Moda sustentável: o caro que sai barato

14/01/2016 07:00 Atualizado: 14/01/2016 09:53

A sustentabilidade ecológica e a questão do cuidado com os animais são temas em ascensão no mundo contemporâneo. Esses motivos, longe de serem exclusivos de políticos e dirigentes de ONGs, frequentam noticiários e programas de variedades na TV, além de surgir em conversas de botequim. Se, de certa maneira, a sustentabilidade é pop, por que não virar moda? Já virou! E a aposta é que o mundo se torne cada vez mais eco-friendly.

Exemplo disso é a grife Será o Benedito, que, com seus 20 anos de mercado, tornou-se referência na produção de roupas e acessórios que incorporam essas ideias e esses ideais, não somente na estampa do produto, mas em toda a cadeia produtiva de artigos de moda.

Reutilização, reciclagem, redução são alguns dos conceitos trabalhados pela Será em todo o processo produtivo. Outra característica da grife é a não utilização de matérias primas de origem animal, fato que promove uma forte identificação do público vegano com ela. Uma marca Vegana? Bem, é desse modo que a Será é conhecida em alguns nichos. Mas é bom ressaltar que há vários caminhos que ligam os consumidores à marca, e muitos deles não seguem pelo veganismo.

Juta, couro vegetal, tecidos orgânicos, pneus, garrafas pet, lona de caminhão, tudo isso se transforma em conceito e estilo. Como afirma Orivan Pavan, CEO da grife, algumas pessoas optam pelos produtos da marca devido ao conceito de sustentabilidade que ela incorpora, enquanto outros simplesmente gostam do estilo das roupas e vestimentas. E muitos escolhem os produtos tanto por conta de ambos, buscando vestir estilo e conceito.

Outras marcas e empreendimentos que total ou parcialmente se afinaram com o conceito eco-friendly de maneira séria e consistente são a Osklen, a Colcci, a Hering; a loja Onng, a Totem, ECO 3R; o Instituto E, Ecotece, entre muitos outros.

O fantasma do preço

Em separado, moda e sustentabilidade carregam a pecha de custarem caro. E quando se juntam, no conceito de moda sustentável, o preço salta como questão complicada. Não se trata apenas de achar o nicho que gosta do estilo e que pode pagar caro, pois uma das aspirações que mobilizam a sustentabilidade é deixar de ser algo alternativo para se instalar, cada vez mais, como paradigma central, abarcando maiorias. Produzir artigos de moda diversos para variadas classes (preços) e gostos é, nesse sentido, um desafio chave para o eco-friendly.

Um ponto importante, o modo mais artesanal, que costuma viger em boa parte da produção sustentável, carrega um grande inconveniente para o barateamento da produção: a pequena escala. Além disso, ao contrário do que pode ser imaginado, a sustentabilidade não repousa em modelos – de produção e de produtos – já prontos e consagrados. Ela exige reiteradas pesquisas em materiais, processos produtivos e design funcional. E tudo isso tem riscos, custa tempo e dinheiro.

Há ainda o zelo de algumas marcas por um conceito amplo de ecologia: respeito à natureza e ao bom convívio humano. Fala-se em comércio justo, que zela pelas boas condições de trabalho e salário ao longo de toda a cadeia produtiva, incluindo os fornecedores. O preço do produto, portanto, incorpora em si um processo multiplicador de justiça social – que tem seu custo, e ele não é barato.

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Porém, se a grande indústria, ganhando em escala de produção, consegue por vezes preços menores, a fragilidade de muitos de seus produtos é algo que incomoda a alguns consumidores. Nesse sentido, a durabilidade é um dos atrativos de alguns produtos eco-friendly. E faz parte de um conceito oposto ao da grande indústria: a obsolescência programada. Desse modo, um produto sustentável, que dura 5 ou 10 vezes mais, ganha proporcionalmente no custo. Desse ponto de vista, o preço joga no time do sustentável.

Mas surge uma questão importante quando percebemos que, para alguns, a efemeridade faz parte de um estilo. A obsolescência programada do produto descartável acaba se afinando com um modo de ser. Por isso, para entendermos esse jogo de mercado, efemeridade e durabilidade não podem ser vistas somente do ponto de vista do preço relativo, mas também como valores e componentes de estilo pessoal, disputando os corações dos consumidores. Pensando bem, produtos eco-friendly (geralmente duráveis) podem compor, por fagulhas de tempo, o visual de um amante da efemeridade.

Mas voltando ao tema do preço, quão mais caro é o ecofriendly? Talvez a questão do preço seja sobrevalorizada e se torne um fantasma que acaba assustando alguns consumidores potenciais. De acordo com documento do Sebrae, um produto sustentável, em geral, custa 30% mais do que seu concorrente convencional, mesmo quando seu custo comparado de produção é muitas vezes maior. O preço, pois, aparece como um problema maior para o produtor do que para o consumidor – o que não deixa de ser um problema para o futuro do sustentável, que atrairá mais investidores, quanto mais lucrativo se mostrar para eles.

O mercado, a crise e as soluções no setor

O documento produzido pelo Sebrae também inclui estimativa de mercado divulgada em 2012 pelo blog “Mercado Ético”, segundo a qual a moda ecológica movimentaria entre R$ 270 e R$ 362 milhões por ano no Brasil. Não é uma fatia nada desprezível, ainda mais quando esse tema se torna cada vez mais promovido em múltiplas instâncias, do regional ao transnacional, pela sociedade civil, por governos e pelo mercado. Toda essa badalação pode servir como uma campanha publicitária, mesmo que disforme pelo caráter multifacetado que toma.

A crise recente da economia brasileira com certeza é um desafio para o mercado da moda eco-friendly. As estratégias para lidar com esse momento ruim dependem de como a empresa já está instalada.

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Com a desvalorização do real frente ao dólar e outras moedas, a exportação ganha em atratividade comercial. Os mercados centrais podem se tornar opção para algumas marcas.

No caso da Será, há tempos ela tem diversificado sua produção: trabalha com vestimentas e acessórios, mas também opera no ramo da decoração e da cenografia. Esse tipo de diversificação é um trunfo nesse momento. E a Será tem conseguido adentrar o mercado dos Estados Unidos com suas ofertas em decoração – como conta Pavan.

Ampliar o público consumidor

Um dos desafios desse setor é criar estratégias para ampliar o público consumidor, que segundo os Institutos Akatu e Ethos, contempla 5% da população brasileira, ou seja, por volta de 10 milhões de pessoas.

“Este público valoriza uma peça de roupa, calçado ou acessório que contemple, em alguma medida, os princípios de moda sustentável. Ou seja, que seja feita de matéria-prima renovável, que polua menos para ser fabricada e que seja oferecida por empresa que paga um valor justo aos trabalhadores envolvidos no processo de fabricação”.

O conceito é importante nas vendas: tornar reconhecível a ideia de sustentabilidade materializada nos produtos é parte da estratégia. Mas não se pode negligenciar investimento em estilo: pois a criação e a adaptação de produtos a múltiplos modos de ser é outra exigência para que o eco-friendly ganhe maiores dimensões sociais, principalmente quando falamos de moda.

Essa diversificação já desponta no mercado, fazendo com que aquele que opta pelo conceito possa escolher o estilo, e quem vista o estilo, propague o conceito por onde andar.

 

Ricardo Freire é mestrando em Antropologia Social pela Unicamp. Escreve para o Epoch Times sobre Economia e Negócios.

Email: ricardo.freire@epochtimes.com.br