“Nós somos os filhos dos ideais que você não pôde matar.”
Uma jovem leva uma carta enquanto marcha com dezenas de milhares de pessoas na Cidade do México em 22 de julho passado. Vinte e poucos anos, cabelos pretos longos e jeans, sua mensagem captura o espírito e o sentido da história do novo movimento do México pela real democracia. Ao mesmo tempo, revela o ressentimento que especialmente os jovens sentem sobre as eleições presidenciais e um novo governo que para eles representa uma era de manipulação e repressão.
Semanas após as eleições presidenciais do México, milhares de pessoas protestaram contra o declarado vencedor, Enrique Peña Nieto, e o iminente retorno ao poder do partido que governou o México por mais de sete décadas. O Partido Revolucionário Institucional (PRI), que está programado para tomar posse em 1º de dezembro, enfrenta agora acusações crescentes de fraude, uma demanda legal para declara as eleições inválidas e um movimento jovem que se recusa a recuar.
“México, Sem o PRI”, “Instituto Eleitoral, seu covarde – Corrija as eleições!” e “México votou e Peña não ganhou!”, homens e mulheres cantavam esses slogans através das avenidas do centro da cidade na última manifestação, prometendo que o político mais conhecido por seu penteado e conexões com a antiga política de estilo mexicano nunca assumiria o cargo. A maioria dos manifestantes tem idade universitária, mas contingentes de trabalhadores, associações de moradores e cidadãos de todas as idades participam.
Muitos defendem o candidato da oposição e segundo lugar nas eleições, Manuel Andrés Lopéz Obrador. Mas a mídia, quando confrontada com as mensagens reais e os motivos do movimento, simplesmente proclama que todo o movimento é um artifício de maus perdedores.
#YoSoy132
O México está vendo o nascimento de um movimento pela real democracia. Ele é liderado por uma geração que quer romper o cinismo de uma nação acostumada à corrupção e ao autoritarismo. Seus membros não desafiam apenas os resultados das eleições, mas a própria definição de democracia.
O movimento chamado de “#YoSoy132” (#EuSou132) surgiu em protesto a Peña Nieto em alguns centros universitários locais baseado no princípio de que a democracia não pode ser comprada. Jovens sem memória adulta de viverem sob o PRI têm olhado para a história de seu país e decidiram que não querem voltar para lá.
O movimento “#YoSoy132”, com o símbolo ‘#’ em seu nome marcando a identidade de sua geração, tem uma ampla plataforma que inclui: a democratização da mídia para garantir o direito à informação e a liberdade de expressão; “educação secular, livre, científica, pluricultural, democrática, humanista, popular, crítica e de qualidade”; mudança no modelo econômico neoliberal com menos ênfase no mercado e maior envolvimento do Estado; transformação do modelo de segurança e justiça e a retirada do exército da segurança pública; democracia participativa e autonomia; e saúde como um direito humano.
Turbulenta estrada do PRI no poder
Poucas pessoas previram os protestos pós-eleitorais no México ou a rápida ascensão do movimento liderado pela juventude contra Peña Nieto. O PRI aprendeu com sua derrota para Vicente Fox em 2000 e os convulsivos protestos pós-eleitorais de 2006, quando o candidato conservador Felipe Calderón foi declarado vencedor com mínima margem e acusações generalizadas de fraude. O PRI planejou evitar ambos os cenários, promovendo seu candidato anos antes para posicioná-lo como a imagem do “novo PRI”.
O esforço incluiria acordos secretos com as principais estações de televisão para a cobertura favorável na mídia que datam de 2009. Tanto a revista mexicana Proceso e depois a The Guardian reportaram sobre esses contratos, embora o PRI tenha negado as acusações.
Também incluiu reconstruir a máquina política que serviu o partido durante seus 71 anos de domínio ininterrupto por todo o país. Essa máquina política sofreu um golpe duro e debilitante com a eleição de Vicente Fox do conservador Partido Ação Nacional (PAN) em 2000.
O PRI não só perdeu o leme de uma nação que tinha confidentemente controlado por anos, mas também perdeu sua maioria no Legislativo e em vários governos estaduais. Foi uma queda dramática e vergonhosa do poder e a idade dos “dinossauros”, como a elite política do PRI é chamada, parecia estar realmente acabada.
Mas pelo menos um informante e numerosos analistas afirmam que o PAN concordou em deixar a máquina política do PRI no lugar em troca de apoio para suas propostas de reforma na legislatura e do domínio continuado de uma pequena e poderosa elite econômica. O PRI foi capaz de se reconstruir sem medo de acusações criminais por seus atos passados de corrupção e repressão entre suas fileiras.
Eleições de 2012
As eleições de 2012 mostraram que a máquina tinha sido bem lubrificada e empregou muitas das mesmas táticas usadas para garantir vitórias eleitorais no passado. Mas o objetivo de construir uma sólida margem de vitória para assegurar a legitimidade saiu pela culatra devido ao monitoramento dos cidadãos e algumas mídias sobre abusos flagrantes.
Uma coalizão de partidos progressistas entrou com uma ação legal em 12 de julho para declarar inválida a eleição presidencial devido às violações dos artigos da Constituição mexicana que exigem uma votação livre e justa. A demanda cita especificamente o excesso dos limites de gastos de campanha como a causa. O limite legal é definido pelo improvável valor de 336.112.084,16 de pesos, cerca de 25,4 milhões de dólares. A coalizão diz ter provas de que o PRI-Partido Verde gastou cinco vezes o limite permitido.
Mas o que seria o aspecto potencialmente mais contundente das alegações, Lopéz Obrador acusou o PRI de lavagem de dinheiro através de gastos de campanha não declarados. A oposição pediu uma investigação sobre o possível uso de fundos públicos em áreas governadas pelo PRI e de dinheiro de fontes ilícitas, incluindo o crime organizado. O uso de cartões bancários pré-pagos é uma forma comum de lavagem de dinheiro. O PRI emitiu milhares destes cartões de um banco chamado MONEX para os eleitores numa operação de possível compra de votos. (Um sinal de protesto observava acidamente, “As eleições do México foram tão limpa que até o dinheiro era lavado”).
O demanda legal também cita evidências de compra de pesquisas de opinião para dar a impressão de que a eleição estava garantida. Muitas empresas de pesquisa de voto relataram com confiança dois dígitos de vantagem para Peña Nieto, com uma vantagem de até 18 pontos. A contagem final mostrou pouco mais de 6 pontos, Peña Nieto com 38,21%, López Obrador com 31,59% e o candidato conservador Josefina Vazquez Mota com 25,41%. Se a discrepância resultou de metodologia errônea ou de dar ao cliente o que ele queria, isso se tornou assunto de discussão diária no México.
Aliança EUA-México na Guerra contra as Drogas
O presidente Obama contatou Peña Nieto para parabenizá-lo por sua vitória antes mesmo das autoridades eleitorais mexicanas terem declarado o vencedor. A Casa Branca emitiu uma leitura da chamada de Obama para Peña Nieto anunciando uma parceria continuada em “prosperidade, democracia econômica e segurança”.
A pressa do governo Obama para afirmar apoio ao candidato em apuros não é um sinal de entusiasmo pelo retorno do PRI. O governo dos EUA claramente teria preferido outro governo conservador no México.
O Partido Ação Nacional escancarou a porta para um maior envolvimento dos EUA no país. Agências dos EUA, incluindo o DEA, ATF, CIA e FBI, bem como militares “aposentados”, agora participam e operam as desastrosas políticas de segurança pública do México. A guerra de Felipe Calderón contra as drogas provou-se o veículo perfeito para quebrar a resistência à intervenção dos EUA e permitir enormes incursões em seu plano de segurança regional, que inclui a integração do México em seu “perímetro de segurança regional”.
Mas a administração Obama estava ansiosa por colocar as eleições para trás e pôr o candidato de centro-esquerda Manuel Andrés López Obrador fora do palco político o mais breve possível. Lopéz Obrador pediu abertamente pelo fim da guerra contra as drogas e pela “adoção de uma estratégia diferente”, durante seu discurso final de campanha.
Ignorando os conflitos pós-eleitorais que já fermentavam ao sul da fronteira, a Casa Branca parabenizou o candidato e o povo mexicano por “demonstrar seu compromisso com os valores democráticos através de um processo eleitoral livre, justo e transparente”. Mas bem antes de Lopéz Obrador abrir o processo jurídico, evidências da compra de votos tinham aparecido e o movimento EuSou132 e outros expressavam acusações de fraude.
Quando perguntado por um repórter em 9 de julho se o Departamento de Estado dos EUA ainda afirma que as eleições foram “transparentes”, o porta-voz Patrick Ventrell evitou a questão afirmando apenas que, “Congratulamos o anúncio da autoridade eleitoral dos resultados finais e obviamente estamos ansiosos por trabalhar com o presidente eleito Sr. Peña Nieto.”
A administração aceitou Peña Nieto quando as pesquisas mostraram uma vantagem significativa e arranjou reuniões às pressas com seu tão logo novo aliado bem antes das eleições. A política do México dirigida pelo Pentágono exige um parceiro na guerra contra as drogas. As tropas do exército mexicano estão agora estacionadas em locais estratégicos em todo o país, supostamente para interromper o fluxo de drogas ilegais e capturar os chefões do tráfico.
Eles têm repetidamente agido para reprimir os defensores dos direitos humanos e subjugar comunidades que protestam contra a perda de controle dos recursos naturais ou a presença do exército. As forças armadas atuam como uma forma de controle social, enquanto oficiais do exército foram acusados de estar em conluio com o crime organizado em vários casos.
Continuar a guerra contra as drogas está no topo da agenda binacional dos EUA. O Congresso tem sustentado isso através de financiamento consistente da Iniciativa Mérida desde que o plano de Bush passou em 2008. A Comissão de Relações Exteriores do Senado recomendou apenas mais quatro anos e mais um bilhão de dólares dos contribuintes norte-americanos, apesar do fato de que a estratégia conjunta tenha resultado em 60 mil mortes no México e nenhuma diminuição significativa no fluxo de drogas ilícitas para os EUA.
Nieto a bordo
Peña Nieto retornou a favor no mesmo dia que recebeu os parabéns prematuros de Obama. Em conferência de imprensa, ele apoiou a estratégia de usar o exército para atacar os cartéis. Ele também anunciou seu compromisso de realizar grandes reformas estruturais que o governo dos EUA e interesses econômicos nacionais e transnacionais têm exigido há anos. Estes incluem a privatização da companhia nacional de petróleo PEMEX, além de reformas fiscais e trabalhistas que enfraquecem os sindicatos e os direitos trabalhistas. Ele também pediu a criação de uma força policial especial composta de militares para superar os obstáculos legais ao uso das forças armadas na segurança pública. Organizações empresariais dos EUA, como a Sociedade Américas, elogiaram o “novo PRI”.
Peña Nieto afirmou, “Sem dúvida, estou empenhado em ter uma relação intensa e próxima de colaboração efetiva medida por resultados”, aliviando temores de que o antigo partido nacionalista se afastaria da nova aliança militar/policial com seu poderoso vizinho. Ele anunciou a nomeação de um ex-chefe da Polícia Nacional da Colômbia, o general Oscar Naranjo, como seu conselheiro máximo de segurança antes das eleições. Naranjo é uma figura principal na política de segurança colombiana e muito próximo da política de segurança dos EUA.
Há quatro meses até a posse. O período de transição excessivamente longo no México será repleto de protestos. O movimento EuSou132 se juntou com outras organizações populares em meados de julho para estabelecer uma série de mobilizações ligadas à data em que as autoridades eleitorais devem ratificar os resultados eleitorais (6 de setembro), a posse (1º de dezembro) e outras.
Ao questionar o papel dos monopólios de mídia, publicidade e imagem pública, compra de votos, gastos de campanha e operadores políticos, o novo movimento do México levanta sérias questões sobre a democracia eleitoral. As perguntas não se aplicam apenas ao México, um país que emergia e talvez esteja voltando ao governo autoritário. Elas também têm muita relevância para os Estados Unidos enquanto caminham para eleições presidenciais em novembro.
Laura Carlsen é uma colunista da ‘Foreign Policy in Focus’ e diretora do Programa das Américas do Centro de Política Internacional na Cidade do México. Ela fez parte da delegação internacional que investigou o massacre de Ahuas. Direitos autorais da ‘Foreign Policy in Focus’ (fpif.org).