Minissérie de propaganda parece anunciar uma nova era no regime chinês

15/08/2014 14:42 Atualizado: 15/08/2014 14:42

O episódio de abertura de uma nova minissérie de propaganda estatal na China foca-se no “esmagamento” da Gangue dos Quatro, um grupo de manipuladores políticos da velha guarda do Partido Comunista Chinês que causou tragédias na China por anos, principalmente durante a Revolução Cultural. O documentário é um hino à emergência do reformista comunista chinês Deng Xiaoping no final dos anos 1970, mas observadores na China veem o documentário como um comentário sobre os acontecimentos atuais sob o disfarce de relato histórico.

No filme, Hua Guofeng, o líder do Partido Comunista Chinês na época (até ser destituído por Deng), diz: “Camaradas… Hoje, nós agimos de acordo com a vontade do presidente Mao e, representando a totalidade do PCC, dos militares e dos interesses e desejos básicos do povo de todas as etnias, com um só golpe esmagamos a ‘Gangue dos Quatro’.”

Ele continua: “Nossa vitória nessa luta significa que nosso Partido evitou uma grande catástrofe.” A destruição desta Gangue é amplamente vista como um prelúdio necessário para as reformas que permitiram a China emergir no cenário mundial.

Nova Era

Esta produção estatal é uma celebração à vida de Deng Xiaoping, enquanto o 110º aniversário de seu nascimento se aproxima em 22 de agosto. Deng emergiu dos destroços da era maoísta e preparou o terreno para a China passar por várias décadas de “reforma e abertura”.

A série contém representações raras das lutas internas do PCC, geralmente uma zona rigorosamente proibida à mídia porta-voz do Estado, como a Central Chinesa de Televisão (CCTV), que está produzindo o seriado – e isso levou alguns observadores a fazerem comparações com o contexto atual.

Observadores atentos do sistema político da China não podem deixar de notar, por exemplo, os intrigantes paralelos entre a retratação de 1970 no drama-documentário e o que está ocorrendo agora no cenário político da China, quando o líder chinês Xi Jinping está avançando sem restrições contra outra facção da velha guarda comunista – criada pelo ex-líder chinês Jiang Zemin, a quem Deng nomeou relutantemente como seu sucessor.

Zhuang Feng, um colunista sobre a política chinesa contemporânea, intitulou um artigo recente sobre a série assim: “Xi Jinping pode usar o estilo de prisão da ‘Gangue dos Quatro’ para eliminar a facção de Jiang Zemin”. O artigo diz: “Se isso ocorrer na China de hoje, os perigos enfrentados podem ser maiores do que derrubar a Gangue dos Quatro, mas ao mesmo tempo seu significado histórico inaugurará uma era.”

Há ressonâncias particularmente ricas e sugestivas nessa comparação, considerando que o expurgo da Gangue dos Quatro inaugurou uma nova era política para o Partido Comunista Chinês. Com a morte de Mao, o período de mobilização das massas chegou ao fim, enquanto Deng começou a permitir pequenas reformas e eventualmente, no início de 1990, impulsionou vigorosamente um mercado mais livre.

Mudança no poder

Jiang chegou ao poder após o massacre da Praça da Paz Celestial de 1989, e permaneceu como secretário-geral do PCC e presidente da China até 2002. Ele deixou seu último posto como chefe militar em 2004, mas manteve sua influência e poder no mais alto escalão da política chinesa durante quase todo o governo de seu sucessor Hu Jintao.

Durante os Jogos Olímpicos de 2008, por exemplo, Jiang colocou-se ao lado de Hu em fotografias principais, um lugar normalmente reservado ao primeiro-ministro, não a um aposentado sem posição oficial. Nas trocas de liderança em 2002 e 2007, Jiang lutou com unhas e dentes para instalar no Comitê Permanente do Politburo funcionários que lhe fossem leais, particularmente aqueles que mostraram interesse em prosseguir sua campanha política de estimação, a perseguição ao Falun Gong.

Estes incluíram Zhou Yongkang, o ex-chefe do aparato de segurança pública, que foi derrubado numa longa investigação pelo atual líder chinês Xi Jinping. Xi fez uma varredura de muitos outros nomeados e partidários de Jiang, incluindo Bo Xilai, um ex-membro do Politburo que teve problemas antes mesmo de Xi assumir o poder, e o general Xu Caihou, o ex-vice-presidente do Comitê Militar Central.

Zhuang Feng e outros analistas interpretam mudanças deste tipo como as mudanças monumentais no poder político após a destruição da Gangue dos Quatro – uma nova configuração do poder, mais uma vez nas mãos de um único líder forte.

Mas se o expurgo político de Xi Jinping em andamento contra a rede política de Jiang Zemin deve ser visto numa luz semelhante à queda da Gangue dos Quatro, a próxima etapa no padrão ainda não está clara e o drama não sugere o que a China pode testemunhar.

Abjeta mentira

A série, entretanto, é notável por retratar as principais figuras políticas do Partido Comunista que durante décadas foram marginalizadas ou completamente excluídas do discurso político dominante.

Isso inclui Hua Guofeng, o líder do PCC que sucedeu diretamente Mao Tsé-tung; Hu Yaobang, um reformista cuja morte desencadeou as manifestações da Praça da Paz Celestial em 1989; e Zhao Ziyang, o secretário do PCC na ocasião dos protestos que simpatizava com os manifestantes e que posteriormente foi expurgado por Deng Xiaoping e pelos seniores do PCC, em parte por seu fracasso em aprovar a violenta repressão.

Por outro lado, o drama segue de perto a marca distintiva da propaganda do Partido Comunista: líderes do regime são retratados como sábios, humildes e sempre recebendo das massas incentivo e apoio. E o conceito central do início da trama – que foi Mao Tsé-tung que desejava derrubar a Gangue dos Quatro – é uma abjeta mentira.

Sobre a questão, Zhang Ming, um professor da Universidade Renmin em Pequim, postou o seguinte no Sina Weibo: “Hoje à noite um jornalista de Hong Kong me perguntou o que penso a respeito da retratação na série dramática sobre Mao arranjar a destruição da Gangue dos Quatro antes de morrer. Eu explodi em gargalhadas. Se eu pudesse encontrar algo tão engraçado como isso todos os dias, eu não teria de consultar um médico pelo resto da minha vida.”