Fazer comentários negativos e mostrar desprezo pelo Partido Comunista Chinês se tornou tão comum na internet chinesa nos dias atuais que um jornal ideológico do regime achou por bem combater publicamente o hábito, queixando-se de que ninguém agora apoia o Partido Comunista online.
O Manuscrito Bandeira Vermelha, uma publicação ideológica comunista ortodoxa, administrada pela revista Qiushi, que por sua vez está sob o comando do núcleo de formação oficial de quadros do Partido Comunista, a Escola Central do Partido, disse num artigo recente que a mídia social se tornou uma grande “frente” da opinião pública contra o Partido.
Esta tendência perigosa “ataca seriamente a ideologia socialista fundamental”, disse o artigo.
Como é habitual na linha de análise do Partido Comunista, os autores tentaram categorizar os tipos de discurso no Weibo, uma plataforma chinesa de mídia social similar ao Twitter. Eles disseram que há discursos que apoiam o Partido, os que têm atitude ambígua em relação ao Partido e os que são contra.
Aqueles que apoiam o regime, no entanto, são considerados “impotentes” e “sujeitos a abusos e ataques”, disse o Manuscrito Bandeira Vermelha. Enquanto isso, o sentimento anti-Partido Comunista seria uma “atmosfera parcial da grande opinião pública”.
Apesar das declarações otimistas do líder chinês Xi Jinping sobre o “Sonho da China” que todos devem abraçar, textos deste tipo de teóricos do Partido parecem destacar uma profunda falta de confiança na legitimidade pública do regime. Isto apesar do Partido Comunista ter implantado centenas de milhares de comentaristas treinados cujo trabalho é espalhar propaganda pró-Pequim online, ou, quando isso falhar, perseguir sistematicamente àqueles que não seguem a linha do Partido.
O regime não tem poupado esforços para suprimir os indivíduos online que se tornam muito populares, e que usam sua popularidade para propagar opiniões que as autoridades de propaganda julgam sensíveis ou desfavoráveis ao regime.
Em agosto do ano passado, por exemplo, o investidor Charles Xue foi arrastado perante a televisão nacional para admitir que visitou prostitutas – um esforço das autoridades comunistas que foi amplamente visto como uma tentativa de destruir sua reputação, e assim silenciar sua influência sobre o público, uma vez que ele usava sua conta no Weibo para destacar o abuso de poder e outros males do regime de partido único.
No ano passado, vários outros foram levados em custódia e tiveram suas contas de Weibo suspensas por ‘crimes’ similares de expressão.
Mas o problema de figuras públicas francas não parece ter sido resolvido. O Manuscrito Bandeira Vermelha foi mais adiante e destacou três celebridades do Weibo que gozam de numerosos seguidores e que teriam influência insidiosa sobre o público.
O primeiro era o conhecido promotor imobiliário Ren Zhiqiang, que tem mais de 20 milhões de seguidores no Weibo. Em 4 de setembro, por exemplo, ele criticou o marxismo por fazer “lavagem cerebral nas pessoas”.
Outro era Mao Yushi, um economista que afirmou publicamente que o comunismo está num “beco sem saída”. Esse post foi encaminhado 15 mil vezes. Mao Yushi é ganhador do Prêmio Milton Friedman de 2012, concedido pelo Instituto Cato, por seu apoio aos direitos individuais e ao livre mercado na China.
O ator Sun Haiying, que tem mais de 2,6 milhões de seguidores, questionou publicamente o famoso slogan do Partido Comunista: “Não haveria uma Nova China sem o Partido Comunista.” Ao que ele retrucou: “Haveria China mesmo sem ninguém.”
O ataque da mídia oficial não nomeou ninguém especificamente, mas era possível identificar os alvos a partir das descrições fornecidas. Todos são bem-conhecidos por seus sentimentos de tendência liberal e desconfiança geral no regime.
Diante de tais meliantes, o que uma ditadura leninista deveria fazer? Os autores bem já pensaram nisso.
“O futuro do Partido Comunista e da nação depende do trabalho sobre o pensamento político”, anunciaram os autores. A expressão “trabalho sobre o pensamento político” significa usar propaganda para manipular o pensamento do público e torná-lo compatível com os desejos do regime e de seus líderes.
“Devemos controlar firmemente o trabalho ideológico, a liderança ideológica, o direito de administrar e o direito de falar no Weibo.”
E quanto àqueles que “caluniam a liderança do Partido Comunista e do sistema socialista” e “interferem com a unidade social e a ordem” com seu “ruído de fundo”? Eles devem ser “tratados com firmeza e resolutamente eliminados”.
*Imagem da “censura” via Shutterstock