Há várias maneiras de evitar os males e riscos atribuídos ao capitalismo, mas o “socialismo do século XXI” é um mergulho no abismo.
O mito do capitalismo cruel foi sempre muito popular. Afinal, sendo o capital tão velho quanto o diabo, são-lhe atribuídos todos os males do mundo. Floresceu entre os negociantes assírios, nos mercados da Babilônia, com navegantes fenícios, comerciantes atenienses, latifundiários e feirantes medievais, industriais e financistas anglo-saxões e agora até mesmo entre ex-comunistas sino-soviéticos. A antipatia é tamanha que a profecia de aprofundamento das desigualdades até seu inevitável colapso acabou tornando Karl Marx, um economista pós-ricardiano menor do século XIX, o mais influente ideólogo do século XX.
O fervor religioso de seus crentes resiste aos fatos. Pouco importa que um apocalipse do regime socialista tenha mergulhado na miséria 3,5 bilhões de eurasianos, que buscam agora, em desespero, sua inclusão nos mercados globais, derrubando salários e aumentando os lucros em todo o mundo. A culpa é sempre do capitalismo.
Pouco importa que os governos impeçam a colossal destruição de riqueza financeira através das operações de salvamento de bancos, em vez de garantirem apenas os pequenos depositantes. “Salvar bancos não era salvar o mundo”, descobre agora o Prêmio Nobel Paul Krugman. A culpa pela concentração de riqueza é do capitalismo, que permitiu a acumulação desigual nos tempos em que houve abusos e excessos, ou dos governos, que impediram grandes perdas patrimoniais nas crises decorrentes? Por que não aliviaram hipotecas de classes de baixa renda e dívidas de estudantes, em vez de garantirem grandes fortunas estacionadas em um sistema financeiro quebrado? Isso pode ser coisa do diabo, de financistas e do governo, mas não é coisa do capitalismo, que também destrói privilégios e riquezas todo tempo e em toda parte. Um economista pós-walrasiano menor contemporâneo acaba de “demonstrar” mais uma vez a perversidade do capitalismo cruel. Poderíamos evitar males como a concentração excessiva de renda e riqueza? Poderíamos reduzir os riscos de uma desestabilização política das democracias liberais? É claro que sim, e de várias maneiras. O único caminho inexorável para o abismo, o verdadeiro beco sem saída lamentavelmente escolhido pelos nossos vizinhos kirchneristas e bolivarianos, é o “socialismo do século XXI”.
Paulo Guedes é economista com Ph.D pela Universidade de Chicago, EUA. É fundador e sócio majoritário do grupo financeiro BR Investimentos e um dos quatro fundadores do Banco Pactual. Assina colunas no jornal “O Globo” e na revista “Época”