Militares chineses aproveitam para ganhar com avião desaparecido

12/03/2014 11:09 Atualizado: 12/03/2014 11:09

Dos 227 passageiros a bordo do voo da Malaysia Airlines que desapareceu nos céus na sexta-feira, 153 eram chineses. O país tem estado desde então absorvido em tentar descobrir o que aconteceu com a aeronave, enquanto familiares tentam desesperadamente obter informações sobre seus entes queridos.

Ao mesmo tempo, outros interesses na China começaram a aproveitar a crise para os próprios fins.

Os militares chineses, por exemplo, parecem ter-se movido rapidamente para capitalizar com a crise. Depois de dois navios de guerra serem enviados para a área em que o avião pode ter caído, o almirante chinês Yin Zhuo sugeriu que seria uma boa ideia a China construir bases militares nas áreas disputadas do Mar do Leste da China, apenas para o caso de haver outras missões de resgate em que a China precise ajudar.

Somando-se ao drama, uma carta, supostamente de um muçulmano uigur assumindo a responsabilidade pela derrubada do avião, que apareceu online. Mas, depois de causar um rebuliço inicial, ela foi desacreditada como uma falsificação, talvez tentando agitar ainda mais as tensões étnicas após o recente massacre em Kunming, que teria sido cometido por um “grupo terrorista violento”.

Famílias enlutadas

Conforme horas se transformaram em dias sem nenhum sinal do avião, a tristeza das famílias se transformou em raiva. Mais de 10 familiares de vítimas foram à embaixada da Malásia em Pequim no domingo exigir informações. Eles fizeram perguntas como: “O que as autoridades da Malásia têm feito nas últimas 48 horas? Com a tecnologia tão avançada de hoje, como poderia um avião simplesmente desaparecer em pleno voo? E quanto tempo isso levará?”

Numa conferência de imprensa no domingo de manhã no Metropark Lido Hotel, em Pequim, representantes da Malaysia Airlines disseram aos familiares para estarem preparados para o pior. De acordo com a Legal Evening News, alguns indivíduos começaram a chorar, enquanto outros desmaiaram. O pessoal médico presente correu em seu auxílio.

Militares em movimento

Uma das ações imediatas tomadas pelos chineses foi despachar dois navios de guerra – um anfíbio e uma fragata de mísseis guiados – para ajudar nos esforços de busca. Estes foram enviados do porto da cidade de Zhanjiang, na província de Guangdong, Sul da China.

Depois que os navios partiram, o almirante Yin Zhuo, da marinha do Exército de Libertação Popular (ELP), sugeriu na imprensa chinesa que a China deveria construir portos e ancoradouros nas Ilhas Spratly, que poderiam atuar como bases operacionais do ELP. As bases fariam as operações de resgate mais fáceis no Mar do Sul da China, segundo um resumo de seus comentários publicados no jornal chinês Global Times, uma mídia estatal nacionalista. Ele também pediu ao regime chinês que construísse um campo de pouso na região disputada.

As Ilhas Spratly, no entanto, são um conjunto altamente disputado de recursos terrestres no Mar do Sul da China. Seis países têm reivindicações e vários níveis de ocupação militar em algumas das ilhas, e a construção de uma base e pista de pouso lá provavelmente exacerbaria as tensões.

Se a China construir as novas bases operacionais do ELP nas Ilhas Spratly, disse Yin, o regime chinês poderia então usar sua base militar em Sanya, Hainan, como um quartel-general para o aeroporto, portos e ancoradouros na zona disputada – caso precisem enviar navios de resgate para o Mar do Sul da China no futuro.

‘Estratégia do repolho’

O impulso para expandir as operações na área se encaixa com a conhecida e atual estratégia chinesa de aumentar sua influência e controlar territórios disputados. A China usa o que seu major-general Zhang Zhaozhong descreve como “estratégia do repolho”. Ele esboçou a estratégia numa entrevista em maio de 2013 à rede de televisão estatal chinesa, e uma transcrição foi publicada pelo China Daily Mail.

Zhang disse que, para tomar um território disputado, a China enviaria navios de pesca para a área, seguidos por navios de vigilância marinha para conduzir patrulhas, e, finalmente, navios de guerra. “A ilha é assim envolta camada por camada como um repolho… e a estratégia do repolho toma forma.” E acrescentou: “Para muitas coisas, temos que aproveitar o momento certo para fazê-las.”

A necessidade de a China ter maior presença nas Ilhas Spratly apenas para operações de resgate é uma proposta incomum, porque já existe um forte contingente naval nas e em torno das Ilhas Spratly. As ilhas, ilhotas e recifes são ocupados por China, Filipinas, Taiwan, Vietnã e Malásia. Taiwan tem uma base da guarda costeira na Ilha Taiping, a maior das Ilhas Spratly, com uma pista de pouso. A China tem uma base de sinalização de inteligência no recife Subi. E há bases semelhantes e portos em toda a área.

Carta falsa

Um dos tópicos mais promissores que surgiram da escassa informação disponível no momento sobre o avião desaparecido está relacionado a dois indivíduos que viajavam com passaportes roubados e sentados lado a lado. Eles compraram seus bilhetes juntos, e teriam se passado por um italiano e um austríaco (as nacionalidades de quem os documentos roubados pertenciam).

Isto por si só não provou qualquer coisa, mas na China isso foi uma deixa para um plano mais amplo. Após um recente ataque com facas na cidade de Kunming, supostamente realizado por terroristas que apoiam a secessão na província chinesa de Xinjiang, há uma tendência de culpar os uigures muçulmanos – um povo de língua turca nativo desta região – de todos os atos terroristas.

A emissora estatal China Central de Televisão (CCTV) turvou o nome de um único passageiro no manifesto de voo. Mais tarde, foi demonstrado ser Memetjan Abra, um pintor uigur de Xinjiang.

Em seguida, uma carta apareceu online, aparentemente reivindicando responsabilidade pela derrubada do avião da Malásia. O “Anúncio e explicação do incidente do voo MH370 da Malásia”, como foi intitulada a carta, disse que o avião foi derrubado como “uma resposta à perseguição cruel do governo chinês às pessoas, incluindo os uigures”. O governo da Malásia seria 40% responsável, enquanto os chineses ombreariam 60% da culpa, disse o texto.

Mas alguns sinais reveladores sobre a carta – a completa ausência de informação sobre a forma como o avião foi supostamente sequestrado; o servidor de e-mail de onde ela veio; e uma assinatura que reforçava o controle da China sobre Xinjiang, ao invés do subsumido Turquestão Oriental – pareciam selar a impressão de que era uma mera falsificação.

O envolvimento de terroristas – seja apoiando a independência de Xinjiang ou qualquer outra coisa – não foi descartado, no entanto: o avião desapareceu do contato civil em tempo claro, e no que deve ter sido um incidente repentino, pois ninguém em terra recebeu sequer um sinal de socorro.