Morar sem segurança na maior favela do Rio

08/08/2013 17:57 Atualizado: 08/08/2013 20:30
(Tasso Marcelo/AFP/Getty Images)

Um dos vários líderes comunitários com quem me encontrei, hoje, definiu bem: “A impunidade é a mãe de toda as violências.” Ouvi os moradores da Maré contarem seu dia a dia na maior favela do Rio de Janeiro. Falaram de suas comunidades entrelaçadas, nascidas no Rio junto com suas irmãs mais famosas: Copacabana, Ipanema e Leblon.

Mas suas histórias não tratavam de belas praias, discotecas famosas ou bares e restaurantes glamorosos. Eram sobre operários brasileiros tentando viver com dupla ameaça da violência nas mãos de criminosos e da indiferença ou violência por parte da polícia. Uma questão que levantaram foi a falta de energia elétrica, água, saneamento, boas escolas e postos de saúde. Mas, mesmo conversando sobre a insuficiência desses serviços públicos essenciais, a conversa continuava voltando à segurança pública.

Favelas como a Maré têm altíssimos índices de violência. Isso fez com que a polícia e órgãos do governo abandonassem os moradores, sob o pretexto de que as favelas eram perigosas demais para atuarem.

Isso está mudando, mas é tangível o medo durante as discussões sobre o que vai acontecer em breve na comunidade da Maré. A polícia está realizando um programa de “pacificação”, em parte devido aos próximos eventos da Copa do Mundo e das Olimpíadas, sediados no Rio de Janeiro.

O problema é que a polícia tem a má fama de tratar os favelados como se todos fossem criminosos. Demasiadas mortes, principalmente jovens e meninos, aparentemente foram provocadas por policiais.

Em junho último, um protesto pacífico terminou para os moradores da Maré como de costume: alvo de gangues criminosas e no meio de fogo cruzado de policiais atirando para matar. Acabaram matando 10 pessoas, incluindo um policial.

Isso nos traz de volta ao argumento do líder comunitário durante nosso encontro: é raro um inquérito sobre o uso de força por parte da polícia. Alegações verossímeis do envolvimento de policiais em inúmeras execuções extrajudiciais são praticamente ignoradas e as testemunhas têm medo de aparecer.

O povo trabalhador da Maré merece sentir-se seguro: seja a segurança de saber que pode ir até a padaria sem ser morto, seja saber que os filhos podem ir à escola para uma educação decente, ou que o lixo será recolhido e as ruas bem conservadas.

Hoje, vivem sem segurança alguma. Grupos criminosos continuam a tornar insustentável a vida dos moradores da favela. O governo se omite das obrigações de fornecer serviços básicos. E, o que é pior, a polícia que deveria prestar segurança pública, provoca um medo visceral nos moradores da Maré.

Como parte das suas intervenções esporádicas, a polícia se envolve em incursões arbitrárias sem motivo. Rotineiramente invadem as casas dos moradores sem mandado de busca, destroem o que não querem, confiscam o que pode ser de valor e muitas vezes ameaçam ou agridem os moradores. Têm sorte quando essas “incursões” resultam apenas em uma porta arrebentada, mobília quebrada ou bens roubados.

Este conceito de “segurança” que está sendo ativado através do programa de “pacificação” é altamente irregular. A polícia “classifica” praticamente todos os moradores das favelas, como criminosos de fato. Se alguém contesta a polícia, prova que é criminoso e geralmente acaba em confronto, que em muitos casos acaba em jovens sendo mortos.

Por mais terrível que tenha sido ouvir esses relatos durante meu primeiro dia de viagem ao Brasil, também houve motivo de esperança. O encontro com os líderes e membros da comunidade foi organizado pelas Redes de Maré e pelo Observatório das Favelas que estão trabalhando em estreita colaboração com o escritório da Anistia Internacional no Brasil, em campanha para capacitar os moradores da favela de contestar a polícia e capacitá-los a reivindicar seus direitos.

Dois elementos desta campanha são decisivos. O primeiro é o de assegurar que os moradores da Maré tenham consciência de seus direitos, ao serem parados na rua ou a polícia vier revistar suas casas. Saber que a polícia precisa mostrar um mandado para revistar sua casa facilita aos moradores fazerem valer os seus direitos.

O segundo, e mais importante, é o dos debates que estamos realizando com a polícia para ajudá-los a reconhecer que alguém que sabe e afirma seus direitos está reivindicando os direitos de cidadania, e não está agindo como um criminoso.

Isso está mudando, mas lentamente. Os adesivos afixados nas portas e janelas, pedindo à polícia que verifique, antes de entrar em uma casa, que a busca é legítima – foram arrancados pela polícia. E existe também o medo quanto ao iminente programa de pacificação, que incluirá tanques nas ruas da Maré.

Mas os moradores das favelas, fortalecidos pela consciência de seus direitos e mais capazes de se interagir com funcionários do governo, inclusive a polícia – estão aos poucos contestando a percepção de que todos os moradores de favela são criminosos. Os policiais estão começando a reconhecer que suas ações, legítimas ou não, com base em um julgamento radical de pessoas que vivem em situação de pobreza, têm piorado e não reduzido a violência nas favelas.

A parceria da Anistia Internacional com duas organizações comunitárias tornou isso possível. Os moradores da Maré confiam no Observatório e nas Redes porque eles são da comunidade. Estão começando a confiar na Anistia Internacional, porque estamos usando a nossa influência para possibilitar um debate entre funcionários-chave do governo e da polícia e moradores da Maré, para ouvir diretamente os que carregam o peso do crime violento e do policiamento violento.

Esta matéria foi originalmente publicada pela Anistia Internacional

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