Movimento Dia do Basta à Corrupção denuncia censura do Facebook
RIO DE JANEIRO – Entre os dias 19 e 21, milhares de brasileiros de todas as idades, raças, crenças e classes sociais saíram às ruas em pelo menos 78 cidades das cinco regiões do país e do estrangeiro para protestar contra o voto secreto parlamentar e a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 37. Trata-se de mais uma Marcha Nacional Contra a Corrupção, organizada pelo movimento Dia do Basta, que também reivindica a extinção do foro privilegiado e que a corrupção seja tornada crime hediondo.
Empunhando faixas e cartazes e pintados com as cores do país, os manifestantes marcharam cantando o hino nacional e gritando palavras de ordem como “Voto secreto não, eu quero ver a cara do ladrão”, “O povo acordou, o povo decidiu, ou para a roubalheira ou paramos o Brasil” e “Não é mole não, imposto no Brasil é para a corrupção”. Também foram realizadas atividades como debates para conscientização e performances musicais e teatrais em praças de diversas cidades que aderiram ao protesto.
“A nossa intenção é mobilizar as pessoas. Essa marcha é um cartão postal para os que estão se inteirando do protesto agora para, a partir daí, começarmos a levar adiante nossos objetivos. Temos que acostumar os brasileiros a assinarem esses abaixo-assinados até conseguirmos gente suficiente para iniciarmos leis de iniciativa popular”, explica Thamires Carvalhaes, uma das coordenadoras do movimento no Rio.
Os manifestantes ainda distribuíram folhetos, informaram os pedestres e coletaram assinaturas para duas petições públicas a serem entregues ao Congresso Nacional com suas principais reivindicações: uma pelo voto aberto parlamentar, o que inibiria traições ao eleitorado como a eleição de fichas-sujas para cargos importantes, por exemplo, e outra contra a PEC 37, que tramita no Senado com objetivo de subtrair do Ministério Público o poder de investigar. “Explicamos o tema para a população e com isso conseguimos muitas assinaturas. Em quase todas as cidades pequenas, o número de assinaturas foi grande, chegando a superar as marchas nas cidades grandes”, conta Gerusa Lopes, coordenadora nacional do movimento.
No município de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, onde a marcha foi do Teatro Raúl Cortez, no Centro, até a estátua de Zumbi dos Palmares, um jovem manifestante conseguiu chamar a atenção de forma criativa. “A dancinha foi uma brincadeira do meu amigo Gaspar, que começou a dançar as músicas que uma loja de eletrodomésticos estava botando. Como o povo parava para ver, a gente abordava as pessoas para informar sobre a PEC 37 e recolher as assinaturas! Todas acharam um absurdo e disseram que se fosse para derrubar essa proposta elas assinariam”, descreveu Lucas Cibillo, coordenador do Basta em Duque de Caxias, estudante de enfermagem da ETER-FAETEC. “Foi uma brincadeira que acabou ajudando, bastante.”
Na capital Rio de Janeiro, os manifestantes se concentraram na Igreja da Candelária, no centro da cidade, e caminharam pela avenida Presidente Vargas até a estação Central do Brasil. Às palavras de ordem dos cariocas também se somaram “Fora Cabral” e “O Rio não quer mais Eduardo Paes”. Na comissão de frente, quatro manifestantes vestidos de ‘povo’ caminhavam acorrentados a outro vestido de ‘sistema’, simbolizando, segundo eles, a opressão do sistema corrupto. No estado, também participaram Barra do Piraí e Nova Friburgo.
Em São Paulo, os protestantes fizeram o aquecimento no MASP e marcharam pela avenida Paulista ao som de apitos e tambores até a Praça da Sé. Erguendo a Constituição Brasileira nas mãos, um manifestante bradava sob aclamação geral: “Estamos lutando pela Constituição”.
Em Salvador os baianos também tomaram as ruas. “Estou hoje aqui porque ainda acredito na mudança. Estou construindo um processo em mim e nas pessoas de conscientização sobre nossos direitos e deveres constitucionais. Sairei daqui com a certeza do dever cumprido”, disse o professor e estudante Marcos Musse, 27 anos. Em Joaçaba, a marcha foi realizada mesmo com a proibição da prefeitura. Já em Jaraguá do Sul, inclusive o prefeito participou, junto com um amigo empresário. Em todas as cidades participantes, foi constatada a ausência total da mídia televisiva.
Brasileiros no exterior também aderiram ao movimento e realizaram manifestações em frente aos consulados e embaixadas brasileiras: Portugal (Lisboa), Holanda (Amsterdã), Canadá (Toronto), Estados Unidos (Miami e Nova York), Inglaterra (Londres), França (Paris) e Japão (Tóquio). Em Paris, os 21 brasileiros tiveram que se deslocar para uma praça, Place de la Reine-Astrid, porque as autoridades alegaram uma “política de boa conduta com o Brasil”.
Pacífica e apartidária, a marcha foi articulada pela internet e contou com o apoio oficial, na divulgação, de entidades como o Ministério Público de sete cidades – Rio de Janeiro, Uberaba, Cacoal, São João da Boa Vista, Belo Horizonte, Araraquara e Natal – e dois estados – Rondônia e Paraná -, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Luís, Rondônia e Rio Grande do Norte, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) e o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de Rondônia, o Movimento Articulado de Combate à Corrupção (MARCCO) de Rondônia e até do Rotary Club de Timbó.
A marcha contra a corrupção política também foi amplamente divulgada nas redes sociais pelos grupos ciberativistas Anonymous no Brasil, Acorda Brasil, Quero o Fim da Corrupção e por cidadãos e cidadãs de todo o país descontentes com o grau de degeneração moral na política brasileira. Um vídeo convocatório da pequena Isadora Faber, de 13 anos, famosa por denunciar a situação das escolas públicas em sua página Diário de Classe, foi sucesso na internet.
Eventos bloqueados no Facebook
O movimento Dia do Basta denuncia que muitas das páginas de eventos em 80 cidades teriam sido bloqueadas e outras excluídas pelo Facebook, o que, na avaliação de Gerusa, teria afetado a mobilização da marcha. “Eu acho sim que o bloqueio nos afetou de forma cruel. Começando por nós organizadores que, praticamente com tudo certo e pronto, tivemos que ter força e tempo extra para refazer tudo de novo, e em relação ao povo na rua, houve sim certa desmobilização, apesar de que o Basta já tem seu público fiel.”
O Ministério Público de Rondônia entrou em contato com o setor jurídico do Facebook em São Paulo, que orientou que o movimento encaminhasse a lista dos eventos bloqueados para que fosse averiguado. “Porém, ao entrarmos em contato no dia seguinte, a advogada do Facebook, Dra. Daniela Pereira, disse que não poderia fazer nada e que era para reclamarmos no site do Facebook, como todos fazem. Apesar das inúmeras reclamações, até hoje não obtivemos uma resposta por parte do Facebook”, afirmou Gerusa.
Mesmo após a recriação dos eventos, no entanto, a taxa de comparecimento foi bem menor que a de confirmados pela internet. “O brasileiro é sim muito conformado ainda, é a nossa cultura. E há ainda quem tenha medo de ir à marcha por achar que haverá agressão. Assim como tem pessoas que têm medo de assinar a petição pensando haver perseguição.” Em nenhuma cidade participante foi registrado ocorrência policial nem nenhum tipo de incidente.
Para Gerusa, apesar do bloqueio, e da chuva em várias cidades, o balanço final foi positivo. “Estou muito feliz com o resultado, por causa da satisfação dos que participaram, manifestada nos inúmeros comentários relatando suas experiências únicas. Em relação às versões anteriores, nesta marcha notei a presença de pessoas mais velhas envolvidas, tivemos senhores de idade participando em todo o país. Ter crianças e idosos de 92 anos em atos públicos descreve muito bem o que é o Basta e a necessidade do país de mudar”, conclui a organizadora, informando que já está sendo organizado um novo ato ‘Fora Renan’.
Fichas-sujas eleitos por voto secreto
As recentes e controversas eleições de parlamentares processados criminalmente para a presidência do Senado, da Câmara e de importantes comissões para o país como a de Direitos Humanos e Meio Ambiente, ocupadas respectivamente pelo senador Renan Calheiros e deputados Henrique Alves, Marco Feliciano e Blairo Maggi, vêm desgastando ainda mais a imagem do Congresso. Para a estudante de administração Mariana Araújo, uma das coordenadoras do Basta no Rio de Janeiro, a situação provavelmente seria diferente caso a eleição se desse por voto aberto.
“O voto secreto dos parlamentares torna mais difícil a fiscalização, tanto para o MP quanto para a própria população. O Calheiros, por exemplo, foi eleito presidente do Senado por causa disso. Se o voto fosse aberto teria como o povo saber em quem cada parlamentar votou, e acredito que isso faria uma diferença enorme na hora de cada um dos senadores eleger o presidente da casa”, pondera. Para Lucas Cibillo o sistema fechado é antidemocrático, “porque o povo não vê como seus representantes estão votando e fazendo. Eles podem falar na propaganda política que fazem ‘A’ mas na verdade fazerem ‘B’”.
Também coordenadora do movimento no Rio e tesoureira do Espaço Cultural Camarim das Artes, Thamiris Carvalhaes concorda: “Por que se esconder por trás de um recurso dos tempos de exceção se não mais vivemos sob o Estado de Exceção? Se não há o que esconder, por que não acabar com o voto secreto dos parlamentares?”, indaga. “A democracia se fortalece com a clareza, a transparência, vivemos nos tempos de plena comunicação por tantas redes sociais. O voto secreto dos parlamentares, na vigência da democracia institucional, fere a lógica democrática e o bom senso da política”, sentencia Thamiris, condenando também o foro privilegiado de que gozam os parlamentares.
“O foro privilegiado agride a democracia e seu princípio de que todos somos iguais perante a lei. A ineficiência dos tribunais superiores em julgar os réus com foro privilegiado no Brasil já seria um bom motivo para propor a extinção desse mecanismo”, opina.
‘PEC da Impunidade’
Conhecida já desde o início como ‘PEC da Impunidade’ e aprovada silenciosamente na Câmara, a PEC 37/11 tenta retirar o poder do MP e também do Tribunal de Contas, das CPIs e da Receita Federal, tornando-o exclusivo da polícia, situação que somente existe em três países no mundo: Quênia, Indonésia e Uganda, que é uma ditadura.
O MP tem atuado assiduamente na propositura de denúncias, em grande parte contra a corrupção policial. Se for aprovada no Senado e sancionada pela presidente Dilma, crimes cometidos por grandes grupos empresariais e políticos somente serão investigados pela Polícia Federal e Polícia Civil, que, segundo os organizadores do movimento Dia do Basta, não possuem efetivo nem estrutura para atender toda a demanda de investigações. Para Mariana Araújo, quanto mais órgãos de fiscalização houver, melhor. Ela cita como exemplo o caso do mensalão, “no qual o Ministério Público se mostrou ser de extrema importância nas investigações, combatendo um dos graves problemas que comprometem o desenvolvimento do país”.
Segundo dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), no Brasil são desviados R$200 bilhões por ano por políticos corruptos e, de acordo com estudo publicado em 2010 pela Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), o país ainda gasta mais R$ 69,1 bilhões anuais para combatê-los. A soma equivale a quase o dobro do que o Estado brasileiro investe anualmente em saúde e educação, cerca de R$140 bilhões.
Basta
De acordo com os coordenadores, o Movimento Dia do Basta não possui fins lucrativos, é autofinanciado e mantido por voluntários. O objetivo do Basta é o resgate da ética e da moralidade no Legislativo, Executivo e Judiciário brasileiros, em todos os níveis da administração pública: nacional, estadual e municipal.
O movimento teve participação decisiva em importantes conquistas para o país, como a aprovação da Lei Complementar nº. 135/10, conhecida como ‘Lei da Ficha-Limpa’, de iniciativa popular, que impede políticos processados de se candidatarem a cargos públicos, e o fim do 14º e 15º salários dos senadores e deputados federais. Atualmente, o Basta já possui núcleos em 70 cidades.
Colaborou: Miguel Campos, de Salvador
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