Minha opinião sobre o “Plano Marshall” da China

27/12/2014 15:42 Atualizado: 27/12/2014 15:52

Excesso de capacidade: “Ameaça nuclear” para a economia chinesa

A maioria das indústrias na China enfrenta grave excesso de capacidade que ameaça seriamente o funcionamento equilibrado de sua economia.

Apesar da grande esperança da China no chamado “Mapa do Caminho do Banco de Investimento Asiático”, este permaneceu apenas como mais um plano no papel na reunião da APEC em 2014. Além disso, o governo mexicano decidiu cancelar a licitação de US$ 3,7 bilhões para uma empresa chinesa num projeto ferroviário de alta-velocidade. O “Plano Marshall” da China, que visa principalmente “exportar o excesso de capacidade do país”, teve um mau começo; Pequim ainda precisa encontrar maneiras de lidar com a “ameaça nuclear” em sua economia.

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Por que a China desejaria implementar um Plano Marshall?

A maior parte dos comentários feitos dentro da China a respeito do “Plano Marshall” do país se concentra no investimento no estrangeiro. Enquanto alguns podem apontar que a “exportação de capacidade” é uma intenção, eles deliberadamente omitem o modificador fundamental da palavra ‘capacidade’: excesso.

A China procura estabelecer um Banco Asiático de Investimento de Infraestrutura e, com esse banco como núcleo, materializar seu planejamento de “um cinturão e uma estrada” – “o Cinturão Econômico da Rota da Seda” e “a Rota Marítima da Seda do Século 21”. Por meio deste “um cinturão e uma estrada”, a China poderia exportar a capacidade que ela não precisa. Comentaristas apelidaram essa iniciativa de “Plano Marshall da China”.

O que eu quero discutir aqui é a razão por que a China precisa implementar seu “Plano Marshall”: A maioria das indústrias na China enfrenta grave excesso de capacidade que ameaça seriamente o funcionamento de sua economia.

Porque o excesso de capacidade é considerado uma “ameaça nuclear” para a economia chinesa?

O excesso de capacidade significa que a soma da produtividade é maior do que a demanda total de consumo. Ao contrário do Plano Marshall dos EUA que exportou predominantemente equipamentos industriais, a versão chinesa pretende exportar sua infraestrutura (como ferrovias e rodovias) e as indústrias a montante e a jusante de sua indústria imobiliária, onde o excesso de capacidade é mais notável.

A sobrecapacidade da China emergiu quase lado a lado com o crescimento econômico do país e suas raízes podem ser resumidas da seguinte forma: o investimento feito na forma socialista seguido de demanda de tendência capitalista.

Por “investimento feito na forma socialista”, eu quero dizer mutuários – chefes de empresas estatais (isentos de arcar com a responsabilidade, conforme ditado por regras não escritas) e proprietários de empresas privadas (que fugiriam em caso de falência) – que não tem de arcar com os riscos reais enquanto os fundos de investimento vêm principalmente de bancos públicos ou comerciais e enquanto os riscos de investimento são transferidos para os bancos como dívidas incobráveis.

Por “seguido de demanda de tendência capitalista”, eu quero dizer que tem de haver demanda de mercado para a capacidade desenvolvida. Se a demanda efetiva é insuficiente, o excesso de capacidade, ou superexcesso no caso da economia chinesa, seria o resultado.

Com base no resumo acima, podemos ver que o excesso de capacidade da China tem as duas características seguintes:

Em primeiro lugar, o excesso de capacidade é o produto inevitável da interferência do governo na economia.

O crescimento econômico chinês é frequentemente associado a políticas de estímulo do governo. Sempre que o governo central lança políticas de estímulo, as autoridades locais imediatamente iniciam ao bel-prazer projetos que são muito semelhantes em natureza mas que resultam em grave excesso de capacidade. Embora o governo central pretenda conter o crescimento excessivo em algumas indústrias por meio de regulação macroeconômica e controle, seus esforços têm sido frequentemente fúteis, com novos excessos de capacidade emergindo, enquanto os já existentes ainda não foram resolvidos.

Em 2009, o Comitê Financeiro e Econômico do Congresso Popular Nacional (CPN) revelou num relatório de pesquisa e investigação que, a partir de 2005, vários níveis de excesso de capacidade podiam ser vistos em 19 indústrias. Naquela época, o Comitê Permanente do Conselho de Estado definiu um plano especial para abordar a questão; no entanto, com as autoridades locais vendo o crescimento do PIB como sua meta, o excesso de capacidade não pôde ser controlado. Em 2013, o excesso de capacidade tornou-se, como as respectivas indústrias reconheceram, um fenômeno amplamente visto que apareceu na produção de alumínio, siderurgia, energia fotovoltaica, energia eólica, construção de navios e afins.

Em segundo lugar, a regulação macroeconômica e a política de controle do governo central resultam na maioria das vezes na emergência de excesso de capacidade cada vez mais grave. Tomemos como exemplo a indústria de aço na China, apesar de passar por várias tentativas na última década de suprimir seu excesso de capacidade, a indústria conseguiu contornar as medidas de contenção de uma forma ou outra.

Por exemplo, a política do governo estipulou que fornos menores do que 200 metros cúbicos seriam suprimidos. A intenção da política era eliminar usinas menores. No entanto, muitas dessas usinas substituíram seus fornos com os de 300-500 metros cúbicos ou ainda maiores. O padrão para desativação foi mais tarde aumentado para 300 metros cúbicos e as usinas de novo fizeram alterações em conformidade. Isso resultou na capacidade real de produção de aço da China se tornando cada vez maior.

Agora, a indústria de fabricação de aço enfrenta excesso de capacidade há vários anos e, no entanto, ainda há empresas ansiosas por aumentar sua capacidade. Em 2013, o excesso de capacidade da indústria de aço na China foi de 300 milhões de toneladas, cerca de duas vezes a capacidade da União Europeia (UE). E, em 2014, segundo a China United Steel Net (CUSteel), 24 novos fornos foram postos em operação; sua capacidade anual combinada é de 35 milhões de toneladas. Embora esse aumento seja metade do aumento de capacidade de 2013, ou 70 milhões de toneladas, isso ainda acresce ao problema de sobrecapacidade quando a demanda não é forte.

De acordo com um documento da Comissão Nacional de Desenvolvimento e Reforma, o excesso de capacidade também pode ser visto numa ampla gama de indústrias e analistas foram citados dizendo que há apenas um punhado de indústrias que não tem esse problema. Desta forma, o excesso de capacidade tornou-se a “ameaça nuclear” da economia chinesa.

Por que é tão difícil reassumir o controle sobre o excesso de capacidade? As razões, além das questões sistêmicas de investimento mencionadas acima, são que as autoridades locais têm duas coisas a considerar. Primeiro, reduzir o excesso de capacidade poderia resultar em inúmeras demissões e desemprego, o que desestabilizaria a sociedade e conflitaria com o objetivo do governo de manutenção da estabilidade. E a segunda coisa é o risco da dívida. Atualmente, o índice de dívida das empresas associadas da CUSteel é tão alto quanto 70%, com o valor total de empréstimos chegando a US$ 1,3 trilhão. Se a dívida das empresas não afiliadas à CUSteel também for incluída, a dívida da indústria siderúrgica inteira ultrapassaria US$ 2 trilhões. Desativar essas empresas deixaria para trás um enorme buraco negro de crédito.

Obstáculos no estrangeiro: oposições ao AIIB

A julgar pela própria situação da China, a exportação do excesso de capacidade pode ser uma solução. Então, durante uma visita de 2013 à Indonésia, o líder chinês Xi Jinping ofereceu “financiar projetos de infraestrutura dos países em desenvolvimento na Ásia, incluindo os membros da ASEAN [Associação de Nações do Sudeste Asiático]” e propôs a criação do Banco Asiático de Investimento de Infraestrutura (AIIB).

Depois que representantes de 21 países, incluindo China, Índia, Cazaquistão e Vietnã, assinaram o memorando do AIIB em 24 de outubro, a instituição financeira deverá concluir seus procedimentos contratuais, trabalhar para torná-los efetivos em 2015 e entrar em operação antes do final de 2015.

Os obstáculos enfrentados pelo AIIB incluem a falta de interesse das principais economias da região da Ásia-Pacífico. Representantes das quatro principais economias da região – Japão, Coreia, Indonésia e Austrália – não participaram da cerimônia de assinatura do memorando do AIIB. Além disso, tanto os EUA como o Japão se opõem à instituição. Houve relatos de que os EUA pediram a seus aliados considerarem cuidadosamente antes de decidirem aderir ao AIIB. Nakao Takehiro, presidente do Banco Asiático de Desenvolvimento (ADB), declarou simplesmente que não acolheria a criação de outro banco regional liderado pela China com objetivos semelhantes ao ADB.

Sem o AIIB liderado pela China e voltado para lidar com o negócio de empréstimos, não seria fácil para a China implementar seu plano de exportar o excesso de capacidade do país.

Obstáculos no estrangeiro: riscos de investimento superam oportunidades

A ideia de “um cinturão e uma estrada” fascinou a China, com uma abundância de artigos sobre suas perspectivas brilhantes. Estes artigos, é necessário dizer, são escritos por sonhadores que levam em conta apenas onde investir, ou seja, para onde eles podem exportar o excesso de capacidade e não pensam em como garantir o retorno dos investimentos (ROI).

A chamada “economia de mercado” da China, interferida pela administração, concentrou-se apenas em como obter a aprovação de seus superiores, como os bancos emprestam o dinheiro e como gastá-lo; mas nem sequer uma vez o ROI foi levado em consideração e projetos inacabados e dívidas foram considerados simplesmente como “o preço [a se pagar] por más decisões”.

Observe os países e regiões abrangidos por este “um cinturão e uma estrada” e podemos ver que a ASEAN, o Sudeste Asiático, a Ásia Ocidental, o Norte da África e a Europa estão incluídos.

Com certeza, países como a Coreia, Holanda, França, Alemanha, Bélgica e Rússia não estão na fase inicial de industrialização e têm infraestrutura bem desenvolvida e por isso não precisam do enorme excesso de capacidade da China.

Quanto à Índia, este é um país populoso que não fica muito atrás da China em termos de fabricação e indústrias de TI e tem abundância de trabalhadores se realmente precisar construir infraestrutura.

Assim, os países que podem realmente precisar da ajuda da China seriam apenas a Indonésia, Malásia e países da Ásia Central, como Tadjiquistão e Turcomenistão.

Obstáculos no estrangeiro: problemas e perdas

A diferença entre o investimento estrangeiro no “um cinturão e uma estrada” e o que a China fez no passado é que: no passado, o investimento da China no exterior era investimento estratégico feito para resolver suas necessidades energéticas e minerais; desta vez, é para liberar o enorme excesso de capacidade da China e isso vem com a premissa de que outros países precisam de infraestrutura e que, no entanto, faltam-lhes os fundos.

Mas todo investimento, quaisquer que sejam os fins, precisa de retornos. Os ganhos e perdas em investimentos no exterior feitos no passado podem fornecer insights significativos sobre os resultados da China.

A Fundação Heritage estabeleceu um banco de dados chamado ‘Alcance Global da China’ para rastrear os projetos de investimento no exterior de empresas chinesas que valem 100 milhões de dólares ou mais. Os dados mostram que a China investiu em setores como energia, mineração, transporte e bancário.

Entre 2005 e 2012, as empresas chinesas fizeram investimentos em 492 projetos que valiam pelo menos 100 milhões de dólares e empenharam um total de US$ 505,15 bilhões, cerca de 90% deste dinheiro veio de empresas estatais. E segundo a lista de “projetos problemáticos” no banco de dados, 88 projetos no mesmo período foram rejeitados por órgãos de supervisão em estágios mais avançados ou falharam parcial ou completamente, com um total de US$ 198,81 bilhões envolvido.

As coisas são muito piores de acordo com os próprios cálculos da China. Wang Wenli, vice-presidente da Associação de Promoção Econômica e Comércio da China, disse em agosto deste ano que mais de 20 mil empresas chinesas têm investimento no exterior, mais de 90% dessas sofreram prejuízos por causa da [deficiente] avaliação patrimonial, disputas trabalhistas, questões de antimonopólio e de segurança nacional, impostos, relações públicas e assim por diante. O que Wang não incluiu foi o desvio de verbas desses investimentos no exterior cometido pela administração das empresas estatais.

Esses fatores de perdas não se transformarão simplesmente porque o objetivo do investimento de “um cinturão e uma estrada” mudou para exportar o excesso de capacidade.

Beneficiários do investimento da China no exterior

O investimento maciço que a China fez na última década é um fenômeno diferente de tudo que a comunidade internacional já viu. Esse fenômeno não poderia surgir em países capitalistas, em que todo o investimento é dinheiro privado; nenhuma multinacional continuaria investindo com uma taxa de perda tão alta como 70-90% durante um longo período; isso também não emergiu em qualquer outro país socialista: antes da década de 1990, os países socialistas só negociavam entre si; hoje, dos países socialistas restantes, a China é o único que acumulou uma riqueza tão grande que pode fazer investimentos em grande escala e ineficazes no exterior usando o poder do Estado.

Como resultado, a China como um país socialista totalitário tornou-se economicamente entrelaçado com os países democráticos do mundo, e adversários se transformaram em parceiros.

Mas apesar de todos os ganhos políticos, o investimento da China no exterior, até agora, resultou apenas em perdas econômicas. E, apesar disso, a China ainda está fazendo investimento no exterior. De acordo com o Ministério do Comércio da China, o país comprometeu US$ 81,9 bilhões em investimento estrangeiro direto. É difícil ver isso como um comportamento normal de investimento.

Um reportagem num jornal de Guangzhou em 2 de setembro talvez tenha a reposta-chave para a pergunta por que a China é tão persistente em fazer investimentos no exterior apesar das perdas estarrecedoras: muitos funcionários de nível médio e superiores na PetroChina e na Sinopec buscam oportunidade para emigrar para o Canadá, EUA, Emirados Árabes Unidos e outros lugares antes de serem capturados por uma investigação anticorrupção. Estima-se que desta forma 20-40 bilhões de dólares tenham sido movidos para fora da China.