Teófilo, o deputado machadiano, quis falar ao Imperador. Estava irritado por ter sido preterido no ministério. Queria aconselhar o Imperador, posto que para ele o mesmo estaria envolto em meio a trapaceiros de toda a sorte. Teófilo bravejou: “Senhor, Vossa Majestade não sabe o que é essa política de corredores, esses arranjos de camarilha. Vossa Majestade quer que os melhores trabalhem, mas os medíocres é que se arranjam… O merecimento fica para o lado” (“Quincas Borba, p. 198, editora Martin Claret, 2006). E depois da epifania, calou-se, voltando-se para o trabalho que estava acostumado a fazer. Teófilo, leitor, agiria assim se por acaso fosse preterido em um ministério da presidenta Dilma Rousseff? Teófilo, se acaso fosse chamado para opinar sobre o leilão de Libra, sobre a condução da política monetária, sobre a contabilidade criativa ou as desonerações fiscais, defenderia a presidenta? Machado de Assis: acuda-nos!
É impossível dizer ao certo, apenas o que podemos fazer é conjecturar o que o deputado incorruptível, mas corrompido, faria. A ironia machadiana que fez Teófilo se abobar pelo poder, validando a profecia de Lord Acton (“Todo o poder corrompe: o poder absoluto corrompe absolutamente”) nos permite inferir que nem o melhor dos homens está isento da crítica. Nesse aspecto, salta aos olhos, leitor, o fato de que a atual administração federal não nos parece estar disposta a ouvir, adivinhem, críticas. E elas são muitas, de todos os lados.
Em julho desse ano, por exemplo, dois economistas reconhecidamente pós-keynesianos publicaram longo artigo no “Valor Econômico” chamando atenção para a não conformação da atual administração federal com o cânone estabelecido pelo economista inglês. Na semana que passou, um grupo de economistas entendidos como desenvolvimentistas também fez críticas ao modo como o governo conduz a política econômica. No núcleo ortodoxo da profissão, as coisas não melhoram para Dilma Rousseff. E mesmo assim, leitor, o governo tem dificuldades homéricas em aceitar que não está no caminho correto.
E quais são essas críticas? São muitas, em todos os aspectos do governo: políticos ou econômicos. Mas aqui, na Carta de Outubro do Grupo de Estudos sobre Conjuntura Econômica (GECE/UFF), nos concentraremos naquelas que impactam em três resultados macroeconômicos que consideramos trágicos: crescimento médio de 2,6% nos últimos 10 trimestres, no acumulado em 12 meses; inflação média, na mesma métrica, de 6,1% nos últimos 33 meses, 1,6 pontos percentuais acima do centro da meta; elevação do déficit em conta corrente para 3,6% do PIB em setembro desse ano, valor que não está sendo mais financiado integralmente por Investimento Estrangeiro Direto (IED) e sim por opções mais voláteis.
Tais resultados são fruto de um enredo de política econômica que fez o regime de metas de inflação ser abandonado no país. A opção pelo uso dos instrumentos fiscais, monetários e creditícios para incentivar os componentes da demanda (notadamente, consumo das famílias) para tentar gerar algum tipo de crescimento no curto prazo. O incentivo à demanda, vis a vis os problemas históricos de restrição de oferta da economia brasileira, causou pressão inflacionária, derivada de aumento de salários frente estagnação da produtividade, em um momento de pleno emprego do fator trabalho no país.
O “choque heterodoxo”, para fazer alusão à epígrafe dessa carta, não só se mostrou inócuo, ao gerar aqueles resultados pífios, como ressuscitou os famigerados “mecanismos não monetários de controle da inflação”. É cada vez mais comum, nesse aspecto, economistas usando o termo “volta às décadas de 70 e 80 do século passado” para analisar as opções de política econômica do governo federal. Em termos de inflação, por exemplo, a manutenção de preços administrados variando apenas 1,12% no acumulado de 12 meses terminados em setembro último nos faz lembrar o que sublinhou Mario Henrique Simonsen: não é com decretos, portarias e circulares ministeriais que se controla a inflação. Ainda, claro, que os economistas ligados ao governo não queiram admitir a implicação para seus atos.
Salta aos olhos, nesse aspecto, que a tentativa voluntarista de alinhar os tais preços estratégicos da economia, leia-se câmbio e juros, causaram de outra forma, medidas alternativas de estabilidade de preços. Ou busca, ou tentativa de fazê-lo. Esqueceu-se que os juros são elevados no país por causa de seus fundamentos e não por questões meramente ministeriais. O câmbio, de outra feita, não se alinha aos interesses pretendidos, dado que a poupança doméstica é baixíssima, mesmo para os piores padrões internacionais. É o que diz a teoria econômica, em versões não tropicalizadas, a bem da verdade.
E se pudéssemos adivinhar o que Teófilo diria para Dilma Rousseff, leitor? Talvez algo como: Vossa excelência tenta ajudar o país a crescer, mas esbarra na crítica tola, de uma meia dúzia de economistas medíocres, invejosos e cheios de rancores. São entreguistas, querendo privatizar tudo, entregar tudo ao capital estrangeiro! Vossa excelência faz bem em não querer usar os juros para controlar a inflação, em utilizar o BNDES para incentivar os investimentos, em usar de criatividade para lidar com o orçamento público, em conceder, não privatizar! Vossa excelência, presidenta, está mudando o país para sempre!
E lá iria Teófilo, após tão primoroso conselho, para a presidência da PPSA, onde poderia liderar o processo que nos daria o futuro. É triste, leitor, eu sei. Como nos disse Simonsen, “a diferença entre o político míope e o estadista é que o primeiro só enxerga o próximo lance enquanto o segundo antevê os melhores caminhos para levar o jogo até o fim, e que em muitos casos exigem um recuo temporário”. Andamos precisando de óculos e ouvidos menos moucos…
Este artigo foi originalmente publicado pelo Instituto Millenium