira tensa e volátil, disse ela.
A Anistia Internacional observa que mulheres na área também enfrentam estupros e outros abusos sexuais.
Preconceitos sociais de gênero profundamente enraizados e a pobreza tornam a vida ainda mais difícil para as mulheres nessas fronteiras disputadas. Mesmo a região é difícil, sendo extremamente montanhosa, e com poucas pessoas.
Shekhawat diz que a voz das mulheres é crucial para entender a questão.
“Elas não são apenas vítimas da divisão, mas sofrem mais agudamente devido a sua condição numa sociedade em que tudo, inclusive seus direitos, são vistos através do prisma do sistema patriarcal”, diz Shekhawat.
Muitas das comunidades permanecem atrasadas, com baixo desenvolvimento, com muitas só tendo visto estradas e transportes aparecem nas últimas duas décadas. A neve no inverno isola ainda mais as regiões em altitudes elevadas.
“Farhana”, o nome fictício de uma mulher que teme represálias de sua comunidade e militantes, sabe o quão difícil pode ser esta vida. Nativa de Caxemira, ela nasceu na difícil área de Lohai Malhar nos Himalaias, na cidade de Billawar, Estado indiano de Jammu e Caxemira. Sua vida difícil nesta perigosa região tornou-se ainda pior com a morte de seu marido.
“Um dia meu marido sentiu um pouco de dor e não havia nenhum hospital próximo, onde poderíamos levá-lo. Ele morreu em vinte e quatro horas”, disse Farhana.
Viúvas jovens da região acabam se tornando criadas dos grandes clãs familiares reunidos e amantes de seus cunhados. No entanto, com a ajuda de parentes, Farhana conseguiu fugir para a área mais baixa de Shivalik, cobrindo a difícil jornada, em sua maior parte a pé, com seus dois filhos, e começou uma vida nova lá, longe da vulnerabilidade relacionada ao gênero e livre dos conflitos fronteiriços da região.
“Tornou-se importante deixar minha vila em Lohia Malhar. A atmosfera havia se tornado muito perigosa”, disse Farhana.
Seus problemas, contudo, não terminam aqui. Um dia, seu filho mais velho, com 15 anos, desapareceu. Nas montanhas de Jammu e Caxemira, quando um menino desaparece, é mais provável que tenha se envolvido em operações ilegais na fronteira. Apenas no ano passado, milagrosamente, ele reapareceu, nove anos depois de ter desaparecido.
“Durante nove anos, todos os dias e noites eu rezava pelo seu retorno”, diz Farhana.
Os nove anos foram traumatizantes para Farhana. Não só ela tinha perdido um filho, mas também era frequentemente visitada e interrogada pela polícia sobre seu paradeiro. Sempre que foi questionada, Farhana permaneceu evasiva dizendo no dialeto local, “O bar chalieera ha” (ele saiu).
“Ele voltou no ano passado e eu o fiz se casar para que possa se assentar na vida. Ele tem um filho agora.” Ela sorri e aponta para os sapatos pequenos deitados na varanda de sua nova casa de concreto nas terras baixas.
O filho mais novo de Farhana trabalha seis meses por ano num frigorífico em Mumbai e o resto do ano ele trabalha num pequeno pedaço de terra de sua mãe que ela comprou vendendo leite.
Vestido com jeans e tênis, ele estava saindo com seus amigos para jogar críquete. “Eu tenho duas vacas e um búfalo. Criei meus filhos trabalhando nos barracões de gado e fazendas de outras pessoas aqui. Eu sempre digo a meus filhos que é aceitável comer apenas uma vez por dia, mas é ruim comer com o dinheiro ganho de forma errada”, diz Farhana.
Farhana não quer que sua nora tenha o mesmo destino que o seu, assim, Farhana está satisfeita que a esposa de seu filho esteja na faculdade. “Deveria haver mais possibilidades de emprego para mulheres como nós. Minha nora deveria se educar e conseguir um emprego.”