Marchas foram convocadas por entidades defensoras do parto humanizado após ser proibido pelo Cremerj
RIO DE JANEIRO – Neste domingo (5) mais de dois mil mulheres e homens realizaram em todo o Brasil a Marcha pela Humanização do Parto para se manifestar contra as resoluções publicadas no mês passado pelo Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (CREMERJ) que proibia o parto domiciliar e a participação de doulas, parteiras e obstetrizes (profissionais acompanhantes de parto) em hospitais.
De acordo com o release oficial do movimento, as mulheres pleiteiam o direito de escolher como, onde e com quem dar à luz. Elas afirmam que a decisão do conselho contraria os dados científicos que comprovam a eficácia do trabalho destes profissionais e que as evidências mostram melhoria na qualidade da experiência do parto e redução de intervenções médicas desnecessárias.
No Rio de Janeiro, centenas participaram da marcha, como a bióloga Erika Guimarães. “Os benefícios do parto humanizado consistem, além de tudo, no fato de que as mulheres conseguem parir sem sofrer, pois elas são acolhidas e respeitadas, com liberdade de movimento e de posição”, afirma. Erika já deu a luz em casa e disse ter sido a experiência mais incrível de sua vida. Grávida do segundo filho, ela pretende ter um parto natural novamente, em casa. “A dor do trabalho de parto é a dor da vida”, acrescenta. O parto natural difere do parto normal por não aplicar anestesia.
A educadora Mariana Lima, que teve dois partos naturais, também participou. “Parto humanizado não é necessariamente parto domiciliar, e sim um parto que leva em consideração as necessidades humanas fisiológicas, afetivas e de liberdade da mulher na hora do trabalho de parto”, explica Mariana ressaltando também a individualidade de cada gestação e parto. “Eu tive duas gestações de 42 semanas cada. É muito importante respeitar a hora do nascimento que é indicada pelo próprio bebê”, afirma.
Mariana teve sua filha em casa, na banheira, com pessoas de sua confiança a seu lado, num local agradável e confortável, com baixa luminosidade. Segundo ela, ao nascer, sua filha não saiu do colo da mãe, que permaneceu o tempo todo perto de quem a ama, num ambiente acolhedor. “Três horas depois de parir eu estava sem dor nenhuma, e muito feliz”, recorda.
Foram palco da manifestação 19 unidades da Federação: estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná, Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Ceará, Pará, Maranhão, Rondônia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Goiás e distrito Federal.
Assista ao vídeo da manifestação no Rio de Janeiro.
No dia 19 de julho de 2012, o Cremerj publicou as resoluções nº 265 e nº 266 proibindo o trabalho de médicos em partos domiciliares planejados e a presença de profissionais como doulas, parteiras e obstetrizes (reconhecidos pelo Ministério da Saúde) durante e após o parto hospitalar.
Na justificativa, a entidade argumentava com a possibilidade de ocorrência de complicações durante o trabalho de parto, por vezes até emergenciais, que demande intervenção médica imediata, acrescentando que as medidas visavam à segurança das gestantes e dos bebês. “Caso algum problema aconteça, é preciso intervenção imediata para salvar mãe e bebê.”
No dia 27 de julho, a Justiça Federal do Rio de Janeiro acatou ação movida pelo Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro (COREN-RJ) e suspendeu as resoluções do Cremerj. O Coren-RJ alegou que as resoluções da entidade desrespeitavam os direitos sexuais e reprodutivos da mulher estabelecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e contrariavam decretos do Ministério da Saúde que validam e promovem a humanização do parto.
“A resolução do Cremerj desrespeita o artigo nº 11, parágrafo único, da Lei 7498/86, que prevê como atribuição das enfermeiras obstétricas e das obstetrizes (profissionais referidas no inciso II do artigo 6º) a assistência à parturiente e ao parto normal; a identificação das distocias obstétricas e tomadas de providências até a chegada do médico; a realização de episiotomia e episiorrafia e aplicação de anestesia local, quando necessária”, afirmou o presidente do Coren-RJ, Pedro de Jesus, em carta aberta publicada no site da entidade.
No veredito, o juiz substituto da 2ª Vara Federal, Gustavo Arruda Macedo, entendeu que “a vedação à participação de médicos em partos domiciliares, ao que tudo indica, trará consideráveis repercussões ao direito fundamental à saúde, dever do Estado, já que a falta de hospitais fora dos grandes centros urbanos é muitas vezes suprida por procedimentos domiciliares, nos quais é indispensável a possibilidade de participação do profissional da Medicina, sem que sobre ele recaia a pecha de infrator da ética médica”.