Militares chineses enchem os bolsos com execuções encomendadas

03/02/2015 21:55 Atualizado: 03/02/2015 21:55

O regime chinês está procurando maneiras de conter seus oficiais militares, que têm por décadas mamado em fontes de renda extracurriculares. O líder chinês Xi Jinping anunciou recentemente que os oficiais militares terão de viver de seus salários, observando que não deve haver qualquer “renda cinzenta”.

A nova ordem de Xi Jinping deve ter deixado os militares chineses estremecendo em suas botas. Na mesma época, Xi anunciou que 16 generais chineses foram colocados sob investigação e é muito provável uma política de longa data que tem sido responsável por enorme corrupção nas forças militares chinesas estivesse passando por suas mentes.

Estas áreas de “renda cinzenta” poderiam ser rastreadas a alguns dos mais graves abusos dos direitos humanos que ocorrem hoje na China. Evidências recentes sugerem que o regime chinês está comprando a lealdade dos militares com as indústrias do mercado negro e dinheiro manchado de sangue.

“Os militares têm grande margem de manobra na sociedade chinesa, uma margem de manobra ‘empresarial’”, disse Ethan Gutman, autor do livro recém-lançado “The Slaughter“, numa entrevista por telefone. “Eles ganham dinheiro para si, mas também para as forças armadas.”

Forças de segurança chinesas num exercício militar em Hetian, China. O Exército da Libertação Popular tem como tarefa primordial defender o Partido Comunista Chinês e seus interesses (AFP/AFP/Getty Images)
Forças de segurança chinesas num exercício militar em Hetian, China. O Exército da Libertação Popular tem como tarefa primordial defender o Partido Comunista Chinês e seus interesses (AFP/AFP/Getty Images)

Assassinato por dinheiro

Um fluxo principal de renda dos militares tem sido a extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong para uso na lucrativa indústria de transplantes de órgãos da China.

O Falun Gong, também conhecido como Falun Dafa, é uma prática espiritual enraizada na antiga cultura tradicional chinesa, que inclui meditação e uma filosofia moral baseada nos princípios de verdade, compaixão e tolerância.

O regime chinês estimou no início de 1999 que havia até 100 milhões de chineses que praticavam o Falun Gong na China – um número maior do que os membros do Partido Comunista Chinês (PCC). Esses adeptos incluíam membros das forças armadas, das forças de segurança e do PCC.

Em abril de 1999, o então líder chinês Jiang Zemin circulou uma carta ao Politburo. Ele alertou sobre o número de pessoas que praticavam o Falun Dafa, afirmou que estes eram manipulados por forças estrangeiras e viu os ensinamentos morais tradicionais do Falun Gong como um desafio à ideologia do PCC. Em 20 de julho de 1999, Jiang lançou uma campanha para erradicar a prática do Falun Gong na China.

Um ano após o início da perseguição, o número de transplantes de órgãos – que normalmente usava prisioneiros no corredor da morte como fonte principal na China – começou a aumentar dramaticamente.

Os investigadores acreditam que os órgãos são extraídos enquanto a vítima ainda está viva, de modo a que o órgão seja o mais fresco possível para transplante. Quando um órgão é extraído, tudo mais que pode ser usado é retirado, matando a vítima.

Enquanto outros prisioneiros de consciência, incluindo uigures e tibetanos, são conhecidos como também tendo sido vítimas da extração forçada de órgãos, a fonte predominante do aumento dos transplantes, segundo pesquisadores, são os praticantes do Falun Gong.

Pelo menos 62 mil praticantes do Falun Gong teriam sido mortos por seus órgãos entre 2000-2008, segundo estimativas de Gutman.

O advogado internacional de direitos humanos David Matas e o ex-secretário de Estado canadense David Kilgour chegaram a uma estimativa similar nesse período em sua pesquisa independente que utilizou uma metodologia diferente de investigação.

A extração de órgãos em grande escala tem continuado desde 2008 e o número de vítimas continua a crescer.

Matas disse ao CQ Global Researcher em julho de 2011 que a extração de órgãos na China gera US$ 1 bilhão por ano para os hospitais envolvidos, que são administrados principalmente pelos militares.

Uma encenação da extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong na China, durante uma manifestação em Ottawa, Canadá, em 2008 (Epoch Times)
Uma encenação da extração forçada de órgãos de praticantes do Falun Gong na China, durante uma manifestação em Ottawa, Canadá, em 2008 (Epoch Times)

Admissão do ex-ministro da Defesa

Num telefonema em outubro de 2014, um investigador disfarçado que trabalha para a ‘Organização Mundial para Investigar a Perseguição ao Falun Gong’ (WOIPFG) contatou Liang Guanglie, o ex-ministro da Defesa da China e chefe do Departamento Geral de Pessoal do Exército da Libertação Popular (ELP). Liang foi gravado admitindo seu conhecimento do envolvimento dos militares chineses em operações de assassinato para fins lucrativos.

O investigador disse que estava investigando uma declaração feita por Wang Lijun, o ex-vice-prefeito e chefe da Secretaria de Segurança Pública de Chongqing. Wang ficou famoso por fugir para o consulado dos EUA em Chengdu em fevereiro de 2012, um evento que desencadeou a atual campanha anticorrupção na China. Wang também é conhecido por ter recebido um prêmio pela pesquisa que dirigiu, enquanto era chefe de polícia, para aperfeiçoar o aproveitamento dos órgãos extraídos para transplante, um estudo que envolveu milhares de operações de extração de órgãos.

O investigador disse a Liang que Wang disse que colaborou com os hospitais militares da China para pesquisar sobre cirurgias de transplante de órgãos e que as pessoas usadas como fonte de órgãos eram praticantes do Falun Gong presos.

Durante o telefonema gravado pelo investigador disfarçado, Liang primeiramente respondeu com cautela. O pesquisador então pergunta: “Você soube a respeito quando você era o general-chefe do Estado Maior?”

Liang respondeu: “Sim, eu soube”, acrescentando: “Eu estava no comando do trabalho militar, não destas questões de logística.”

Liang disse então, quando questionado se oficiais chineses estavam envolvidos no abastecimento de órgãos para transplantes: “Eu soube a respeito.”

O ministro da Defesa chinês Liang Guanglie no Palácio Malacanang, em Manila, Filipinas, em 23 de maio de 2011 (Noel Celis/AFP/Getty Images)
O ministro da Defesa chinês Liang Guanglie no Palácio Malacanang, em Manila, Filipinas, em 23 de maio de 2011 (Noel Celis/AFP/Getty Images)

O investigador continuou, perguntando se o Comitê Militar Central (CMC), o órgão do PCC que controla os militares, discutiu sobre os transplantes de órgãos extraídos à força. Liang respondeu: “Eles discutiram esse assunto.”

Embora breves, os comentários de Liang são contundentes. Sua menção a “questões de logística” foi em referência ao Departamento Geral de Logística do exército chinês, que funcionava ao lado do departamento que Liang dirigia.

Enquanto o departamento de Liang está encarregado de questões de guerra e coordena muitas das operações de espionagem da China, o Departamento Geral de Logística controla os hospitais militares, e pesquisadores dizem que é nesses hospitais que um dos crimes mais hediondos do mundo está ocorrendo.

O Departamento Geral de Logística construiu um banco nacional de órgãos na China, usando amostras de sangue de prisioneiros de consciência do Falun Gong, informou o Epoch Times em agosto de 2014. Agentes das forças armadas receberam o poder de deter, prender e executar qualquer um que tentasse vazar informações sobre seus crimes.

A sede do Departamento Geral de Pessoal, que Liang esteve encarregado entre 2002-2007, participou usando seus sistemas de inteligência para prevenir que informações sobre a extração forçada de órgãos vazassem para fora da China, segundo um editorial anterior. O departamento dirige os hackers militares chineses, seus espiões estrangeiros e agentes envolvidos em inteligência eletrônica.

Wang Zhiyuan, presidente da WOIPFG e ex-médico de um hospital militar da Força Aérea chinesa, disse que a nova informação fornece evidência adicional sobre o papel dos militares na perseguição do regime chinês contra o Falun Gong.

“Basicamente, os hospitais – o departamento de saúde militar – são administrados pelo Departamento Geral de Logística”, disse Wang numa entrevista por telefone. “Este trabalho é realizado pelo Departamento Geral de Logística.”

Numa entrevista com a New Tang Dynasty Television (NTDTV), Wang explicitou o envolvimento do Departamento Geral de Logística e o conhecimento do CMC na extração forçada de órgãos: “Isso significa que a extração de órgãos de praticantes vivos do Falun Gong não ocorreu de forma aleatória, mas é um massacre nacional coordenado pelas autoridades do regime e do PCC.”

O Hospital Militar 301 em Pequim em 6 de julho de 2011 (Liu Jin/AFP/Getty Images)
O Hospital Militar 301 em Pequim em 6 de julho de 2011 (Liu Jin/AFP/Getty Images)

Negócios militares

Segundo Gutman, os médicos militares frequentemente apareceram em sua investigação sobre o sistema do regime chinês de extração forçada de órgãos.

“Isso ocorreu várias vezes – em vários casos em que os órgãos eram extraídos e médicos militares apareciam”, disse Gutman, observando que em sua pesquisa “tornou-se óbvio que os centros militares eram os locais principais dessa atividade.”

Gutman disse que, com base em entrevistas que ele conduziu, ele encontrou pelo menos sete hospitais militares envolvidos na extração forçada de órgãos de prisioneiros de consciência na China. Ele acrescentou, no entanto, que “isso é apenas a ponta do iceberg”, e observou que, além de usar os praticantes do Falun Gong, os sistemas do regime chinês para transplantes de órgãos também usam tibetanos e uigures como fontes vivas.

O envolvimento das forças militares da China no esquema de assassinato para fins lucrativos vem de um sistema profundamente enraizado que inclusive os líderes chineses alertaram que poderia se tornar uma mina de corrupção.

Desde sua criação, o PCC deu concessão especial a seus militares para realizarem negócios independentemente. De acordo com o fundador do regime, Mao Tsé-tung, os militares dominaram o setor agrícola da China e desempenharam um grande papel na indústria e na política do país, embora seus empreendimentos estivessem limitados a bens que fossem para uso dos militares.

O sistema mudou após a morte de Mao em 1976, quando Deng Xiaoping assumiu o poder. Deng, conhecido por abrir China ao comércio exterior, relaxou as restrições permitindo que os militares negociassem com qualquer coisa.

“Ele basicamente disse que eles [os militares] precisavam encontrar maneiras de sustentar o seu custo”, disse Gutman, referindo-se ao papel de Deng no complexo militar-empresarial da China.

Praticantes do Falun Gong marcham numa parada em Washington, em 17 de julho de 2014, pedindo o fim da perseguição na China (Edward Dai/Epoch Times)
Praticantes do Falun Gong marcham numa parada em Washington, em 17 de julho de 2014, pedindo o fim da perseguição na China (Edward Dai/Epoch Times)

Empresas militares do regime chinês começaram a vender para o mercado interno. Isso levou à criação de grandes empresas estatais administradas por militares, incluindo gigantes como a China Poly (de comércio internacional e imobiliário) e a China Xinxing (de importação e exportação, com 54 empresas subsidiárias), e à participação em mercados que vão desde bancos a fazendas, desde hotéis a bordéis.

Apenas no início dos anos 90, os líderes do regime decidiram começar a frear os empreendimentos comerciais militares.

De acordo com um relatório de 2008 do dr. Gary Busch, editor da mídia de relações internacionais Ocnus: “As reformas tinham a intenção de manter a gestão das empresas do ELP sob o controle dos líderes militares de alta patente e impedir que oficiais de baixa patente se envolvessem no funcionamento diário das empresas militares.”

Então, em 1998, esse sistema foi abalado. O então líder chinês Jiang Zemin convocou uma reunião onde anunciou: “Os militares da China estão fora dos negócios.”

Na época, segundo a Phoenix News, uma mídia de Hong Kong vinculada a Pequim, o Exército da Libertação Popular possuía 70 fábricas de carro, cerca de 400 laboratórios e 1.500 hotéis.

No entanto, o anúncio não cortou as fontes de renda alternativas dos militares chineses. Em vez disso, apenas mudou a forma como os oficiais das forças armadas recheavam seus bolsos.

Renda cinzenta

Jiang Zemin era o presidente do Comitê Militar Central e durante seu pronunciamento estava ladeado por altos generais das forças armadas. De acordo com um relatório de 2001 do Instituto Hoover, vários generais de alto escalão apoiaram publicamente o anúncio, incluindo Fu Quanyou, o chefe do Estado-Maior; Wang Ke, o diretor do Departamento Geral de Logística, e Cao Gangchuan, o diretor do Departamento Geral de Armamento.

Apenas um ano depois, em 20 de julho de 1999, Jiang deu início à perseguição ao Falun Gong, e segundo as descobertas recentes da WOIPFG, Jiang ordenou o inicio da extração forçada de órgãos em 2000.

De acordo com Hu Zhiming, um ex-oficial da Força Aérea do ELP, as reformas só afetaram os oficiais de baixo escalão, e as empresas oficialmente sob o controle dos militares. “Os oficiais de alto escalão podiam usar seu passado militar como alavanca para negócios e atividades lucrativas”, disse ele numa entrevista por telefone. “Isso ainda continua.”

Um exercício militar realizado em Hetian, região de Xinjiang, China, em 6 de junho de 2014. Os militares chineses estão envolvidos no assassinato de prisioneiros de consciência visando fins lucrativos (AFP/AFP/Getty Images)
Um exercício militar realizado em Hetian, região de Xinjiang, China, em 6 de junho de 2014. Os militares chineses estão envolvidos no assassinato de prisioneiros de consciência visando fins lucrativos (AFP/AFP/Getty Images)

Hu Zhiming desertou da China e testemunhou perante o Congresso dos EUA em 2012 a respeito de sua experiência ao ser preso duas vezes e torturado na China por praticar o Falun Gong. Ele disse que, embora Jiang tenha encerrado os empreendimentos comerciais superficiais dos militares chineses, “o que ele fez contribuiu enormemente para a corrupção dos militares”.

O que tomou o lugar desses negócios à vista foi um sistema mais profundo de corrupção e novas formas de comprar a lealdade de oficiais militares – cuja extração forçada de órgãos passou a fazer parte. “A camarilha de Jiang, a fim de comprar os militares, e assim aliciá-los e submetê-los a ele e ao PCC, usou este sistema de corrupção”, disse Hu.

De acordo com Sarah Cook, pesquisadora sênior da Freedom House, um dos principais problemas é que na China os militares não se destinam primordialmente à defesa nacional. Seu papel principal é proteger o Partido Comunista Chinês e isto está diretamente relacionado à sua ênfase na doutrinação política ao invés do treinamento de combate, e vinculado ao interesse do regime de subornar seus líderes militares para comprar sua lealdade.

“É o exército do Partido Comunista”, disse Cook em entrevista por telefone. “Ele também funciona como o exército nacional, mas tem essas missões distintas e tensões, porque essas duas missões frequentemente se contradizem.”

“Um exército nacional seria devotado a proteger o país”, disse ela, “mas o exército de um Partido resulta em todas estas operações internar que envolvem lealdade política.”

“Há coisas interessantes que o Partido Comunista precisa fazer para manter a lealdade”, disse ela, “no sentido de que eles querem deixar os oficiais militares enriquecerem e se beneficiarem, porque querem manter sua lealdade.”