A polícia de Hong Kong, oficiais de justiça e trabalhadores da construção civil definiram a data de 11 de dezembro para o trabalho de desmantelar as tendas alastradas pelas principais ruas da cidade em torno da sede do governo de Hong Kong, que foram ocupadas por manifestantes estudantis, apoiadores e uma constelação de grupos pró-democracia nas últimas dez semanas.
Milhares de policiais foram chamados para a operação, juntamente com dezenas de trabalhadores da construção civil contratados para remover as barreiras, tendas, mesas e parafernália da ocupação. Porta-vozes da polícia reiteraram em discursos prévios que a força seria usada conforme necessário. Havia um ar de finalidade nos pronunciamentos.
Os manifestantes também pareciam sentir que o fim estava próximo. Os discursos dos líderes estudantis nos últimos dias incluíram desculpas por não conseguirem alcançar os objetivos do protesto, reflexões sobre o que deu errado e promessas de que a luta ainda não acabou. Eles começaram a desmontar o palco principal, equipado com um sistema de som profissional, que foi o local de muitos encontros e discursos entusiasmados e cantorias.
Outros agiram rapidamente para preservar o máximo que podiam da arte que surgiu espontaneamente em torno do local desde outubro, inclusive a remoção cuidadosa de milhares de posts que constituíam o Muro Lennon.
Apesar dos protestos não terem atingido seus objetivos de conseguir o verdadeiro sufrágio universal para Hong Kong, ninguém duvida que o Movimento Guarda-Chuva mudou a cidade de forma indelével.
As ramificações do protesto para a juventude são ainda incertas, dizem os observadores, mas não há dúvida de que o Movimento Guarda-Chuva mudou o caráter dos protestos em Hong Kong para o bem.
A consequência no longo prazo “é difícil de prever, mas um grande número de jovens participou nesta ocupação e foi espancado pela polícia”, disse Ho-Fung Hong, professor-associado de sociologia na Universidade Johns Hopkins, que escreveu um livro sobre os movimentos chineses de protesto.
Normalmente, durante os comícios entre 4 de junho e 1º de julho, os manifestantes foram bem-comportados. Eles permaneceram nas áreas delineadas e seguiram as orientações da polícia. “Ninguém violou a linha da polícia”, disse Hong. “Mas depois dessa experiência de ocupação, a imagem da polícia foi muito danificada, e para estes jovens, em protestos futuros, eu não acho que eles considerarão que obedecer a polícia ainda é uma necessidade.”
Um começo acidental
“Ocupar Central”, como foi chamada a campanha de desobediência civil em massa em Hong Kong, não considerava terminar assim.
O grupo que se autodenomina ‘Ocupar Central com Amor e Paz’, composto por dois professores de direito e um pastor, tinha um plano muito simples em mente: algumas centenas de pessoas se aglomerariam no Distrito Central, o centro financeiro de Hong Kong, e lá ficariam até serem presos.
O plano certamente não incluía o que emergiu espontaneamente para caracterizá-lo no início de outubro: quilômetros de ruas e avenidas (2,9 km para ser mais preciso, segundo números oficiais) em torno da sede do governo foram tomados por adolescentes e adultos jovens, que distribuíam alimento, brincavam em seus telefones e relaxavam enquanto uma série de palestrantes se revezava para falar sobre a importância da democracia e as diferenças entre a China continental e Hong Kong.
A forma peculiar que o protesto tomou foi moldada desde o início por uma série de erros por parte do governo de Hong Kong, que conseguiu transformar o que era um encontro de estudantes secundaristas reunidos em greve num parque num movimento amplo que ocupou 12 rodovias que atravessavam o centro da ilha de Hong Kong.
Oficialmente conhecido como Harcourt e Connaught, a avenida foi batizada de Praça Guarda-Chuva pelos manifestantes, que a usaram para comícios de massa e onde mais tarde estabeleceram um acampamento sofisticado.
Os grupos de estudantes, incluindo o Escolarismo, composto por estudantes secundaristas, e a Federação dos Estudantes de Hong Kong, que reúne estudantes universitários politicamente ativos, começou com um boicote das aulas na área conhecida como Parque Tamar, um local gramado com vários bancos que oferece aos funcionários do governo um ambiente tranquilo.
Porém, depois que eles foram expulsos do Parque Tamar (para abrir caminho para um grupo pró-governo celebrar o Dia Nacional da República Popular da China em 1º de outubro), eles se mudaram para uma área pavimentada em frente à sede do governo.
Em 26 de setembro, isso escalou para a tomada da “Praça Cívica”, um pátio para escritórios do governo que costumava ser aberto ao público. Joshua Wong, o líder carismático do Escolarismo, sugeriu que o local fosse reivindicado pelo povo.
Ele foi preso e passou mais de 40 horas em custódia – o que deixou os manifestantes mais irritados. Eles ocuparam as pontes que ligam o sistema de metrô com a sede do governo e, enquanto os protestos cresciam em 28 de setembro, um domingo, a polícia começou a disparar gás lacrimogêneo.
Isso mudou tudo.
“Assim que eu vi a notícia sobre o gás lacrimogêneo, eu fui para a rua. Por que eles atacam os estudantes com gás lacrimogêneo?”, disse N.L. Chung, de 44 anos, uma secretária numa escola secundária, em entrevista no Almirantado no mês passado. Ela era um caso típico de um indivíduo instantaneamente politizado devido à ação da polícia.
Muitos relataram uma onda de emoção ao ver as imagens de manifestantes desarmados e jovens atingidos com spray de pimenta e bombas de gás lacrimogêneo.
“Todos somos apolíticos – não nos importamos com o que ocorrer em qualquer sentido. Mas é nosso dever cívico proteger os mais vulneráveis”, disse Ed Lau, um dos manifestantes que se encarregaram de defender a “frente oriental” da zona ocupada.
Charlez Kwan, de 23 anos, um treinador de atletismo, estava presente em 27 e 28 de setembro. “Eu estava muito zangado. O que os alunos possuíam? Guarda-chuvas. Capas plásticas. Eu estava muito furioso.”
Ele acrescentou: “A polícia foi tão estúpida. Eles poderiam ter formado uma linha e gradualmente empurrado as pessoas para fora, mas eles atiraram gás lacrimogêneo contra a multidão e depois apenas ficaram rondando.”
Stanley Ha, de 29 anos, auxiliar de escritório, fez uma observação similar. “Eu achei que a polícia foi demasiadamente dura com os estudantes. Eu e meu amigo vimos tudo e ficamos muito zangados.”
Dezenas de milhares de pessoas – talvez mais – tiveram reações como essa e a ocupação teve início.
Aqueles que não sabiam muito sobre a luta pela democracia foram progressivamente educados. Mesmo aqueles que não permaneceram no local foram alcançados por folhetos, estudantes batendo em suas postas ou reportagens diárias sobre a ocupação.
Promessas de perseverança
A remoção das barracas e o afugentamento dos estudantes acabarão com a ocupação do local principal dos protestos e, desta forma, com o Movimento Guarda-Chuva.
Os organizadores do movimento admitem abertamente que seus objetivos estão distantes. “Em termos de consciência civil sobre política, nós fizemos um grande progresso”, disse Alex Chow, secretário-geral da Federação dos Estudantes de Hong Kong, numa entrevista com jornalistas quando um observador informou por Twitter. “Em termos de realizações concretas, é claro que isso não é nada.”
Mas os manifestantes e os observadores dizem que a resistência às autoridades de Hong Kong continuará. “Vocês estão removendo apenas um acampamento… vocês não podem remover a ideia!”, diz uma nota em giz colorido numa calçada. Uma faixa pendurada nas barricadas numa avenida anunciava: “Isso é só o começo.”
Às 9:47 da manhã, enquanto trabalhadores da construção civil e a polícia se preparavam para começar a desmantelar o acampamento, os manifestantes jogaram ao ar centenas de tiras de papel amarelo. À esquerda havia um guarda-chuva, o símbolo do movimento. À direita, em letras maiúsculas fortes, as palavras: “Nós voltaremos.”