O mínimo comum liberal é a liberdade

09/02/2014 15:38 Atualizado: 09/02/2014 15:39

Num artigo interessante, Cristóbal Bellolio coloca uma série de respostas para esclarecer as dúvidas em torno daquilo que seria um projeto liberal no Chile e seu minimalismo teórico e programático.

Gostaria de fazer algumas observações para contribuir com o debate.

O liberalismo é metodologicamente individualista, ou seja, rechaça concepções orgânicas e coletivistas da sociedade. Isso – ao contrário daquilo em que erroneamente se acredita – não significa conceber indivíduos ilhados e sem laços com os outros, mas sujeitos que exercem sua vontade de modo autônomo e com respeito aos demais.

Desta maneira, as pessoas são capazes de escolher, com base no exercício da vontade, onde se situa o valor da liberdade individual, segundo o qual cada pessoa é um fim em si mesma, e não um meio para os outros. Disso surge o direito de cada um de levar adiante seus projetos de vida sem interferência do Estado ou dos governantes; a sua liberdade de consciência (quer dizer, acreditar no que quiser); de associação; de movimento e de dispor de bens obtidos de maneira justa no exercício de sua vontade, mediante livres trocas com os demais.

Como cada pessoa é dona de sua própria vontade e de seu corpo e, portanto, um fim em si mesma, ninguém, nem um rei, nem um líder supremo, nem um grupo de pessoas, nem sequer uma maioria, nem sequer em nome do Estado ou deus, ou o que for – pode submetê-la à obrigação de agir ou de pensar de determinada maneira.

Nesse sentido, ao contrário do que Cristóbal Bellolio coloca, a liberdade individual deve prevalecer sempre, salvo quando um sujeito agride física ou psicologicamente o outro, transgredindo sua dignidade inerente. E justificar essa violação com base em questões duvidosas, como necessidades de coordenação ou demandas de justiça social, poderia abrir espaço para outra violação, a da liberdade pessoal de maneira ampla. Nem sequer “salvar a democracia” justificaria a ambiguidade de “restrições instrumentais da liberdade”.

Foi isso o que ocorreu nos Estados Unidos anos atrás durante a chamada “guerra ao terror”, quando foram outorgados amplos poderes às polícias para invadir casas sem maiores justificativas; e no Chile, onde certas restrições para “salvar a democracia” terminaram com violência indiscriminada contra algumas pessoas. Isso seria transformar a democracia numa religião do Estado.

O liberalismo como doutrina emergida em contraposição ao exercício arbitrário do monopólio da força sobre as pessoas e, portanto, desconfiada do poder concentrado, exige que este – que não é outro senão o poder político – atue sob altas restrições a fim de resguardar a integridade pessoal de cada um.

A partir desse fundamento, deriva-se não apenas a necessidade de separar poderes para evitar sua concentração viciosa, mas também o princípio de que o Estado não deve impor um modo de vida ou uma crença sobre as pessoas, mas sim resguardar sua liberdade – que é a liberdade civil – para que possa exercer todo seu potencial. Essa limitação do poder estatal quanto a não impor um modo de vida também implica que, inclusive o Estado liberal, em seu afã progressista, não pode tentar impor uma moral secular e laica, varrendo tudo o que é considerado tradicional na sociedade.

Como o absolutismo e seu regime econômico (o mercantilismo) violavam sistematicamente a liberdade de comércio e de propriedade de camponeses e artesãos (empobrecidos com os altos impostos para a guerra, confiscos e trabalho forçado), o liberalismo aumenta a defesa irrestrita do livre intercambio comercial como princípio ético e como instrumento para a paz entre os Estados, rejeitando o nacionalismo e o protecionismo com suas derivações coletivistas ou corporativistas, mas também as pretensões estadistas de planejamento econômico fascista e comunista.

Atualmente, muitos liberais contemporâneos atuam em prol da igualdade, esquecendo que muitas posições assimétricas e muitas desigualdades não têm origem no exercício da liberdade, mas sim no privilégio criado em torno do poder político, muitas vezes camuflado de regulações estatais nos mercados.

O mercantilismo econômico moderno, vigente em nível mundial, é um exemplo claro disso, e sem dúvida culmina em formas injustas de desigualdade ao inibir a livre competição quando o poder político favorece determinados grupos corporativos ou de interesse mediante leis, barreiras de entrada, concessões ou transferências judicialmente duvidosas.

No cenário político chileno também existe uma série de barreiras de entrada que inibe a livre competição democrática e propicia estruturas oligárquicas, elitistas e de castas em todo o espectro político-partidário, que todo liberal deveria questionar.

Em ambos os casos, o que temos é uma concentração de poder em contraposição à liberdade, que sempre é o primeiro problema que os liberais enfrentam. Essa é o primeiro fato que os que valorizam a liberdade devem encarar e, a partir daí, começar a erguer um projeto político que reúna forças, tendo consciência de que o principal inimigo da liberdade é sempre a concentração de poder político – inclusive se este se diz liberal –, e que a liberdade tem como base o respeito à dignidade das pessoas, donas de sua vontade e, por consequência, capazes de escolher.

Jorge Gomez é mestre em Ciência Política e diretor de conteúdo da Cientochenta Foundation

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Libertarianismo