Os bancos centrais atuais estão praticando aquilo que os economistas chamam de “desvalorizações competitivas”, cada um se esforçando para depreciar mais sua moeda em relação a todas as outras. A lógica, segundo os governos, é que a depreciação da moeda — e, consequentemente, da taxa de câmbio — estimula a economia (leia-se, o setor exportador).
O problema é que tal raciocínio não faz nenhum sentido.
Se você possui uma determinada moeda, e todos os preços cotados nesta moeda caem, você certamente irá se beneficiar deste arranjo. Você lucraria com ele. Mais ainda: você não teria de pagar nenhum imposto sobre este lucro, pois o lucro não seria na forma de um aumento na sua quantidade de dinheiro; o lucro seria na forma de um aumento na quantidade de bens e serviços que você é capaz de comprar com a mesma quantidade de dinheiro que você possuía antes. Portanto, uma deflação de preços traria um enorme benefício para você.
Agora, se é benéfico para você portar esta moeda em um momento que os preços dos bens e serviços estão caindo, por que seria ruim para o público em geral do seu país portar esta mesma moeda em um momento em que os preços das moedas estrangeiras estão caindo? Quando a sua moeda se torna capaz de comprar uma quantia cada vez maior de moedas estrangeiras à medida que o tempo passa, está havendo uma deflação de preços para os itens que estão sendo comprados: as moedas estrangeiras. Por que seria desvantajoso para a população deste país ter uma moeda que ganha poder de compra em relação às outras? Por que seria ruim ser usuário desta moeda e por que não seria ruim ser usuário das moedas estrangeiras se são justamente os bancos centrais estrangeiros que estão inflacionando suas moedas?
Estamos hoje em uma situação em que os bancos centrais de todo o mundo estão expandindo seu processo de aquisição de títulos da dívida de seus respectivos governos. Eles fazem estas aquisições criando dinheiro do nada. É isso que bancos centrais fazem. Logo, há aquilo que se convencionou chamar de ‘corrida para o fundo do poço’. Todos os países estão inflacionando para que seus exportadores não sofram com uma moeda apreciada. Todos os governos hoje são mercantilistas.
No entanto, sabemos que, como indivíduos, utilizar uma moeda que está se valorizando é algo ótimo. O que nos leva à inevitável pergunta: por que é bom para os indivíduos de um país utilizar uma moeda que está se valorizando, mas também é uma boa política ter um banco central expandindo a oferta monetária com o intuito de justamente desvalorizar o valor internacional desta moeda? Parece haver algo errado neste arranjo. Quem o defende parece sofrer de dissonância cognitiva.
O que é bom para um indivíduo honesto é bom para a nação. Se é bom para um indivíduo ter um moeda que está se valorizando, então é bom para toda uma nação ter uma moeda que está se valorizando. Como é possível dizer que é algo bom para os indivíduos utilizarem uma moeda que está se valorizando e, ao mesmo tempo, dizer que o país deveria instruir seu Banco Central a inflacionar a moeda com o intuito de não permitir que ela se valorize?
Vivemos em uma era mercantilista. Aquelas grandes empresas voltadas para a exportação querem ver o valor de suas moedas domésticas caindo continuamente. Todas as empresas voltadas para o setor exportador, de todos os países, querem que isso ocorra. Em outras palavras, elas não querem viver num sistema em que os preços são definidos pelo livre mercado. Elas querem que os bancos centrais de seus países intervenham expandindo a oferta monetária de modo a reduzir o valor internacional de sua moeda doméstica. Sendo assim, por essa lógica, o que é bom para indivíduos passa a ser supostamente ruim para toda a nação. Porém, o que é a ‘toda a nação’ se não o agregado de todos os indivíduos?
Não há dúvidas de que entramos em uma era de desvalorizações competitivas das moedas domésticas. Historicamente, isto sempre foi chamado de depreciação, mas o termo depreciação é enganoso. Soa como se, da noite para o dia, os burocratas do governo anunciassem uma alteração na taxa de câmbio. No entanto, o que ocorre é que o mercado estabelece o valor de troca de uma moeda por outra. Se os bancos centrais de duas nações inflacionam suas moedas na mesma proporção, a tendência é que aproximadamente a mesma taxa de câmbio se mantenha ao longo do tempo. Porém, em relação aos bens e serviços, as moedas domésticas estão se desvalorizando.
Sempre que você ouvir alguém dizendo que a moeda do seu país tem de se desvalorizar em relação ao dólar — ou que o dólar tem de encarecer —, você está na presença de um mercantilista. Trata-se de alguém que crê que a inflação monetária — e, portanto, a inflação de preços — é algo bom. Ele pensa assim porque tal medida representa um subsídio ao setor exportador. Porém, deveria ser algo óbvio que, quando partimos da lógica de que aquilo que é bom para o indivíduo é bom para a maioria dos cidadãos do país, uma moeda doméstica em contínua apreciação em relação às moedas estrangeiras é algo positivo. Isso indica que seu banco central não está inflacionando, e que os outros bancos centrais ao redor do mundo é que estão. Significa que seu banco central está sendo mais austero e mantendo a sua moeda mais robusta. E uma moeda robusta é aquela que está se valorizando. Mas não é assim que políticos pensam. E também não é assim que economistas dos bancos centrais pensam.
Somente exportadores não gostam de uma moeda que está se valorizando. E são muito poucas as pessoas de uma economia que trabalham para exportadores.
Desvalorizar a moeda de um país é um ato que gera uma redistribuição de riqueza dentro do próprio país. A riqueza é retirada dos setores da economia que não estão ligados à exportação e direcionada para os setores ligados à exportação.
Adicionalmente, a desvalorização funciona como um subsídio aos compradores estrangeiros. Desvalorizar a moeda de um país é uma bênção para os estrangeiros, pois agora eles poderão importar bens deste país a preços mais baratos. Os estrangeiros poderão agora comprar mais bens com sua moeda, a qual repentinamente se valorizou perante a moeda do país que desvalorizou.
Sempre que políticos e economistas de seu país disserem que o câmbio tem de se desvalorizar, eles não verdade estão querendo subsidiar os estrangeiros. Com a desvalorização, bens que até então estavam relativamente caros passarão a se tornar uma verdadeira barganha para os estrangeiros — ao menos até que os preços comecem a subir em consequência da desvalorização da moeda.
No início do processo de desvalorização da moeda, o setor exportador conseguirá comprar fatores de produção a preços que ainda não se alteraram. Com o passar do tempo, a desvalorização da moeda começará a exercer efeitos inflacionários sobre toda a economia, gerando aumento de preços. Neste ponto, o setor exportador será forçado a elevar seus preços. Ato contínuo, é de se esperar que os exportadores clamem por novas rodadas de desvalorização cambial para reiniciar o ciclo e favorecê-los novamente.
É importante também ressaltar o fato de que, quanto mais bens forem exportados, menor será a oferta destes bens no mercado interno, algo também propício a gerar mais inflação de preços e, consequentemente, um menor padrão de vida.
É de se lamentar que a maioria das pessoas não entenda de economia. Para os exportadores, no entanto, que se beneficiam deste assalto ao poder de compra da população, essa ignorância econômica de seus compatriotas é uma dádiva. Dado que é impossível ganhar algo a troco de nada, o que ocorre é que um pequeno grupo de exportadores ganha muito e, em troca, o restante das massas fica com preços crescentes para quase todos os bens e serviços da economia.
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Frank Shostak é um scholar adjunto do Mises Institute e um colaborador frequente do Mises.org. Sua empresa de consultoria, a Applied Austrian School Economics, fornece análises e relatórios detalhados sobre mercados financeiros e as economias globais
Tradução de Leandro Roque
Esta matéria foi originalmente publicada pelo Instituto Ludwig von Mises Brasil